Equilíbrio fiscal ainda demanda ação no lado da receita

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Uma das apostas da atual fase da política tributária de Fernando Haddad, a prestação de contas de benefícios fiscais para a Receita Federal atingiu 357 mil declarações de empresas. A Dirbi (Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária) é uma obrigação criada na MP 1227, em tramitação no Congresso.

Considerando o período de apuração de janeiro a maio, foram informados R$ 26,9 bilhões em incentivos tributários usufruídos pelas empresas. A declaração não contempla grandes programas de renúncia, como Simples e Zona Franca de Manaus, mas alcança outras iniciativas, como a desoneração da folha de pagamentos (que teve R$ 8,2 bilhões declarados no período) e uma série de benefícios ao setor agrícola.

Depois da desoneração da folha, o Perse foi a segunda maior renúncia declarada pelos contribuintes com base nos cinco primeiros meses do ano: R$ 6 bilhões. Não é coincidência que os dois maiores incentivos foram renovados pelo Congresso no fim do ano passado, à revelia do governo.

Ao cobrar declaração sobre quem tem redução de tributos, a Fazenda tenta entender melhor quem se beneficia delas e em quais situações. Além disso, a MP 1227 consolidou em um único diploma legal as possibilidades em que o contribuinte não poderá usufruir de incentivos, como no caso de inadimplência com a União. Com a Dirbi e as regras mais claras para garantir usufruto, a intenção é acelerar o bloqueio daqueles que estão pagando menos tributos sem ter direito.

Em um contexto de dificuldades fiscais e busca por mais arrecadação, a estratégia mira, no curto prazo, eliminar pagamentos indevidos. E, no médio prazo, melhorar o mapeamento para atacar programas que são ineficientes, concentradores de renda e que beneficiam aqueles que não precisam tanto.

Hoje, o governo estima que os benefícios tributários superam os R$ 500 bilhões, embora a maior parte é improvável que seja mexido em um futuro visível. A equipe econômica mira, com a Dirbi, um universo mais modesto, da ordem de R$ 200 bilhões, para tentar reduzir essa perda de receita.

Em entrevista ao JOTA publicada nesta quinta-feira (25), o economista-chefe do banco BV, Roberto Padovani, chamou de “aberração” o volume de “gastos tributários” no Brasil. Conhecedor do funcionamento de Brasília, ele reconhece que mesmo os menores são difíceis de mexer. “É simples falar ‘é só cortar o gasto tributário’ sem considerar a parte política. Sempre se acha que tem uma conta esquecida e quando você mexe nela, aparece o dono”, lembrou.

A história do último ano e meio deixou isso bem claro. Exemplos como a queda de braço no Congresso – e depois a judicialização – da lei que reduziu o abatimento no IRPJ/CSLL das subvenções estaduais às empresas, as derrotas do governo nos temas do Perse (um programa criado para a pandemia e que, mesmo menor, está durando muito mais do que deveria) e da desoneração da folha de pagamentos (cujo formato atual é criticado por dez em dez economistas e até agora sem medida compensatória) reforçam como é difícil enfrentar essa agenda.

O passo de tentar entender mais claramente quem está usufruindo dos recursos públicos é necessário para que se tenha massa crítica para a discussão. Mas é preciso ir além. No ano passado, gente influente sugeriu ao Ministério da Fazenda e para alguns integrantes da cúpula do Parlamento redução linear de benefícios tributários. A ideia poderia ser pelo menos considerada pelo mundo político, especialmente em um contexto no qual ainda se tem um impasse na desoneração da folha de pagamentos.

Em uma conta simples e meramente ilustrativa, um redutor de 5% no universo de benefícios atacáveis (sem Zona Franca, Simples e Cesta Básica) poderia ampliar a arrecadação em pelo menos R$ 10 bilhões. É muito, afetaria as empresas? Pode-se discutir um passo mais curto, mas vale a reflexão.

Além da questão das renúncias, também é preciso voltar a discutir alguns privilégios tributários que não aparecem como gasto tributário, mas expressam a iniquidade do sistema brasileiro.

É o caso da falta de taxação de dividendos. Ainda que se argumente que teoricamente eles são tributados no nível da empresa a partir da alíquota de 34% de IRPJ/CSLL, as diversas deduções permitidas na esfera empresarial derrubam essa alíquota na prática e no fim das contas os acionistas, em geral no topo da pirâmide de renda, são protegidos no Brasil – situação, aliás, bem incomum no mundo.

Na taxação da renda, tema que ficou sobrestado pela estratégia de Haddad de enfrentar o manicômio da estrutura de tributação do consumo, também é preciso enfrentar benefícios aos mais ricos. É o caso das deduções ilimitadas de gastos com saúde, por exemplo.

O ministro da Fazenda aproveitou o ensejo do G20 para voltar a falar de reforma da taxação da renda. Mas foi menos assertivo, apontando que ainda irá apresentar cenários ao presidente Lula.

A despeito de o Congresso estar dando sinais de má vontade para discutir novas medidas tributárias e cobrar uma agenda do lado da despesa, é preciso dizer que ainda há o que se fazer nas receitas. Tanto por razões distributivas como fiscais.

E, embora estejam corretos de cobrar que o governo se debruce sobre os gastos e busque fazer mais com menos, os parlamentares precisam de um pouco de autocrítica. Ao falarem em atacar as despesas, os líderes deveriam incluir na discussão o volume insano (quase 0,5% do PIB) de emendas parlamentares (que não faz sentido estratégico para o país, especialmente considerando-se a rigidez orçamentária federal). E ter coragem de trazer o excessivo gasto do Judiciário para a mesa.

Resolver o equilíbrio fiscal é um desafio de todas as forças políticas. Há muito o que se fazer, tanto nas despesas como nas receitas.