O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Segundo dados oficiais da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) Contínua, 27,5% dos brasileiros estavam abaixo da linha da pobreza (famílias com rendimento diário de até US$ 6,85 por pessoa, conforme critério do Banco Mundial), em 2023. Já a renda média mensal do brasileiro, no mesmo ano, foi estimada em R$ 2.846 (considerando todas as fontes), sendo que a renda média mensal domiciliar per capita dos 40% da população com menores rendimentos alcançou somente R$ 527.
Essa desigualdade traz consequências perversas para o acesso a alimentos. Mesmo com 19% dos domicílios do país recebendo algum benefício do programa Bolsa Família, ainda que consideremos os números mais otimistas, como da edição de 2024 do Relatório das Nações Unidas sobre o Estado de Insegurança Alimentar Mundial (SOFI), recentemente divulgado, tivemos mais de 2 milhões de brasileiros em insegurança alimentar severa, ou seja, sem qualquer acesso a alimentos, passando um ou mais dias sem comer, em 2023.
Nesse contexto, a tributação dos alimentos toma ainda mais relevância na regulamentação da reforma tributária relativa ao consumo, promovida pela Emenda Constitucional 132, promulgada em 20 de dezembro de 2023. E o Congresso Nacional tem demonstrado imensa sensibilidade em relação à matéria.
Já durante a tramitação da EC 132 aprovou a criação de uma Cesta Básica Nacional de Alimentos (não prevista no texto original), que deverá considerar “a diversidade regional e cultural da alimentação do país”, além de garantir alimentação saudável e nutricionalmente adequada”, tudo isso “em observância ao direito social à alimentação” previsto na Constituição Federal, delegando ao legislador complementar a definição dos produtos destinados à alimentação humana que a comporão, sobre os quais as alíquotas dos novos tributos (IBS e CBS) serão reduzidas a zero.
Ao lado disso, também delegou ao legislador complementar prever as hipóteses de redução em 100% das alíquotas do IBS e da CBS para produtos hortícolas, frutas e ovos, bem como definir as operações com alimentos destinados ao consumo humano beneficiadas com redução de 60% das alíquotas dos novos tributos, incluindo sucos naturais sem adição de açúcares e conservantes.
Dessa forma, será a lei complementar regulamentadora da reforma tributária que definirá tanto os alimentos que comporão a Cesta Básica Nacional de Alimentos, quanto os alimentos abrangidos pela redução de 60% das alíquotas dos novos tributos, com relevantes impactos sociais.
E um importante passo nesse processo foi dado pela Câmara dos Deputados com a aprovação, no último dia 10 de julho, do PLP 68/2024, incluindo carnes, queijo e sal, além de óleos de milho, aveia e farinhas nos itens da Cesta Básica Nacional, ainda que se tenha limitado a 12 grupos os alimentos destinados ao consumo humano abrangidos pela redução de 60% das alíquotas do IBS e da CBS.
Porém, importante recordar que tanto os itens da Cesta Básica Nacional de Alimentos quanto os alimentos abrangidos pela redução de 60% das alíquotas dos novos tributos serão submetidos à “avaliação quinquenal da eficiência, eficácia e efetividade, enquanto políticas sociais, ambientais e de desenvolvimento econômico”, que podem resultar “em recomendações de revisão dos regimes e políticas”, caso em que “o Poder Executivo da União, poderá encaminhar ao Congresso Nacional projeto de lei complementar com as mudanças propostas”, conforme previsão do artigo 465 do PLP 68.
Assim, ainda com os avanços conquistados na tramitação na Câmara, o texto deve seguir sendo aprimorado em sua tramitação no Senado, especialmente para limitar eventual aumento de carga tributária sobre alimentos.
Este é um momento fundamental para promover os ajustes necessários para que a reforma tributária assegure os benefícios tão almejados da redução do custo de conformidade e do contencioso tributário, incentivando o crescimento econômico e, desse modo, impulsionando o desenvolvimento social e a distribuição de renda no Brasil.
Essa é a oportunidade concreta de simplificar a tributação sobre o consumo no país e, assim, aprimorar nosso ambiente de negócios e incrementar a competitividade das empresas brasileiras no mercado global, mas, sobretudo, melhorar a qualidade de vida dos brasileiros.