As agências reguladoras, criadas para exercerem a regulação, o controle e a fiscalização de determinadas atividades econômicas de alcance geral e interesse coletivo, como a prestação de serviços de energia, telecomunicações, transportes, saúde, a produção e comercialização de alimentos e medicamentos, bem como para o cumprimento das políticas públicas definidas pelo Legislativo e pelo Executivo, atuam como instrumento de equilíbrio entre os interesses econômicos dos agentes regulados e o atendimento ao interesse público, sob a perspectiva dos usuários e consumidores.
Como órgãos de natureza especial, e consoante preconiza a Lei Geral das Agências (Lei 13.848/19), são dotadas de autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira, não se submetem à tutela ou subordinação hierárquica quanto à sua gestão e ao poder decisório, e seus dirigentes gozam de estabilidade durante os mandatos.
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Com o objetivo de acompanhar e fiscalizar as atividades e atos normativos das agências reguladoras, recentemente foi apresentada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 42/2024, e que busca conferir à Câmara dos Deputados competência privativa com aquela finalidade de acompanhamento e fiscalização, e nisso propondo a inclusão de mais um inciso, o VI, ao artigo 51 da Constituição Federal.
Das justificativas apresentadas pela Proposta de Emenda, observa-se que seu intento é criar meios para melhorar o relacionamento e a execução de tarefas na Administração Pública, e quanto a isso também buscando conferir à Câmara dos Deputados um certo protagonismo no ambiente regulatório, tal qual já observado pelo Senado Federal, que possui competência privativa para aprovar os dirigentes das agências reguladoras.
E, embora seja induvidoso o nítido esforço da PEC 42 em promover avanços no controle e fiscalização das agências reguladoras, na realidade o intento esperado poderá resultar frustrado e, o que é mais grave, poderá desencadear um cenário de retrocessos.
A PEC 42/2024 parece refletir a equivocada visão de que as agências reguladoras, por terem autonomia, são independentes e por isso os mecanismos de controle e fiscalização de suas atividades seriam limitados, quiçá inexistentes, daí a necessidade de mudança deste cenário. Tal compreensão, porém, encontra-se dissociada do real ambiente de controle ao qual as agências devem estar submetidas para o cumprimento de seu papel institucional.
Não bastasse as agências reguladoras não comportarem ser confundidas com entidades independentes, mesmo com relação à autonomia o seu dimensionamento deve estabelecer-se com limitações.
A autonomia das agências reguladoras é para que possam exercer suas competências e atribuições sem interferências externas, sejam políticas, institucionais, corporativas ou econômicas, e para que atuem de maneira correta em sua competência técnica. A autonomia das agências somente admite ser considerada como suporte a respaldar o pleno cumprimento de seus deveres, ou seja, têm autonomia para atuar com acerto na gestão e no exercício do seu poder decisório.
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Quando atuam em desalinho com seus objetivos, desviam-se de seus propósitos e deixam de cumprir sua missão institucional de atendimento ao interesse público, não lhes socorrendo a autonomia para chancelar suas ações. Nesta situação as agências estão sujeitas ao controle e responsabilização em diferentes esferas e por mecanismos já suficientemente disponíveis em nosso sistema jurídico e na estrutura estatal. Se este sistema de controle e fiscalização não está funcionando a contento não é porque não existe, mas sim porque vem sendo negligenciado, demonstrando-se ineficiente.
E a PEC 42, nos termos em que proposta, seguramente pouco contribuirá para o alcance de um melhor controle e fiscalização das agências. Sua proposição não traz nenhum componente substancialmente inovador pois o acompanhamento e a fiscalização das atividades das agências já são realizados pelos órgãos estatais de supervisão e controle existentes, como o são, no âmbito federal, os próprios Ministérios aos quais as agências estão vinculadas, bem como os órgãos específicos com aquelas finalidades, como a Controladoria-Geral da União, o Tribunal de Contas da União, os órgãos de defesa do consumidor, o Ministério Público Federal e, até mesmo, o Congresso Nacional.
Sobre este já existente acompanhamento, controle e fiscalização das agências pelo Parlamento, há, inclusive, prerrogativa exclusiva do Legislativo a respeito. O artigo 50 da Constituição Federal assegura à Câmara, ao Senado ou às suas Comissões a convocação de Ministros de Estado para prestar informações sobre temas previamente determinados, com a possibilidade de configurar crime de responsabilidade em caso de ausência injustificada.
Portanto, sempre que necessário, o funcionamento, os serviços e as atividades das agências podem ser submetidos ao crivo do Legislativo, o que, aliás, até ocorre comumente, cabendo ao Ministro de Estado desincumbir-se dessa obrigação. Adicionalmente, o artigo 49, incisos X e XI, também confere competência exclusiva ao Congresso Nacional para fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, incluindo a administração indireta, bem como para zelar pela preservação de sua competência legislativa em relação aos demais Poderes.
Em situações de excesso normativo por parte das agências, o Congresso pode editar Decreto Legislativo (art. 59, VI da CF) para sustar os atos que extrapolem os limites da delegação legislativa.
E não é demasiado afirmar que, havendo hoje a possibilidade de um entorno comum de atenção tanto pela Câmara como pelo Senado com relação ao monitoramento das atividades das agências, a pretendida extensão do campo da competência privativa à Câmara, como proposto pela PEC 42/2024, com o acréscimo do inciso VI ao artigo 51, da Constituição Federal, resultará na fixação de uma competência exclusiva daquela Casa legislativa sobre o tema e, em consequência, com a exclusão da mesma competência que hoje é conferida também ao Senado, projetando-se tal supressão como uma perspectiva de retrocesso e não de avanço.
Consta também do texto de emenda proposto a previsão de encaminhamento de fatos ilícitos dolosos às autoridades competentes, como o Ministério Público, a Advocacia-Geral da União e o TCU. Mas como tal possibilidade de impulso, para fins de responsabilização administrativa, penal e civil dos agentes públicos já se encontra amplamente contemplada no ordenamento jurídico vigente, inclusive estando até mesmo o cidadão legitimado a tanto, não é necessário maior esforço para se admitir que a proposição, a rigor, não traz inovação.
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A Proposta de Emenda foi apresentada em 11 de novembro de 2024. Parece ter sido motivada pela grave crise no fornecimento de energia elétrica no Estado de São Paulo, especialmente na capital, que sofreu com vários dias de interrupções causadas por severas condições climáticas nos últimos meses do ano. A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) foi muito cobrada por não ter demonstrado capacidade para adotar medidas eficazes junto à companhia de distribuição, a fim de resolver ou mitigar os problemas com urgência. Situações como esta, envoltas pelo clamor público, invariavelmente servem de gatilho para proposições legislativas, inclusive de status constitucional, como no presente caso. Todavia, nos termos em que redigida, a PEC 42/2024 não apresenta avanços ou inovações significativos no controle e fiscalização das agências pelo Congresso Nacional pois, como visto, já existem.
Medidas que objetivem ao aperfeiçoamento e eficiência de instrumentos e mecanismos de controle e fiscalização são de elevada importância e devem mesmo ser um desafio constante para a sociedade. E, embora mereça aplausos pela virtude de sua iniciativa, a PEC 42/2024 ainda não é a expressão de um avanço satisfatório e suficientemente focado em se alcançar melhores resultados e eficiência das agências reguladoras. Certamente o principal desafio para a PEC 42 será a demonstração de sua necessidade pois, se aprovada, não produzirá mudanças significativas no acompanhamento, controle e fiscalização das agências.