Eleições municipais e políticas de ações afirmativas à população negra

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Em 2024, as eleições municipais são o principal evento político do ano. Eleitores e eleitoras de mais de 5.500 municípios brasileiros, residentes de territórios urbanos e rurais, agricultores e agricultoras familiares, povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais irão às urnas eleger prefeitos(as), vice-prefeitos(as) e vereadores(as). Aqueles que forem eleitos serão responsáveis pela gestão municipal nos próximos quatro anos (2025-2028).

A última eleição municipal ocorreu em 2020. Naquele ano, o Brasil ainda não havia promulgado a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. No entanto, em 10 de janeiro de 2022, através do Decreto 10.932/2022, o Estado brasileiro ratificou esse acordo internacional, demonstrando um compromisso formal com a erradicação do racismo e a promoção da igualdade racial.

Em 2024, o voto do ministro do STF Flávio Dino, na ocasião da ADI 7654, reforçou que a Convenção, incorporada ao ordenamento interno na forma do § 3° do art. 5° da Constituição Federal de 1988, impõe que o Estado brasileiro adote políticas de promoção da igualdade de oportunidades para pessoas ou grupos sujeitos ao racismo, à discriminação racial e formas correlatas de intolerância (nos termos do art. 5° do Decreto 10.932/2022).

Entre essas políticas, estão aquelas de caráter educacional, medidas trabalhistas ou sociais, ou outras necessárias para assegurar o exercício dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas (conforme art. 6º do Decreto 10.932/2022).

No âmbito federal, a Lei 12.990/2014 (lei de cotas raciais nos concursos públicos) visa a promoção da igualdade de oportunidades à população negra no acesso ao mercado de trabalho do serviço público federal. Em 2017, por unanimidade, o plenário do STF declarou a constitucionalidade da Lei 12.990/14.

Conforme o voto proferido pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator da ADC 41, a política de ação afirmativa “se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente”. No mínimo dois aspectos devem ser apontados no trecho jurisprudencial destacado, conforme exposto no que segue.

Em primeiro lugar, o referido pronunciamento do ministro valida as cotas raciais nos concursos públicos enquanto instrumento para a promoção do direito à igualdade; não apenas da igualdade material, mas também da igualdade como reconhecimento (art. 5º, caput, CF/1988). Adicionalmente, as cotas criam as condições para a promoção do princípio da isonomia à população negra nas contratações do setor público, nos termos do Estatuto da Igualdade Racial (arts. 1º e 39, ambos da Lei 12.288/2010).

Contudo, um dos aspectos que merece atenção é o seguinte: em que pese o Estado brasileiro também abarcar outros entes federativos, a abrangência da Lei 12.990/2014 se limita aos órgãos controlados pela União, conforme expresso no art. 1º do referido diploma legal.

Diante dos direitos constitucionais expressos e ratificados pelo Estado brasileiro em compromissos internacionais, principalmente a Convenção no ano de 2022, os candidatos e candidatas nas eleições municipais de 2024 têm o dever de apresentar em seus planos de governo políticas de ações afirmativas a serem desenvolvidas no âmbito municipal.

Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indicam que para as eleições municipais neste ano somos 158.869.197 eleitores(as) aptos(as) a votar, e assim definir os rumos dos próximos quatro anos das gestões municipais para mais de 200 milhões de brasileiros e brasileiras, conforme dado do IBGE.

Além do voto, que é obrigatório no Brasil para maiores de 18 anos, os eleitores devem contribuir dignamente para a vida política do país por meio de várias outras ações em prol do fortalecimento da democracia. Por sua vez, a defesa da democracia, essencial para a garantia dos direitos e garantias individuais, coletivos e sociais, não pode ser vista sem que as pessoas votantes exerçam plenamente os seus deveres enquanto cidadãos. No contexto das eleições de 2024, isso significa definir quais políticas de ações afirmativas desejamos para os próximos quatro anos em nossos municípios.

Vale lembrar que, segundo o IBGE, a população negra constitui 55% da população brasileira, sendo o principal beneficiário das ações afirmativas nos mais de 5.500 municípios do país. Os candidatos nas eleições municipais de 2024 têm o desafio de propor políticas que visem proporcionar tratamento equitativo e gerar igualdade de oportunidades para todas as pessoas ou grupos sujeitos ao racismo e outras formas de discriminação e intolerância.

Além disso, as políticas de ações afirmativas também promovem o desenvolvimento econômico do Brasil com diversidade e equidade, alinhadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), à agenda do Pacto Global da ONU e às práticas ESG (Environmental, Social and Governance).

No que se refere aos ODS, pelo menos sete deles são fomentados pela implementação dessas políticas: 1) Erradicação da pobreza; 4) Educação de qualidade; 5) Igualdade de gênero; 8) Trabalho decente e crescimento econômico; 10) Redução das desigualdades; 11) Cidades e comunidades sustentáveis; e 18) Igualdade étnico-racial, objetivo proposto pelo governo brasileirocomo o objetivo voluntariamente adotado pelo Brasil de promoção da igualdade étnico-racial na sociedade brasileira, com foco específico nas desigualdades que afetam especialmente os povos indígenas e a população negra”.

Portanto, é evidente que as propostas de candidaturas municipais nas eleições de 2024, se eleitas, poderão se transformar em ações afirmativas com grande potencial de contribuir para a Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável.

Não se pode perder de vista que voto é poder. É o povo que tem o poder de colocar os representantes que, em tese, estarão comprometidos com o planejamento e execução das políticas públicas no melhor interesse da sociedade. Nesse ponto, cabe o questionamento: senhoras e senhores eleitores, quais propostas de políticas de ações afirmativas para a população negra o seu candidato ou candidata estão apresentando?

É fundamental reconhecer que a verdadeira democracia no Brasil só será alcançada quando superarmos as barreiras de desigualdade impostas à população negra. Os gestores municipais têm uma responsabilidade crucial na concretização dos princípios que alicerçam a democracia brasileira, o que, obviamente, impõe aos agentes políticos o dever de atender os anseios de grupos sociais marginalizados desde a sua chegada nos primeiros navios negreiros. As ações dos representantes do povo nas prefeituras e câmaras de vereadores nos milhares de municípios Brasil afora (e adentro) podem efetivamente promover a equidade e a justiça social.

Caro eleitor: esteja ciente das propostas de seus candidatos, especialmente aquelas que visam beneficiar a população negra. Políticas de ações afirmativas são essenciais para garantir igualdade de oportunidades e combater a discriminação racial. A participação ativa de todos é indispensável para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

Em 2024, o primeiro turno das eleições municipais ocorrerá em 6 de outubro e o segundo turno no último domingo do mês, dia 27 de outubro. É o momento de exercer nossa cidadania e votar em candidatos comprometidos com a igualdade racial e a inclusão social. Avante rumo à democracia!