A diretora de macroeconomia para o Brasil da UBS Global Wealth Management, Solange Srour, avaliou positivamente o anúncio de contenção de R$ 15 bilhões em despesas pelo governo na última quinta-feira (18/7), mas considera que ainda será preciso fazer mais para garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal neste e nos próximos anos.
“[O anúncio] foi bom. Longe do necessário, mas melhor do que parecia sair”, disse a economista, a primeira entrevistada de uma série do JOTA sobre a conjuntura econômica e os cenários para o país.
Para ela, a história da política fiscal deste governo é de medidas que são inconsistentes com o arcabouço e, com a piora no quadro externo, chegou-se em um momento de exaustão da paciência do mercado com a falta de medidas estruturais que ataquem o problema da alta no gasto público. Srour considera que manter o arcabouço é mais importante do que a meta fiscal.
Segundo a economista, para o Brasil manter o crescimento no ritmo dos últimos anos “vai precisar de um recuo fiscal”. Isso porque, explica, o processo de expansão de gastos começou a trazer consequências “muito sérias” para as condições financeiras, elevando os juros e desvalorizando a taxa de câmbio.
Srour também falou sobre as incertezas em torno da política monetária e das dúvidas sobre como se comportará o BC com maioria de nomeados do atual governo, entre outros temas.
Confira os principais trechos da entrevista:
Política econômica e política fiscal
A história começa com a PEC da Transição [no fim de 2022]. Desde lá até esse momento, a história fiscal é de medidas que são inconsistentes com o arcabouço, como a regra do salário mínimo, a vinculação de saúde e educação.
O governo teve uma confiança muito grande de que, ao anunciar um aumento de carga tributária e o fechamento de várias brechas fiscais, isso traria um tempo de paciência no mercado grande, com o cenário internacional melhorando. E trouxemos essa inconsistência fiscal toda em um momento bom do cenário externo, a inflação estava caindo depois de atingir picos recordes no mundo e a expectativa de queda de juros lá fora ganhando força.
Acontece que chegamos em um momento de exaustão da paciência do mercado. Ela veio primeiro quando ficou claro que o cenário de aumento de arrecadação chegou a um limite aceitável pelo congresso e pela sociedade, em especial empresários. E veio também de um cenário internacional que ainda é muito favorável, mas no qual não vamos trabalhar com juros tão baixos como imaginava-se no final do ano passado. E você tem muitas incertezas no cenário internacional […] que impedem o mercado de continuar com essa paciência sem ver medidas importantes pelo gasto para manter esse arcabouço, que já é mais frouxo, minimamente de pé.
Sobre a piora da percepção recente, a resposta fácil seria cenário externo…eu até concordo em grande parte com essa resposta, mas como o externo já voltou, o que piorou mesmo é a falta de disposição em trazer para mesa essas medidas mais estruturais.
Agenda de revisão de gastos e limites políticos
O grande problema dessa barreira política [para revisão de gastos] é que o próprio governo se colocou nessa situação. Então agora pedir para o congresso desvincular saúde e educação e desvincular o salário mínimo da previdência ou mudar sua regra parece que é impossível, ainda em ano eleitoral, e já sendo a segunda metade do governo. Isso teria que ter sido feito no começo, mas foi feito justamente o contrário. Essas são as medidas necessárias para manter o arcabouço de pé.
Controles são importantes, mas não acredito que o pente fino será tão eficaz no curto prazo. Se não dá para desvincular saúde e educação e salário mínimo da previdência, então redesenha o BPC, coloca reforma dos militares na mesa, acabar com o abono salarial, que não é uma política focalizada e não ajuda em nada os mais pobres.
A regra do BPC hoje é muito mais leniente do que era no passado e virou uma aposentadoria sem contribuição. Tem que aumentar a idade mínima, mudar o critério de renda mínima e algum incentivo precisa ser criado para haver contribuição. Uma regra de contribuição com valor associado. Do jeito que é hoje, não há incentivo nenhum para se contribuir para a previdência.
Contingenciamento e meta fiscal
Mesmo que o governo anunciasse um contingenciamento da ordem de R$ 20 a 25 bilhões, o problema de 2025 continuaria o mesmo. Medidas estruturais tem que estar na mesa porque o problema não é a meta de 2024, mas sim manter o teto de despesas [já] em 2024.
Considerando que o governo está mirando a banda inferior, o contingenciamento + bloqueio deveria, na minha opinião, ficar em torno de 23 bi. Porém, achei o anúncio de contenção em R$ 15 bilhões bom. Longe do necessário, mas melhor do que parecia sair. Podem ganhar tempo e fazer o restante mais para frente. Parece que entenderam que sinalizar o fim do arcabouço agora seria bem ruim.
Eu considero que manter o arcabouço é mais importante do que a meta. Não porque ela não é importante, mas porque no final o governo consegue obter uma arrecadação extraordinária. A meta é mais atingível do que o teto, porque esse de fato você tem que cortar o gasto, não adianta recorrer ao Carf, a transações tributárias, por isso, e por ser mais difícil, eu tenho essa preocupação maior com o arcabouço.
Eventuais mudanças no arcabouço
A reação do mercado depende de duas coisas, primeiro do cenário externo. No de hoje uma mudança no arcabouço seria péssima para o mercado. Vamos supor que se mude o arcabouço em 2024 ou começo de 2025, teria sido o arcabouço mais curto da história.
Apesar do teto de gastos ter sido modificado bastante no final do governo Bolsonaro, neste governo ainda estamos no meio. Depende muito do timing. Regras fiscais não são feitas para ter uma vida tão curta, mas também não são feitas para nascerem mortas, como é o caso.
Política monetária e BC com indicados de Lula
A problemática recente não tem a ver só com a comunicação, decisão unânime, etc. Ainda que o BC fosse unânime em todas as decisões, sempre haveria uma incerteza. Primeiro porque não se sabe o nome [do indicado à presidência]. E segundo porque uma coisa é você estar com um presidente novo e uma diretoria que será maioria, e outra é estar com o BC atual que ainda tem uma maioria da administração passada. A incerteza vai continuar, não só até a nomeação, mas até a atuação do BC ano que vem. Enquanto 2025 não chegar, não tem como as expectativas de inflação caírem.
Como Gabriel Galípolo é realmente o mais cotado, uma oficialização de seu nome não deveria mudar muito o que está no preço. Mas novamente, ainda que a gente já o conheça como diretor, o mercado vai continuar com uma incerteza muito grande pela frente, pois ele não só seria o presidente, como contaria com uma diretora nova, então o nome dos outros diretores também importa.
Inflação e juros
O cenário para frente piorou muito porque essa incerteza fiscal toda traz por si só uma expectativa de inflação maior. Se você tem um problema fiscal e você vê falta de disposição do governo em resolver o cerne do problema (controle de gastos), a inflação pode ser uma solução de curto prazo para trazer uma melhora de fiscal.
O câmbio é outra variável muito importante para inflação e hoje tem um valor muito depreciado e uma dinâmica muito pior. E você tem, ainda que a inflação corrente esteja muito positiva, uma economia que está crescendo mais do que o esperado.
Então acho que o BC está correto em apontar todos esses riscos e se tornar mais conservador. Com essas condições, eu não vejo cenário para o BC cair os juros. Mas será que ele irá subir? Tudo vai depender das expectativas de inflação.
Existe um limite de expectativa de inflação que qualquer BC não pode ficar passivo, mesmo sendo de fim de mandato ou começo de mandato. E acho que esse limite é o teto da meta. Por que se o mercado não está acreditando que o BC não vai fazer de tudo necessário para chegar pelo menos nessa banda, a situação pode sair de controle muito rapidamente.
Ano que vem, o BC vai precisar ter muita cautela na análise fiscal. Pois, ainda que a inflação corrente seja positiva, o fiscal pode ser muito decisivo pelo efeito nas expectativas. Tenho medo que o BC olhe mais a dinâmica da inflação corrente do que os impactos que a política fiscal pode ter na inflação no caso de 2025. Tenho esse receio, mas não vou dizer que ele será mais leniente com a inflação. A maneira como fará os anúncios nos primeiros meses é onde vamos descobrir se será leniente ou não.
Crescimento econômico e PIB potencial
Eu acho que o PIB potencial do Brasil nunca saiu muito dos 1,5%. Fizemos várias reformas importantes que devem aumentar o PIB potencial, como a trabalhista e a previdência, mas o fato é que o investimento sobre o PIB está muito baixo.
É difícil acreditar que o PIB potencial do Brasil tenha crescido mais pra perto de 2,5% com uma taxa de investimento tão baixa como estamos vendo nos últimos anos. Agora porque conseguimos crescer 2,5% com uma inflação ainda abaixo dos 5%? Porque tivemos um choque favorável. Mas se você olhar para o médio prazo, eu não vejo essa compatibilização.
Reforma tributária e agenda arrecadatória
A reforma deveria aumentar o PIB potencial, mas se vai de fato eu não sei, porque também não sei o que vai sair [da versão final]. Com uma alíquota efetiva muito maior por várias exceções, [a reforma] na verdade pode diminuir o PIB potencial, pois a carga tributária vai subir. No curto prazo ela está atrapalhando o PIB potencial porque muitos investimentos estão deixando de ser feitos. Enquanto não tivermos a regulamentação final, não está claro para os setores onde que cada empresa se encaixa.
A agenda arrecadatória também interfere [nos investimentos]. Eu acho que não é só a questão de incerteza em relação ao que o governo vai propor, qual vai ser o próximo flanco a ser atacado, mas é uma incerteza até em relação ao passado, porque todas as medidas trazem uma insegurança jurídica sobre o que foi decidido. As decisões que o STF tem feito sobre discussões que já tinham sido resolvidas trouxe uma insegurança muito grande.
Cenário de crescimento para 2024 e 2025
Para este ano o que o mercado está esperando é de 2%. Considero o que o mercado tem no Focus para esse ano razoável. Me preocupa muito a questão do ano que vem, porque ainda que você possa continuar tendo uma economia puxada pelo fiscal, que aconteceu esse e ano passado, ele já está impactando as questões financeiras de uma maneira bastante forte… então não me parece compatível com o crescimento de 2,5% ano que vem.
Pode até parecer incondizente, mas para mantermos o crescimento vai precisar de um recuo fiscal. Porque agora a expansão fiscal está trazendo consequências muito sérias para as condições financeiras. Então acho que passou um pouco o prazo que o estímulo fiscal ajuda muito a economia, a atividade, sem prejudicar muito sua sustentabilidade.
Esse câmbio do jeito que estamos vendo traz mais incerteza para os consumidores e investidores. O câmbio é um sinal de que a coisa não está muito no lugar.