Dispute boards evita o surgimento de disputas em quase metade dos contratos

  • Categoria do post:JOTA

Obras de infraestrutura e construção de grandes proporções costumam ser complexas, com altos investimentos e desafios técnicos, regulatórios e ambientais que podem impactar no prazo e custos de um projeto. Não raro, esse ambiente cria impasses entre os agentes envolvidos — levando a uma paralisação dos empreendimentos.

Esse tipo de suspensão em infraestrutura causa prejuízos financeiros e sociais. Dados do Tribunal de Contas da União (TCU) mostram que cerca de 12 mil obras financiadas com recursos federais estavam travadas no fim de 2024 — o que equivale a R$ 29 bilhões. O indicador preocupa pois corresponde a mais da metade dos contratos em execução. 

Uma das soluções nesses casos é recorrer à Justiça comum, caminho caro e demorado. Nos últimos anos, no entanto, a criação de dispute boards (DBs) tem se tornado mais usual em obras de grande complexidade. Esse instrumento atua em caráter preventivo, acompanhando a obra e eventuais disputas que possam aparecer. 

Uma pesquisa recente da King’s College London, chamada “2024 Dispute Boards International Survey: A Study on the WorldWide Use of Dispute Boards over the Past Six Years”, quantificou os efeitos e impacto desse instrumento com base nas respostas de 213 entrevistados. Uma das principais conclusões foi sobre a eficiência dos DBs como uma ferramenta efetiva de prevenção.

De acordo com o levantamento, 45% das pessoas físicas entrevistadas apontaram que os comitês previstos no DB foram os responsáveis por evitar completamente o surgimento de disputas em seus contratos; 41% afirmaram que os entraves reduziram drasticamente; 81% das pessoas físicas e 75% dos financiadores analisaram os DBs como “extremamente úteis” na prevenção de disputas.

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email

Isso acontece porque os especialistas que formam um comitê independente têm a capacidade de identificar potenciais conflitos em estágios iniciais e intervir rapidamente. Isso evita o acúmulo de problemas e o comprometimento do andamento do projeto. O grupo acompanha de perto a execução da obra, com praticidade no processo de recolhimento de documentos e de provas necessárias. 

Christian Lopes, sócio da área de arbitragem e consultoria em contratos do VLF Advogados, explica sobre a atuação do comitê, normalmente composto por três pessoas — com exceções que permitem apenas um único membro. “O grupo acompanha a execução do contrato, recebe documentos, realiza visitas e reuniões e, assim, pode ajudar na prevenção de disputas de duas formas: como um órgão consultivo ou resolutivo.”

Na maior parte dos casos, os DBs são instalados a partir do fechamento do contrato de obras de grande complexidade, como estradas, pontes, hidrelétricas e outras obras públicas e de infraestrutura, além de parcerias público-privadas

Silvia Pachikoski, vice-presidente do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), ressalta que além da obra, o DB preserva o relacionamento entre as partes. “Ele evita que o conflito atinja um nível insustentável, mantendo o equilíbrio ao longo da execução do contrato. Além disso, sua condução eficaz permite que as partes apresentem suas manifestações e argumentos no momento oportuno. Às vezes, o próprio comitê faz uma análise e um julgamento técnico no instante em que o problema ocorre, garantindo eficiência”, diz ele ao indicar que a eficiência do dispute board tem conquistado até empreendimentos de menor complexidade.

A pesquisa da King’s College também aponta que é comum que as decisões dos DBs sejam mantidas quando contestadas em câmaras de arbitragem ou na Justiça. De acordo com o estudo, 79% das pessoas físicas e 68% das empresas responderam que decisões jurisdicionais “nunca” ou “raras vezes” são diferentes das impostas pelo dispute boards.

“O país aprendeu muito com experiências internacionais. O setor de grandes contratos e arbitragem é globalizado, e as práticas adotadas aqui são influenciadas por padrões internacionais. Investidores internacionais frequentemente participam desses projetos e trazem suas experiências, o que eleva a qualidade da implementação no Brasil”, argumenta Pachikoski.

Tanto Pachikoski quanto Lopes afirmam que o custo fixo ao longo de todo o contrato é um entrave para que alguns contratos aceitem adicionar o mecanismo. Mas, para os especialistas, o custo se justifica, já que evita gastos muito maiores com litígios futuros.

A pesquisa da universidade londrina corrobora essa impressão. Por se tratar de empreendimentos com um alto valor, o custo dos DBs dificilmente ultrapassa 0,5% do valor total do processo. “Não vejo desvantagens ou soluções ineficazes. Pelo contrário, a experiência tem demonstrado que, quando bem conduzidos e com cláusulas contratuais bem redigidas, esses comitês geram decisões definitivas e eficazes”, conclui Pachikoski.