Reforma do Código Civil e regulamentação da IA no Brasil

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No quarto e último artigo da série sobre a reforma do Código Civil, é hora de explorar a regulamentação da inteligência artificial. Mais uma proposta de modificação que alberga a digitalização, na mesma linha dos últimos três artigos, em que se analisou (i) os contratos por meio digitais; (ii) a regulamentação de identidade e assinatura digital; e (iii) o direito e proteção das pessoas no ambiente virtual.

Em um dos capítulos sugeridos do anteprojeto de alteração do Código Civil (ACC), pretende-se regulamentar o uso da IA. Isso porque, principalmente no último ano, muito se ouviu falar sobre as ferramentas de inteligência artificial, como o ChatGPT, por exemplo.

De acordo com o relatórioArtificial Intelligence – In-depth Market Insights & Data Analysis”, publicado pelo Statista (site de inteligência de dados), a receita do mercado de softwares de inteligência artificial deve crescer 35% ao ano até 2025, quando deverá atingir o valor de US$ 126 bilhões.

Atualmente, os Estados Unidos têm as empresas mais importantes de inteligência artificial generativa, aquela que entende perguntas e responde como se fosse um humano. Mas é na China que o uso empresarial desse tipo de tecnologia é mais disseminado.

No Brasil, vem cada vez mais crescendo. Conforme pesquisa relativa ao ano 2023, dos países da América Latina, o Brasil foi o país que mais usou o ChatGPT. Justamente pelo crescimento do uso da ferramenta no país, muito começou a se falar sobre a necessidade de regulamentação da IA no país. 

Em 2019, iniciou-se a discussão, mas ela ganhou força mesmo, com o PL 2338/2023, chamado de Marco Legal da Inteligência Artificial no Brasil, apresentado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O PL é inspirado na proposta da União Europeia para a regulação do tema, ao prever o detalhamento de obrigações e responsabilidades aos fornecedores e operadores de IA.

Além do tema ter ganhado destaque no PL acima mencionado, também vem sendo tratado no anteprojeto do Código Civil (ACC). Ambos os documentos abordam a IA, mas de maneiras distintas e complementares, cada um com seu objetivo específico.

Enquanto o PL 2338 busca estabelecer um marco regulatório específico para o desenvolvimento e uso da inteligência artificial no Brasil, por outro lado, o ACC propõe uma atualização do Código Civil brasileiro para incluir aspectos relativos à inteligência artificial, reconhecendo a crescente relevância dessa tecnologia nas relações jurídicas e sociais.

Mais precisamente o proposto artigo VII, do ACC, que se aprovado, disporá sobre a IA. O anteprojeto busca integrar a inteligência artificial no contexto mais amplo do Direito Civil, propondo adaptações às normas existentes. Basicamente, a ideia é adaptar e atualizar o Código Civil, para incluir questões relacionadas à IA.

Inclusive, um ponto que será regulamentado e que merece destaque é a criação de imagens de pessoas falecidas para fins de exploração comercial. Como reflexão, cabe trazer como exemplo o comercial da Volkswagen de julho de 2023, que recriou, por meio da inteligência artificial, a imagem e a voz da cantora Elis Regina, falecida em 1982. À época, a propaganda foi bastante polêmica e dividiu opiniões.

Polêmico o suficiente para, depois de sua veiculação, ser alvo de um projeto apresentado pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ), na Câmara dos Deputados, que tentou barrar a reprodução por computação gráfica de pessoas falecidas.

Sobre essa questão, o ACC prevê que “a criação de imagens de pessoas vivas ou falecidas para fins de exploração comercial sem o consentimento expresso da pessoa natural viva ou, caso falecida, dos herdeiros ou representantes legais é proibida, exceto nos casos previstos em lei”.

Ou seja, a criação de imagens de pessoas, vivas ou falecidas, é permitida desde que haja consentimento expresso (da pessoa natural viva ou, caso falecida, dos herdeiros ou representantes legais). Nesse caso específico do comercial de Elis Regina, houve o consentimento de sua família e, portanto, caso o capítulo VII do ACC já estivesse valendo, o comercial não apresentaria nenhuma ilegalidade (pelo menos nesse tocante).

De mais a mais, pode-se concluir que o anteprojeto busca garantir os direitos fundamentais, bem como a implementação de sistemas confiáveis que sejam transparentes, auditáveis, rastreáveis e supervisionados por seres humanos. Também é proposta uma legislação específica para garantir que o uso das tecnologias “em áreas relevantes para os direitos fundamentais e de personalidade” seja monitorado e regulamentado.

Ademais, será exigido que a interação com sistemas de IA seja informada aos usuários, assim como o modelo de funcionamento da tecnologia e os critérios utilizados para a tomada de decisões automatizadas que podem impactar no exercício de direitos ou afetar algum interesse econômico.

 É certo, portanto, que diante do crescimento da IA no país, o ACC busca integrar a inteligência artificial no Direito Civil. A impressão que fica é que a discussão é polêmica e, certamente, ainda será palco de profundos debates em nossos tribunais. Inclusive, há de se aguardar as cenas dos próximos capítulos, ainda mais que, depois do apagão cibernético ocorrido no último dia 19 de julho, Pacheco voltou a defender com afinco a regulamentação da inteligência artificial no Brasil. Sigamos atentos.