A implementação do Código Florestal tem avançado a passos lentos. A consolidação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) foi um marco importante, com a adesão de mais de 7 milhões de propriedades rurais – cerca de 90% da área cadastrável no país.
No entanto, desafios permanecem, em relação à análise de cadastros pelos estados e a efetiva regularização ambiental das propriedades, especialmente em áreas de maior desmatamento.
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Para marcar o lançamento dos novos dados do Termômetro do Código Florestal no início de dezembro, este artigo apresenta três caminhos para avançar na implementação das ferramentas criadas pela legislação e necessárias para o ordenamento territorial brasileiro.
Uma barreira para a implementação é a sobreposição de registros de CAR, nas áreas públicas, por exemplo, florestas públicas não destinadas, terras indígenas e unidades de conservação.
O Termômetro do Código Florestal indica que a sobreposição de registros do CAR em florestas públicas não destinadas na Amazônia chegou a 18,3 milhões de hectares, um acréscimo de 3 milhões de hectares na comparação com os dados de 2023. Aproximadamente 94% desses imóveis são grandes propriedades, ou seja, maiores que 15 módulos fiscais.
Na prática, a sobreposição é isso mesmo que o nome diz: um terreno declarado “por cima” de outro no mapa. Imagine um quadrado, por exemplo, no sul do estado do Amazonas, delimitando uma área de unidade de conservação. Só que dentro deste quadrado há uma figura menor. É assim que visualizamos uma sobreposição de CAR a outros tipos de áreas que já existem oficialmente.
Primeiro, é importante esclarecer que o CAR não é um registro de propriedade. É uma ferramenta criada pelo Código Florestal para monitorar a condição da vegetação nativa das terras rurais no Brasil, exigindo que os proprietários ou posseiros registrem informações como reserva legal, as Áreas de Preservação Permanente e outros usos do solo. Infelizmente, essa ferramenta tem sido usada de forma distorcida.
Como o CAR é declaratório, alguns registros sobrepostos são comumente associados à grilagem, mas o CAR não foi criado para isso. O instrumento do Código Florestal foi pensado para facilitar a integração de informações sobre imóveis rurais, oferecer meios de monitoramento e gestão ambiental, além de promover a regularização ambiental da propriedade.
Resolver a sobreposição de CAR, principalmente na Amazônia, envolve avançar na análise e validação dos dados registrados, mas não só. Os técnicos de órgãos ambientais estaduais precisam de mais segurança técnica e jurídica para tratar o processo da sobreposição na hora da análise.
Para evitar as sobreposições, é essencial integrar bases de dados oficiais, como as do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Sigef (Sistema de Gestão Fundiária) e SNCI (Sistema de Certificação de Imóveis Rurais), e utilizar tecnologias avançadas de georreferenciamento a fim de detectar inconsistências e sobreposições ilegais. Além disso, capacitar técnicos, priorizar a análise de áreas críticas, reforçar a fiscalização, monitoramento e ampliar a transparência dos dados.
A articulação entre órgãos estaduais, municipais e federais é necessária para resolver conflitos fundiários e alinhar as informações, garantindo um CAR mais confiável e alinhado à regularização ambiental e à segurança jurídica.
O monitoramento social também é importante, permitindo que a sociedade e as comunidades locais possam identificar e denunciar sobreposições, promovendo a correção dos registros e a proteção efetiva do patrimônio público, além de garantir os direitos dos habitantes legítimos do território.
Outra questão que precisa ser aprimorada trata dos assentamentos rurais. E as soluções para cada um destes desafios passam por estratégias diferentes.
Um caminho possível reflete o fato de que agricultores familiares seriam beneficiados com a individualização do registro, um CAR lote a lote em assentamentos com características de uso individual. Os cadastros deste tipo de categoria fundiária seguem até hoje apenas com o perímetro total da área. A mudança possibilitaria a entrada de pequenos produtores no processo de licenciamento ambiental e o acesso a outras políticas públicas.
Há ainda o desafio na implementação do Código Florestal quanto ao registro de territórios coletivos no CAR. Não existe uma normativa que trata das especificidades da inscrição e análise do CAR PCT, que é específico para povos e comunidades tradicionais. A medida é recente e, no momento, se concentra em avaliar quais são e onde estão estes territórios coletivos, bem como as lacunas existentes para completar sua inscrição.
Porém, é preciso definir como será a análise dos cadastros destes territórios e de que forma será a sua regularização ambiental. O Observatório do Código Florestal indica, para este caminho, que sejam feitas as consultas prévias e informadas com respeito às decisões das comunidades.
Afinal, o cadastro neste caso é coletivo e o registro das feições internas deve ser facultativo à decisão comunitária. Vale ressaltar que as iniciativas de CAR PCT devem ter autonomia no processo de inscrição.
As respostas para a implementação do Código Florestal Brasileiro permeiam, portanto, ajustes em processos em andamento, diálogo com comunidades e produtores de diversos níveis, bem como a atuação efetiva contra ilegalidades que tentam se infiltrar nos instrumentos da legislação.
O Código Florestal (Lei 12.651/2012) é uma das leis mais significativas para a política ambiental do Brasil. Além de trazer alternativas e instrumentos financeiros para conservação e recuperação da vegetação nativa, em pleno funcionamento, oferece benefícios para toda a população, incluindo a manutenção de recursos naturais para produção de alimentos, como a água; a proteção da biodiversidade; e a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas para a sustentabilidade desta e das próximas gerações.
O Termômetro do Código Florestal é uma iniciativa do Observatório do Código Florestal, desenvolvida pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) em colaboração com ICV (Instituto Centro de Vida), Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), ISA (Instituto Socioambiental), Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais, Amigos da Terra – Amazônia Brasileira e Instituto BVRio.