O que está em jogo na ADI 7708, sobre compartilhamento de torres de telecomunicações

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O Supremo Tribunal Federal (STF) irá decidir sobre parte do futuro da infraestrutura de telecomunicações no país com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7708. Protocolada pela Associação Brasileira de Infraestrutura para Telecomunicações (Abrintel), a ação questiona a revogação do artigo 10 da Lei 11.934/2009, que estabelecia a obrigatoriedade do compartilhamento de torres de telecomunicações entre operadoras em um raio de 500 metros, salvo justificativa técnica. 

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Revogada em 2021, a mudança divide o setor das telecomunicações. De um lado, as “torreiras”, empresas responsáveis pela infraestrutura, afirmam que a derrubada da obrigatoriedade do compartilhamento nesse raio foi feita por meio de um “jabuti”, ameaça a paisagem urbana, o mercado de telecom para players menores e acarretará em custos para o consumidor final. 

Do outro, as operadoras, que dependem da infraestrutura para fazer seus negócios funcionarem. A Conexis Digital, que foi admitida no processo como amicus curiae e tem gigantes como Claro, Tim e Vivo como associadas, defende a constitucionalidade da derrubada da lei, e argumenta que o fim da regra dá mais liberdade para desenvolvimento tecnológico e novas estratégias de negócio. Além disso, diz que a manutenção da norma prejudicaria o 5G e que outras legislações garantem o compartilhamento. 

Com o artigo vigente, grandes operadoras não poderiam construir suas próprias torres em raios disputados – e com isso, seriam obrigadas a pagar aluguel para utilizar a infraestrutura das “torreiras”.

Por enquanto, as “torreiras” saíram na frente. Em setembro, o ministro Flávio Dino concedeu uma liminar que suspendeu os efeitos da revogação do artigo 10, restabelecendo temporariamente a necessidade de compartilhamento obrigatório entre operadoras no raio de 500 metros. Segundo o ministro, a revogação da exigência foi realizada sem um debate legislativo adequado e sem estudos técnicos que comprovassem seus benefícios para o setor”.

Segundo Dino, a revogação também poderia resultar na concentração de mercado e na eliminação de concorrência entre pequenas e médias operadoras. Para ele, com grandes empresas controlando integralmente a infraestrutura de torres, a nova regra dificultaria a entrada de novos concorrentes, podendo comprometer a qualidade do serviço e encarecer o acesso à conectividade para consumidores. 

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Além disso, o ministro citou “retrocesso socioambiental”, e afirmou que o crescimento desordenado de torres poderia gerar poluição visual excessiva e um uso ineficiente do solo urbano. “A revogação da obrigatoriedade aumenta a necessidade de construção de novas torres, gerando mais impacto ambiental. Desperdício de materiais e aumento de resíduos eletrônicos são consequências diretas da falta de compartilhamento. Essa mudança fere o princípio da sustentabilidade ambiental previsto no artigo 225 da Constituição”, escreveu. 

Os argumentos não foram compartilhados pelo Senado Federal, que se manifestou após a liminar. “O dispositivo impugnado não veda o compartilhamento. Ele ainda pode existir, mas a não imposição de compartilhamento altera a relação contratual entre as empresas e incentiva a inovação e o investimento em infraestrutura”, afirmaram nos autos os advogados do Senado Octavio Augusto da Silva Orzari, Ana Cristina Diógenes Rêgo, Fernando Cesar Cunha e Gabrielle Tatith Pereira.

O Senado também chamou a atenção para o fato de que a ação foi ajuizada mais de três anos após a derrubada do artigo, o que demonstra ausência de urgência para a concessão da liminar. Além disso, para o Senado, precedentes do STF (ADIs 5.769, 6.921 e 6.931) indicam que a emenda teve pertinência temática com a MP 1.018/2020, pois ambas tinham como objetivo modernizar a infraestrutura de telecomunicações, e, portanto, não se trata de um “jabuti”.

A Advocacia-Geral da União (AGU) também defendeu a validade da revogação, argumentando que não cabe ao STF interferir na autonomia do Legislativo para modificar regras setoriais. O parecer da AGU sustenta que “a revisão das normas de compartilhamento de infraestrutura deve ser feita pelo Congresso Nacional e pelos órgãos reguladores, sem ingerência judicial”. Para a AGU, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) possui mecanismos suficientes para garantir o compartilhamento de infraestrutura quando necessário, tornando desnecessária a imposição de um compartilhamento obrigatório por lei.

Procurada, a Anatel não retornou aos contatos da reportagem. O Ministério das Comunicações também não retornou à reportagem. O espaço segue aberto.

Agora, a liminar de Dino aguarda julgamento pelo plenário do STF, que poderá manter ou não a decisão. Enquanto isso, “torreiras” e operadoras se movimentam, entre discussões sobre a implantação do 5G e pareceres de municípios, para transmitir suas mensagens e garantir um sinal verde do Supremo. 

Uma agulha no paliteiro

O debate sobre a obrigatoriedade do compartilhamento de torres, que está no centro da ADI 7708, remonta a como o setor de telecom se estruturou no país. A partir da revogação do monopólio estatal do setor com emenda constitucional em 1995, o marco inicial da regulamentação da área foi a Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472, de 1997), que definiu o modelo de concessões e a regulação das operadoras de telefonia fixa e móvel. 

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Foi o fim do sistema estatal Telebras, a criação da Anatel e a realização de leilões que transferiram a estrutura estatal para as torreiras e operadoras. Essa lei também estabeleceu o princípio do compartilhamento de infraestrutura para otimizar a utilização dos recursos do setor e reduzir custos. No entanto, a legislação ainda não tratava especificamente da instalação e da proximidade entre torres de telecomunicações.

O tema passou a surgir com mais força com o boom da demanda por conectividade, e, consequentemente, de antenas, a partir do barateamento dos serviços com a expansão do mercado. “A gente já viveu momentos com CPIs de antenas nos 27 estados, falando da qualidade de serviço, acusando telecom de operar de maneira irregular”, relembra Luiz Henrique Barbosa, presidente da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp), que tem como associadas, principalmente, telecoms regionais e atua como amiga da corte na ação no STF. “Em algumas, o Ministério Público falava do efeito paliteiro, porque, nas cidades, tinha uma antena do lado da outra”. 

Os municípios passaram, então, a legislar sobre a questão – e, sem regulamentação específica federal sobre distância entre torres e regras para compartilhamento, cada um o fez de uma forma, comprometendo a segurança jurídica e muitas vezes a escalabilidade dos negócios no setor de telecomunicações. “Por exemplo, em Campinas, a lei municipal pedia o seguinte: você tem que ter a anuência de 60% dos vizinhos da antena num raio de 500 metros”, lembra Barbosa. “Agora me diz como você faz? Você vai no Tribunal Superior Eleitoral para fazer um plebiscito? Não dava para cumprir, era uma obrigação que não tinha como fazer. E assim por diante em cada cidade”. 

A Lei 11.934/2009, cuja derrubada do artigo 10 é questionada no Supremo, foi uma resposta a esse cenário. Ela trouxe uma nova exigência: o compartilhamento obrigatório de torres de telecomunicações em um raio de 500 metros, salvo justificativa técnica. “Se não fosse a regulamentação, as torres de telecomunicações teriam se tornado inimigas públicas, como acontece com os postes de energia, que hoje estão cheios de fios embolados. A regra de distanciamento mínimo evitou esse tipo de problema”, diz Luciano Stutz, presidente da Abrintel.

A lei de 2009 também impulsionou determinados players. Antes da sua criação, cada operadora tendia a instalar sua própria infraestrutura, mesmo que houvesse torres próximas capazes de suportar mais redes. Assim, não tinham que pagar aluguel para ter suas antenas cobrindo uma região. Com a imposição do compartilhamento, o modelo de negócios de empresas independentes de torres (as chamadas “towercos”, em inglês, ou as “torreiras”) cresceu, pois elas passaram a adquirir e construir torres e alugá-las para múltiplas empresas de telecomunicações.

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Por outro lado, as operadoras passaram a ter poucas opções além de alugar a infraestrutura das torreiras – e algumas abertamente fizeram movimentos para tentar diminuir essa dependência. Em 2023, por exemplo, o CEO da Tim, Alberto Griselli, falou a acionistas que, com a incorporação de estruturas da Oi, que passa por recuperação judicial, buscava o cancelamento de contratos com torreiras “o mais rápido possível”. Na época, Griselli também afirmou que pressionaria por renegociação de contratos com as torreiras em ao menos 10% dos sites em uso pela companhia.

Hoje, no Brasil, 90% dos sites, isto é, locais onde estão instaladas torres ou antenas, pertencem a torreiras, segundo estudo da consultoria TowerXchange. Uma das maiores torreiras é a American Tower, empresa norte-americana que chegou ao Brasil em 2000 e se expandiu adquirindo ativos antes pertencentes a companhias como Cemig Telecom, da BR Towers e, mais recentemente, fez negócio com a Oi, pagando R$ 41 milhões por, inclusive, torres. Atualmente, a American Tower domina cerca de 21% dos sites brasileiros, de acordo com levantamento feito pelo JOTA a partir de dados informados pela própria empresa em seu website oficial e cruzados com o mapa de sites da Conexis. Procurada, a American Tower, que é associada da Abrintel, decidiu não participar da reportagem.

Indícios de que esse cenário poderia começar a mudar vieram em 2021, durante a conversão da Medida Provisória 1.018/2020 na Lei 14.173/2021, que trouxe a mudança legislativa contestada pela Abrintel. Na ocasião, o Congresso Nacional revogou o artigo 10 da lei, eliminando a obrigatoriedade do compartilhamento de torres naquele raio de 500 metros. A MP original tratava da desoneração tributária para serviços de telecomunicações e TV por assinatura, e a revogação foi inserida no último momento, em uma emenda de relator, o que foi apontado pela Abrintel, em sua petição inicial, como um “jabuti”. 

No entanto, embora a revogação do compartilhamento obrigatório tenha se dado no âmbito da lei de 2009, o setor de telecomunicações ainda conta com a Lei Geral de Antenas (Lei nº 13.116/2015), que estabelece diretrizes nacionais para a instalação de infraestrutura de telecomunicações e regulamenta o direito de passagem para redes de telecomunicações. No artigo 14, estabelece que “é obrigatório o compartilhamento da capacidade excedente da infraestrutura de suporte, exceto quando houver justificado motivo técnico”.

É baseado nisso que a Conexis Digital argumenta que o compartilhamento ainda é obrigatório, já que o texto da lei de 2015 seria suficiente para garantir o compartilhamento no setor. “É falsa a ideia de que revogar o artigo 10 da lei de 2009 acaba com o compartilhamento”, diz Marcos Ferrari, presidente da Conexis. “O compartilhamento é obrigatório nos termos da Lei Geral de Antenas. Ele sempre existiu, é obrigatório e sempre será compartilhado quando houver capacidade ociosa daquela torre”.

Evolução tecnológica

Então, se o compartilhamento já está posto na Lei das Antenas, qual seria a necessidade de derrubar o artigo de 2009, especificamente sobre o raio de 500 metros? A evolução rápida da tecnologia, segundo Ferrari. A tecnologia 5G, cujo leilão foi realizado em 2021, época da revogação, necessita de um maior adensamento de torres para garantir cobertura. “O 2G tem uma amplitude maior, portanto, uma antena consegue ter uma cobertura maior, porém, a transmissão de dados é bem menor. Então, assim, em 2009 o artigo fazia sentido”, diz “Mas o 5G é o contrário. Tem maior transmissão de dados, menor cobertura. Aí vem a necessidade de ter as antenas mais perto umas das outras, uma necessidade premente”. 

Do outro lado, a Abrintel diz que nem sempre as antenas 5G precisam estar em torres, e podem ser instaladas “em rooftops, fachadas de prédios” etc., as chamadas small cells, segundo Luciano Stutz, presidente da associação. Ferrari é cético que esse sistema seja capaz de exaurir a necessidade de cobertura no país. “Pode usar a fachada de prédio? Pode. Mas existem muitos municípios, por exemplo, na Bahia, que têm limite de altura de edifício. Então, não funciona. Em cidades históricas, como Salvador, ou Brasília, você não consegue. Vai precisar de mais torres”. Além disso, lugares que já não têm cobertura no interior do Brasil precisarão de novas torres de qualquer forma, diz Ferrari. 

Nos autos, a Abrintel rebateu a Conexis ao apresentar um estudo que afirma que 87% das antenas 5G instaladas no Brasil até 2024 reutilizam estruturas já existentes – algo esperado, segundo Eduardo Tude, presidente da Teleco, uma consultoria de mercado de telecomunicações. “Existia de fato, há uma década, uma expectativa de que seria necessário ter muito mais antenas do que temos hoje com o 5G”, diz. “Isso não aconteceu na prática. Na estratégia das operadoras o primeiro passo é colocar 5G onde já tem estrutura, já que construir custa muito caro. Não temos expectativa de ter um boom de construção de sites 5G, mas será necessário construir”. 

O dilema entre construir mais ou não impacta diretamente os planos ambiciosos para a conectividade no Brasil. Conforme o Edital do 5G de 2021, a meta é garantir que todas as cidades brasileiras tenham cobertura completa de 5G até o final de 2029. Por exemplo, até o final de julho deste ano, a meta é ampliar a quantidade de antenas nas capitais e no Distrito Federal e atender os municípios com população igual ou superior a 500 mil habitantes (no mínimo 1 antena para cada 10 mil habitantes). 

Até julho de 2024, o 5G já estava disponível em 589 cidades, com uma cobertura média de 45% e 28 milhões de usuários com dispositivos compatíveis. O plano da Anatel para 2023-2027 prevê que a cobertura 5G deverá atingir 84% da população brasileira até 2030, e as projeções do governo federal indicam que o 5G deve adicionar aproximadamente 0,5% ao PIB do país ao ano, considerando questões como aumento de produtividade e novas oportunidades de negócios.

Enquanto isso, associações municipais, como a Federação dos Municípios do Estado do Maranhão (FAMEM) e a Associação Goiana de Municípios (AGM), ingressaram na ADI 7708 como amici curiae, ao defender que a revogação prejudica o ordenamento das cidades. Segundo essas entidades, sem a exigência de compartilhamento, o número de torres pode crescer de forma descontrolada, impactando a paisagem urbana e dificultando a fiscalização municipal. 

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Além do impacto visual e urbanístico, o fator ambiental também está em jogo. O ex-ministro das Comunicações e ex-presidente da Anatel, Juarez Martinho Quadros do Nascimento, em estudo apresentado pela Abrintel no STF, alertou para o aumento do consumo de energia e materiais caso cada operadora tenha que construir sua própria infraestrutura. “O compartilhamento obrigatório é uma política eficaz para a otimização da infraestrutura e para a redução de custos das operadoras”, afirma.

Game of Torres

Na disputa por maior poder e independência no mercado, a Abrintel diz que a revogação da obrigatoriedade de compartilhamento no raio dos 500 metros cria barreiras para pequenas operadoras e favorece as grandes empresas que já possuem infraestrutura estabelecida. Além disso, a mudança coloca em risco investimentos já feitos na área, ao trazer insegurança jurídica para os negócios, diz Barbosa, da TelComp. “O setor já conviveu com insegurança jurídica enorme, com cada município com suas regras lá atrás, sabemos como isso é”, afirma.

Os representantes das grandes operadoras, por outro lado, alegam, além das necessidades com o 5G, que o fim da obrigação incentiva investimentos e abre o mercado de torres. “Revogar o artigo 10 é um cenário positivo e favorável ao aumento da competição. Novos players no mercado, novas possibilidades de novas tecnologias. Qualquer manual básico de microeconomia vai explicar isso melhor do que eu”, diz Ferrari, da Conexis.

Antes da liminar de Dino ser dada, pelo menos três torres desnecessárias foram construídas, ao lado de outras, diz Stutz, presidente da Abrintel, em Santana do Maranhão, e em duas cidades no Piauí, Cristalândia e São José da Serra. “São três cidades pequenas de até 15 mil habitantes, são cidades pequenas mesmo”, afirma. Segundo ele, construções como essas podem pesar no bolso do consumidor final, já que empresas tendem a repassar custos, como a da construção, para o preço. No entanto, ele diz que não há estimativas do tamanho desse impacto para o consumidor final.

“É preciso separar a questão que envolve a disputa comercial de torreiras e grandes operadoras, para garantir que existam parâmetros urbanísticos padronizados para o Brasil todo”, defende Barbosa, da TelComp. A questão do monopólio existe pela história do setor, “foi quem fez primeiro”, diz Tude, da Teleco. “O problema disso é abusar da posição e cobrar preços altos das operadoras”.

A Anatel utiliza a arbitragem administrativa para solucionar disputas entre prestadoras de serviços de telecomunicações, incluindo aquelas relacionadas ao compartilhamento de infraestrutura, segundo o regimento interno da agência, de 2013. Em parceria com outras agências reguladoras, a Anatel também estabeleceu a Resolução Conjunta 1/1999 sobre compartilhamento de infraestrutura.

Um exemplo de atuação nesse sentido foi a condenação da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), a partir de decisão da comissão sobre uma reclamação de uma telecom sobre o valor cobrado pelo uso de postes em 2019. A Comissão de Resolução de Conflitos determinou, nesse caso, o preço de referência a ser aplicado, garantindo condições justas para ambas as partes e evitando a prática de preços abusivos. 

“A lei tem por objetivo evitar que tenha poluição visual, reduzir isso de modo a usar melhor o espaço público, e é um objetivo válido”, diz Tude. “Mas estamos falando de um conflito. Esse é o ponto que teria que ser regulado, e a Anatel poderia arbitrar, é o papel dela e ela tem capacidade técnica para isso”.