Por uma IA inclusiva e sustentável para as pessoas e o planeta

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Nos dias 10 e 11 de fevereiro, mais de 100 países, representados por chefes de Estado e de governo, organizações internacionais, representantes da sociedade civil, do setor privado e da academia reuniram-se em Paris para a Cúpula de Ação de Inteligência Artificial.

O Brasil esteve representado por seu chanceler, Mauro Vieira, e muitos técnicos do alto escalão do governo, para acompanhar os debates e reafirmar seu compromisso por uma inteligência artificial que seja benéfica aos seres humanos e ao planeta.

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Ao final do encontro, 59 dos países presentes, incluindo Brasil, China, Índia, França, Alemanha, e outros países desenvolvidos ou em desenvolvimento, assinaram a declaração sobre inteligência artificial inclusiva e sustentável para as pessoas e o planeta, documento estratégico e fundamental para orientar as ações destes Estados no desenvolvimento e incorporação das novas tecnologias que se utilizam de IA. 

Além dos 59 Estados signatários, também aderiram aos termos da declaração a União Europeia e a União Africana. Infelizmente, não assinaram a declaração dois países relevantes para que o desenvolvimento da IA se dê de forma ética e responsável: Estados Unidos e Reino Unido.

Ainda assim, o documento é um instrumento valioso para orientar governos e sociedades em direção a um olhar mais cuidadoso sobre essas tecnologias e, principalmente, para orientar os Estados a implementarem uma regulação adequada para que a IA seja, de fato, inclusiva e sustentável para as pessoas e o planeta.

O documento destaca que o rápido desenvolvimento das tecnologias de IA está promovendo uma mudança de paradigma, com diversas consequências para as pessoas e as sociedades. Por essa razão os países devem conceber as suas próprias estratégias de transição, e para auxiliar nesse processo a declaração identifica prioridades e lança ações concretas para servir ao interesse geral e para evitar a exclusão digital.

As ações propostas estão baseadas em três grandes princípios: respeito à ciência, desenvolvimento de soluções (com ênfase em modelos abertos de IA que respeitem as normas nacionais) e definição de padrões (respeitando os enquadramentos internacionais).

Um dos destaques da declaração versa sobre a necessidade de reforçar a diversidade do ecossistema de IA, por meio de uma abordagem inclusiva, aberta e multilateral que poderá permitir que a IA seja ética, segura, fiável e centrada nos direitos humanos. Nesse sentido, grande destaque foi dado para a necessidade e a urgência de reduzir as desigualdades e ajudar os países em desenvolvimento a ampliarem as suas capacidades de IA.

O documento assinado em Paris reafirma as iniciativas multilaterais já existentes sobre IA, destacando: as resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas; o Pacto Digital Global; a recomendação da Unesco sobre a ética da IA; a Estratégia Continental da União Africana sobre Inteligência Artificial; o trabalho da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); as ações do Conselho da Europa, da União Europeia e do G7; o Processo de Hiroshima sobre Inteligência Artificial; e o G20. 

Tendo como base esses princípios e iniciativas já estabelecidas, os países signatários da declaração elencaram ações prioritárias a serem adotadas desde já, valendo destacar as seguintes: 

  1. Promover a acessibilidade da IA ​​para reduzir a exclusão digital;
  2. Garantir que a IA seja aberta a todos, inclusiva, transparente, ética, segura e confiável, em conformidade com os quadros internacionais;
  3. Permitir a inovação no domínio da IA, criando condições propícias ao seu desenvolvimento e evitando a concentração do mercado, apoiando assim a recuperação e o desenvolvimento industrial;
  4. Incentivar a implantação de IA que tenha um impacto positivo no futuro do trabalho e dos mercados de trabalho e abra oportunidades para o crescimento sustentável;
  5. Tornar a IA sustentável para as pessoas e para o planeta; e
  6. Reforçar a cooperação internacional e promover a coordenação da governação internacional.

Além disso, os países que aderiram à declaração lançaram uma plataforma e uma incubadora para desenvolver IA de interesse geral, visando apoiar, amplificar e reduzir a fragmentação entre iniciativas públicas e privadas e reduzir o fosso digital.

Espera-se que a iniciativa de IA de interesse geral apoiará e promoverá a criação de bens públicos digitais, englobando assistência técnica e projetos de desenvolvimento de capacidades em dados, desenvolvimento de modelos, abertura e transparência, auditoria, computação, talento, financiamento e cooperação para apoiar e criar conjuntamente um ecossistema de IA confiável que sirva o interesse público de todos, para todos e por todos.

As questões relacionadas ao alto uso de energia pelas tecnologias com IA foram pela primeira vez abordadas em um encontro internacional desta magnitude. Os países signatários pactuaram pelo desenvolvimento de estratégias de cooperação e partilha de conhecimentos visando promover investimentos em sistemas de IA sustentáveis ​​(hardware, infraestruturas, modelos), incentivar discussões internacionais sobre IA e meio ambiente, criar um observatório sobre os efeitos da IA ​​na energia no âmbito da Agência Internacional de Energia e promover inovações de IA de baixo consumo de energia.

A declaração assinada também reconhece a necessidade de melhorar o conhecimento comum sobre os efeitos da IA ​​no mercado de trabalho, por meio da criação de uma rede de observatórios para melhor antecipar esses efeitos no emprego, na formação e na educação. Também reforça a necessidade de se utilizar a IA para melhorar a produtividade, o desenvolvimento de competências, a qualidade, as condições de trabalho e o diálogo social.

A declaração igualmente reconhece a necessidade de diálogos inclusivos entre as diversas partes interessadas, especialmente sobre questões de segurança, desenvolvimento sustentável, inovação, respeito pelo direito internacional, incluindo o direito humanitário e os direitos humanos, a igualdade entre mulheres e homens, a diversidade linguística, a proteção do consumidor e os direitos de propriedade intelectual. 

Os países signatários também reafirmaram o seu compromisso de lançar um diálogo global sobre a governança da IA ​​e um grupo científico multidisciplinar internacional independente. Traçaram ainda o objetivo de harmonizar a atual governança dos esforços voltados ao desenvolvimento de IA responsável, assegurando a sua complementaridade e evitando a duplicação.

Ao final, a declaração aponta para a continuidade do processo de debates internacionais sobre a IA, reforçando que o tema está na agenda internacional destes países. Nesse sentido, destaca a importância dos próximos encontros já programados sobre este tema, incluindo a Cúpula de Kigali, o 3º Fórum Global de Ética em IA, a ser organizado pela Tailândia e pela Unesco, a Conferência Global de IA de 2025 e a Cúpula Global de IA para o Bem de 2025.

A declaração assinada em Paris representa mais um importante marco internacional sobre IA, reconhecendo os potenciais benefícios destas tecnologias e reforçando, de forma enfática, a necessidade de se desenvolver regulações nacionais e internacionais que protejam a humanidade e o planeta dos riscos que podem advir destas novas tecnologias. 

A recusa dos EUA (atualmente sob o comando informal/formal das big techs, Elon Musk à frente) e do Reino Unido em assinar o documento, sob o pretexto de que são contra a regulação destas tecnologias neste momento para não “sufocar a indústria”, servem apenas para acender o alerta de que sim, está mais do que na hora destas tecnologias serem reguladas em benefício e para a proteção do interesse público e do planeta.

O discurso da desregulação já é conhecido e foi aplicado às plataformas de redes sociais, e os efeitos desta falta de regulação são sentidos fortemente nas atuais ameaças às democracias, nos discursos de ódio, na manipulação grosseira e na disseminação sem freios de mentiras. Seguiremos o mesmo roteiro macabro para as tecnologias com inteligência artificial? 

A Declaração de Paris é um alento para os que acreditam que devemos, sim, regular estas novas tecnologias com IA para que sejam, de fato, benéficas e inclusivas.