De olho no Planalto, governadores de direita buscam estratégias para lidar com Bolsonaro

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Duas vezes podem ser coincidência. Quatro, não. Todos os governadores de direita vistos como alternativas presidenciais para 2026 tiveram em Jair Bolsonaro um obstáculo nas disputas das capitais. Mesmo os que apoiavam chapas com vices escolhidos pelo ex-presidente. Enquanto preparam a agenda dos próximos dois anos para projetar força, Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado, Romeu Zema e Ratinho Jr. sabem que gerenciar Bolsonaro e seus apoiadores fiéis também é uma tarefa inescapável.  

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O caso mais explícito é o de Caiado, que enfrentou por todo o estado de Goiás o esforço do PL para enfraquecer a aliança entre o seu União Brasil e o MDB do seu vice e sucessor putativo, Leandro Vilela. O ataque do ex-presidente deu errado em Goiânia e na maioria das principais cidades do estado: Aparecida de Goiânia, Rio Verde, Luziânia e Valparaíso. Vitórias do PL em Anápolis e em polos do agro como Jataí e Cristalina só diminuíram a goleada.  

Fortalecido e com maioria sólida na Assembleia, Caiado partiu para o embate com Lula e Bolsonaro. Escolheu a segurança como bandeira para se projetar nacionalmente e confrontou o presidente da República em reunião no Planalto na quinta-feira (31). Antes, disse que, diferentemente de Bolsonaro, mostrou que sabe vencer eleições. O ex-presidente disse que o governador de Goiás “vira teu inimigo” quando é desagradado.

Não é uma postura disponível para Romeu Zema (Novo). Enfraquecido pelo desempenho eleitoral neste ano em Minas Gerais e pelas dificuldades políticas na Assembleia, ele engole aos poucos o orgulho e começa a mostrar maior alinhamento com a direita bolsonarista.   

No primeiro turno, o governador de Minas havia preferido não apoiar Bruno Engler (PL) em Belo Horizonte e aderiu ao então líder das pesquisas Mauro Tramonte (Republicanos). Apoio pouco mais que formal, que não disfarçou o desgaste de ter embarcado em candidatura em alta que nem chegou ao segundo turno. Quase sem querer, sem muita ênfase, passou então a apoiar Engler, que chegou em primeiro ao segundo turno e acabou derrotado pelo prefeito Fuad Noman (PSD). 

No segundo turno, ele também apoiou candidatos do PL com vices do Novo em MT e GO, mostrando proximidade rara com os bolsonaristas e sinalizando que os planos para a sucessão no estado não levam em conta um voo solo de seu vice, também do Novo.    

Até mais preocupante para os planos nacionais de Zema e para a reta final do seu governo foi o desempenho no interior, crucial para a reeleição com folga em 2022. A Assembleia farejou a fraqueza e impôs derrota atrás de derrota ao governador após o segundo turno, incluindo o sonoro 49×0 na derrubada de veto ao reajuste para trabalhadores da educação.

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Com isso, a agenda ambiciosa que Zema sempre defendeu e nunca implementou tem cada vez mais chance de ficar só no discurso, como a privatização de Cemig e Copasa, que depende de emenda constitucional (ou de um improvável plebiscito). Mesmo uma medida mais discreta, a entrega da administração de escolas a entidades privadas, sofreu revés depois da eleição. O Tribunal de Contas de MG suspendeu liminarmente a concessão na quarta-feira (30). 

Tarcísio de Freitas, por sua vez, não só concedeu a gestão da infraestrutura de escolas depois da eleição como levou à frente a concessão da Rota Sorocabana, por R$ 1,6 bilhão, com previsão de 460 km de obras em rodovias. O gesto símbolo do governador de SP de quebrar martelos em leilões deve ficar mais frequente nos próximos dois anos, em cenário de maior força na Assembleia, apesar de tensões entre PL e PSD. 

Tendo lavado as mãos na disputa entre partidos da base por quase todo o interior, Tarcísio recebe publicamente “constrangido” apoios que o credenciam como figura nacional, ainda que siga firme em dizer que buscará a reeleição. 

Ricardo Nunes (MDB) o chamou de “líder maior” no discurso de vitória e, em momento ainda mais simbólico disse: “Me deu a mão na hora mais difícil”. Era o contraste óbvio com Bolsonaro, que sob pressão pró Pablo Marçal vinda da base nas redes sociais sinalizou ao ex-coach e tratou Nunes como um estorvo, apesar do vice bolsonarista Mello Araújo, indicado por ele ao prefeito. 

Foi o mesmo em Curitiba. Ratinho Jr., que busca se credenciar para chapas presidenciais, investiu anos no projeto de fazer do vice-prefeito Eduardo Pimentel (PSD) o sucessor de Rafael Greca. Acolheu o vice bolsonarista Paulo Martins (PL), fez concessões no interior. Tudo para Bolsonaro elogiar Cristina Graeml (PMB) na reta final do primeiro turno e autorizá-la a usar sua foto na campanha. 

Com a vitória de Pimentel e o bom desempenho de seus aliados no interior, em muitos casos em aliança com o PL, o governador do Paraná tem maioria sólida na Assembleia e conta com o apoio do presidente eleito da Casa, Alexandre Curi (PSD), para ampliar sua agenda que mistura concessões e apoio a municípios. Curi não disfarça a distinção com o PL, ao dizer que o governador mostrou fazer parte de uma “direita popular, que se comunica com todos”. 

O governador conta com a rede de comunicação de sua família e o apoio do pai, o apresentador Ratinho, para projetar sua imagem para além do estado. E recebeu comentários elogiosos de Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, sempre disposto a mostrar que seu partido, maior vencedor de prefeituras este ano, tem alternativas de poder nacional.

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Todos esses governadores têm de lidar com a base arisca de bolsonaristas do PL em seus estados, sempre disposta a criar problemas para marcar pontos com os apoiadores do ex-presidente. E todos pesam o nível de transferência de voto e de transferência de rejeição. E, fora Caiado, os pretendentes da direita precisam fingir que Bolsonaro, mesmo inelegível, pode concorrer à Presidência, para não entrar na mira das redes. 

Cada um a seu jeito tenta projetar ser mais confiável que um líder poderoso e imprevisível sem parecer traí-lo, enquanto sonda o terreno para um salto do comando estadual para o federal. Salto em que todos os governadores falharam nos últimos 35 anos.