A decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de extinguir o processo que tratava sobre a nova regulamentação para compartilhamento de infraestrutura entre os setores de distribuição de energia e de telecomunicações e reiniciar a discussão não foi bem recebida no governo. Ministérios envolvidos com o tema e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) manifestaram discordância com o encaminhamento. Para especialistas consultados pelo JOTA, a decisão foi uma surpresa e impõe um retrocesso à discussão, que se desenrola há anos no âmbito das agências reguladoras.
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O encaminhamento proposto pelo diretor-geral da agência do setor elétrico, Sandoval Feitosa, vem na esteira da decisão do governo de estabelecer que as distribuidoras deverão ceder a pessoa jurídica distinta o espaço de infraestrutura de distribuição, as faixas de ocupação e os pontos de fixação dos postes das redes aéreas de distribuição destinado ao compartilhamento com o setor de telecomunicações. A medida está prevista no decreto 12.068/2024, de junho de 2024, que traz as diretrizes para nortear a renovação dos contratos de concessão de distribuição.
O texto do governo estabelece que o compartilhamento “será objetivo de exploração comercial por meio de oferta de referência de espaço de infraestrutura, conforme regulação conjunta da Aneel e da Agência Nacional de Telecomunicações quanto ao preço, ao uso da faixa, dentre outros”.
A determinação, em certo ponto, pacificaria uma divergência na diretoria da agência reguladora do setor elétrico, que não conseguiu chegar a um consenso sobre a figura do posteiro, como é chamado no setor esse terceiro que ficaria responsável pela administração do poste. Uma vez publicado o decreto com a determinação, a expectativa era de que a Aneel chancelasse a minuta aprovada em outubro pela Anatel, que previa a cessão obrigatória.
O voto aprovado pela Aneel sinaliza que o decreto merece uma interpretação e aprofundamento. Isso porque estabeleceu que as concessionárias deverão ceder a pessoa jurídica o espaço em infraestrutura, mas não se fala em obrigatoriedade da cessão da atividade de exploração da infraestrutura de distribuição.
“A cessão do ‘espaço em infraestrutura’, como efetivamente escrito no texto do Decreto, pode ser interpretado como o ato de ceder o espaço do poste, com ônus, para ocupação dos cabos das empresas de telecomunicação – o que já se encontra abarcado e está coerente com o arcabouço legal e normativo anterior à publicação do Decreto”, escreveu Feitosa em seu voto que foi aprovado pelo colegiado da agência reguladora do setor elétrico.
A diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV e ex-diretora da Aneel, Joisa Dutra, afirma que foi surpreendida com o encaminhamento da Aneel, por se tratar de um tema muito importante e que está gerando muita expectativa dentro do setor. A expectativa da especialista é que a Aneel consiga retomar rapidamente o tema, criando condições para que esses arranjos gerem incentivos adequados do ponto de vista de preço e segurança da infraestrutura.
“Com essa reviravolta na Aneel cria um espaço de reflexão até para esse modelo que tinha sido discutido, desse prestador de serviço para o poste. É fundamental que a Aneel consiga ser diligente nesse processo, aproveitando tudo que já ouviu da sociedade para, de modo acelerado, retomar o processo em outras bases, fazendo uso e criando condições para que esses arranjos de compartilhamento gerem incentivos adequados”, avaliou.
Para Caio Alves, head de regulação do Rolim Goulart Cardoso Advogados e ex-assessor da Aneel, mesmo que a agência tenha sinalizado que tudo que foi discutido no processo pode ser reaproveitado, a decisão foi vista como um retrocesso. “No mínimo, criou um ambiente de descompasso e desconfiança para com a Anatel”, afirmou.
Em sua avaliação, o encaminhamento da diretoria foi um equívoco, pois não vê inconsistências entre a redação do texto e a discussão que estava se desenrolando nas agências.
Para Laura Souza, sócia da área de Infraestrutura e Energia do Machado Meyer, a extinção do processo foi uma surpresa, pois parece que não houve uma busca por uma conciliação vinda da Aneel, principalmente. “Se houver alguma lacuna, alguma coisa estiver sujeita a interpretação dúbia, necessidade de consulta à AGU, entendo que isso poderia ser feito sem prejuízo da aprovação do normativo, pois já havia sido discutido”, avaliou. “O que aconteceu foi um retrocesso à estaca zero, terá que começar tudo de novo à luz do decreto, sem previsões.
”Em linha, a sócia da área de Telecomunicações do Machado Meyer, Milene Louise Reneé Coscione, vê a decisão com preocupação e como um grande ponto de interrogação em relação à Aneel, pois se esperava que houvesse uma composição e o diálogo permanecesse, ainda que divergências ainda existissem entre as agências reguladoras.
A especialista afirma que se espera, via governo federal, uma “luz no fim do túnel” para a discussão, já que considera que seria negativo para o setor de telecomunicações voltar para o zero.“O que se espera é que via Ministérios, de Comunicações e de Minas e Energia, é que se consiga chegar em alguma composição no âmbito do Poder Executivo direto, o que é ruim para as autarquias”, avaliou.
Apesar das manifestações públicas, o governo não deu sinalizações se irá interferir no caso. Dessa forma, o processo voltará para as áreas técnicas da Aneel e será sorteado um novo relator para o caso, que deverá retomar o diálogo com a Anatel na busca por um texto comum entre as duas agências.