No primeiro semestre de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisões importantes em matéria trabalhista, trazendo à tona questões que há muito tempo eram controversas no âmbito dos tribunais.
Em fevereiro, o STF, ao examinar o RE 688.267 (Tema 1022 da Tabela de Repercussão Geral), por maioria, decidiu que as empresas públicas e as sociedades de economia mista têm o dever jurídico de motivar, em ato formal, a dispensa de seus empregados concursados, não se exigindo, contudo, processo administrativo.
A decisão trouxe segurança jurídica ao definir que deve haver motivação razoável na dispensa, ainda que não seja necessário enquadrar a dispensa nas hipóteses de justa causa previstas na legislação trabalhista. Contudo, persiste a preocupação sobre o que seria considerado um “fundamento razoável”, circunstância que, na visão de alguns juristas, pode aumentar a judicialização sobre o tema.
A Suprema Corte reafirmou, ainda no primeiro semestre desse ano, sua jurisprudência vinculante da ADPF 324 e da ADC 48, decidindo pela licitude dos novos modelos de contratação sem vínculo empregatício, mesmo quando a prestação de serviços ocorre por contrato comercial de natureza civil (Rcl 63.823, Rcl 65.011, Rcl 66.517, entre outras). Essa posição do Supremo fortalece a flexibilidade contratual e a segurança jurídica para empresas que utilizam modelos alternativos de contratação.
Por outro lado, houve algumas decisões em sentido contrário, proferidas no âmbito das Rcl 63.573 e 61.438, em que os ministros mantiveram o vínculo de emprego reconhecido pela Justiça do Trabalho em casos nos quais se discutiam a prestação de serviços de advogado associado e corretor de imóveis, respectivamente.
Sem adentrar no mérito das demandas e na existência ou não de aderência estrita, tais decisões – que não necessariamente representam uma virada de posicionamento – podem ser decorrentes da avalanche de reclamações constitucionais que a corte enfrentou nos últimos anos, fato que pode atrair a necessidade de se colocar uma espécie de freio em demandas dessa natureza.
Merece destaque também o importante passo que deu a Corte Constitucional na consolidação de jurisprudência sobre a controvérsia acerca do reconhecimento de vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e as empresas de plataforma digital. Em 28 de fevereiro deste ano, o Plenário formou maioria para reconhecer a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada.
O STF também proferiu decisão relevante no âmbito do ARE 1.476.596, processo remetido pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) na qualidade de representante da controvérsia. Por ocasião do julgamento, o Supremo teve a oportunidade de reafirmar a tese já fixada no âmbito do Tema 1.046 de repercussão geral, esclarecendo que a razão de decidir do precedente vinculante foi o estímulo dado pela Constituição à negociação coletiva e à normatização autônoma, sendo necessário afastar interpretações de cláusulas coletivas de forma a restringi-las ou anulá-las.
Ainda, no plenário virtual entre junho e agosto de 2024, foi a retomado o debate sobre o Tema 1232 de repercussão geral, que trata da possibilidade de inclusão de pessoa jurídica no polo passivo da execução trabalhista sem que tenha participado da fase de conhecimento.
O ministro relator Dias Toffoli havia proposto a fixação do tema no sentido de que é permitida a inclusão, no polo passivo da execução trabalhista, de pessoa jurídica pertencente ao mesmo grupo econômico e que não participou da fase de conhecimento, desde que o redirecionamento seja precedido da instauração de incidente de desconsideração da pessoa jurídica, nos termos do art. 133 a 137 do CPC.
A retomada e a possível conclusão do referido julgamento, no segundo semestre desse ano, é de extrema relevância para determinar o curso de inúmeras execuções trabalhistas em que empresas foram incluídas na fase de execução sob alegação de grupo econômico, sem que tenham participado da fase de conhecimento.
O STF está, ainda, prestes a decidir sobre casos trabalhistas de grande relevância no segundo semestre de 2024. A pauta de julgamento de agosto já foi divulgada e inclui casos que podem trazer profundas mudanças nas relações de trabalho no Brasil.
Nos últimos anos, a Corte Constitucional tem se posicionado cada vez mais sobre matérias trabalhistas, especialmente após a reforma trabalhista de 2017 e a decisão vinculante proferida na ADPF 324 em 2018. Os julgamentos do segundo semestre deste ano devem seguir essa mesma tendência, sendo provável que o posicionamento do STF se dê com ênfase na valorização da livre iniciativa, do negociado sobre o legislado e nos novos modelos de negócio/contratação, inclusive por meio das reclamações constitucionais (ainda que em menor número).
Destaca-se que neste mês de agosto o STF julgará a ADO 73, que versa sobre a omissão inconstitucional quanto à proteção do trabalhador em face da automação, já que não foi promulgada a lei prevista no art. 7º, XXVII, da CF.
A depender do resultado da referida ação, o Congresso pode ser chamado a suprir a omissão legislativa, que já perdura há 36 anos, resultando em leis que imponham critérios mais rígidos para processos de automação nas empresas, incluindo a participação obrigatória dos sindicatos, a vedação de dispensa coletiva, o pagamento de indenizações e a criação de programas de capacitação para trabalhadores (a exemplo dos PLs 1091/2019 e 4035/2019 que atualmente correm nas casas legislativas).
Há também a possibilidade de o próprio STF suprir provisoriamente a omissão legislativa, fixando medidas temporárias até a promulgação da lei, que podem ou não ser próximas às debatidas nos projetos de lei em tramite no Congresso.
Outra ação importante para ser debatida pelos ministros é ADI 1.625, que versa sobre a incorporação da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) às leis brasileiras e a consequente (im)possibilidade de dispensa imotivada, julgamento que já foi suspenso em outras ocasiões.
O entendimento do STF parece se dar no sentido de que a denúncia, pelo presidente da República, de tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional exige a sua aprovação, sendo que a referida decisão terá efeitos prospectivos a partir do julgamento da ação (conforme votos anteriores proferidos). O referido julgamento pode pacificar uma controvérsia de longa data, evitando uma abrupta mudança no cenário das dispensas imotivadas.
Faz-se breve destaque às ADIs 5.826, 5.829 e 6154, pautadas também para agosto e que tratam de dispositivos da reforma trabalhista acerca do trabalho intermitente. Antes da suspensão do julgamento, o relator ministro Fachin entendeu que uma série de indefinições quanto ao tempo de trabalho e a expectativa remuneratória nessa modalidade contratual não observa garantias fundamentais mínimas do trabalhador, de modo que seriam inconstitucionais quase todas as normas que regulam a modalidade (mais especificamente os arts. 443, caput, parte final, e § 3°, 452-A, § 1° ao § 9°, e 611-A, VIII, todos da CLT). Prevalecendo o referido voto, não será extinta a modalidade do trabalho intermitente, mas será necessária sua nova regulamentação por meio de lei, de forma mais específica, nos termos do entendimento do Supremo.
As decisões do STF no primeiro semestre de 2024 já trouxeram importantes avanços e segurança jurídica para diversas questões trabalhistas. O segundo semestre promete julgamentos igualmente relevantes, que podem moldar significativamente o futuro das relações de trabalho no Brasil. Acompanhar essas decisões é fundamental para entender as mudanças no panorama trabalhista e suas implicações para empregadores e empregados.