O governador do Espírito Santo quer se eximir da obrigação de pagar de forma subsidiária o adicional de insalubridade de 20% a merendeiras, cozinheiras, copeiras e auxiliares de serviços gerais terceirizadas. Para isso, o governador do estado, Renato Casagrande (PSB), protocolou na terça-feira (16/7), no Supremo Tribunal Federal (STF), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.181 em que requer a inconstitucionalidade das decisões da Justiça Trabalhista que condenam o Espírito Santo a pagar esse adicional.
O ministro Alexandre de Moraes foi sorteado o relator da ação, que tem pedido de medida cautelar para suspender todos os processos em tramitação nas varas trabalhistas do Espírito Santo, no Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (TRT17) e no Tribunal Superior do Trabalho (TST) referentes ao pagamento do adicional de insalubridade. Leia aqui a petição inicial.
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A ADPF 1.181 combate também a convenção coletiva de trabalho assinada pelos sindicatos de trabalhadores de hotéis, restaurantes e similares (Sintrahotéis) e de trabalhadores em empresas prestadoras de serviços de asseio, limpeza e similares (Sindilimpe) com seus respectivos sindicatos patronais. A convenção prevê um adicional de insalubridade de 20% para as trabalhadoras mencionadas acima, independentemente do local da prestação dos serviços.
Ao justificar a relevância da controvérsia constitucional, o governo argumentou que as condenações “geraram incerteza e insegurança jurídica”, além de “impactos econômicos” para os cofres públicos. A petição também destaca a “inexistência de previsão contratual e legal para o referido pagamento” e menciona “a gravidade da tese em discussão”, “que envolve a um só tempo questões ligadas à cláusula pétrea e à aplicação de direitos fundamentais”.
Condenações da Justiça do Trabalho
Apesar do entendimento da Justiça Estadual de que é “descabida a imposição geral, incondicionada e abstrata à Administração Pública de inclusão do adicional de insalubridade em todos os contratos, indistintamente, sem que haja norma legal estrita prevendo tal obrigação”, o governador reclama que a Justiça do Trabalho tem “conferido validade à cláusula convencional e condenando o ente público estadual de forma subsidiária ao pagamento do adicional de insalubridade nas Ações de Cumprimento ajuizadas pelos referidos Sindicatos”.
Em resumo, as diferentes varas e instâncias da Justiça do Trabalho vem deferindo as ações ajuizadas pelos sindicatos por entenderem que:
o direito ao adicional de insalubridade foi reconhecido em norma coletiva da categoria;
a decisão da Justiça Estadual “não possui condão de alterar o entendimento da Justiça do Trabalho” nas Ações de Cumprimento em que se requer o pagamento adicional, “apenas de forma subsidiária”, previsto em convenção coletiva;
o tomador de serviços (neste caso, o governo estadual) tem a obrigação de fiscalizar todas as questões inerentes aos empregados terceirizados, inclusive quanto ao cumprimento de todas as disposições previstas em normas coletivas.
De acordo com a petição, escrita e assinada pela Procuradoria-Geral do Espírito Santo (PGE-ES), “esse cenário vem causando prejuízos” ao estado, “e ainda enfrenta a instabilidade de um universo jurídico de incerteza e insegurança jurídica que foi gerada a partir das determinações judiciais da Justiça Especializada para pagamento de adicional de insalubridade instituído em norma coletiva do trabalho, sem a observância do ordenamento legal que dispõe sobre medicina e segurança do trabalho”.
Regras da CLT sobre o adicional de insalubridade
Para o governo estadual, a Justiça do Trabalho vem ignorando as regras previstas pelo Capítulo V da CLT, referentes à segurança e medicina do trabalho. Por exemplo, recorda que, segundo o artigo 190, “compete, exclusivamente, ao Ministério do Trabalho aprovar o quadro das atividades e operações insalubres e adotar normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes”
Além disso, destaca que o Ministério do Trabalho, por meio de uma Norma Reguladora (NR15), classificou as atividades insalubres e disciplinou “as atividades e operações insalubres e as medidas necessárias à eliminação dos agentes agressivos, adotando diversos critérios para caracterização da insalubridade, conforme a natureza dos agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho”.
“Isto significa dizer, por óbvio, que é permitido o enquadramento do grau de insalubridade calcado em Laudos Ambientais do Trabalho, em que já está configurada a existência de agente insalubre no exato local da prestação do serviço e nos exatos moldes da NR15”, prossegue.
“Nesse sentido, o deferimento do adicional de insalubridade pela Justiça Laboral sem a observância dos critérios legais que regem a matéria, importa em submeter a Administração Pública à submissão de acordos de vontade realizados por particulares, em detrimento do regime jurídico de direito público”, argumenta a petição.
Acordo coletivo
O governo estadual também questiona o próprio acordo coletivo em si e o reconhecimento de sua validade pela Justiça do Trabalho, ao recordar que acordos coletivos firmados entre sindicatos e entidades patronais não podem suprimir direitos consolidados pela CLT. Também aborda o entendimento do próprio Supremo em outros julgamentos de que a negociação coletiva não pode “se sobrepor às normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, incluindo as regras sobre a prestação de serviços em condições insalubres e o recebimento do adicional de insalubridade”.
“Portanto, a instituição/criação do adicional de insalubridade de 20% (…), independentemente do local da prestação dos serviços, sem a produção dos respectivos laudos ambientais e sem observar os critérios legais que regem a matéria, é ilegal, visto que normas atinentes às atividades insalubres são normas de indisponibilidade absoluta, não sendo passíveis de transação, muito menos de supressão”, destaca.
A petição inicial ainda lembra que o critério utilizado pelo artigo 191 da CLT é o de “eliminação ou a neutralização da insalubridade com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância e com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância”.
“Este é justamente o caso aqui tratado, já que os sindicatos patronal e laboral subtraíram dos trabalhadores direitos diretamente ligados à vida humana e ao conceito de trabalho decente por uma vantagem econômica”, afirma a petição. “A negociação coletiva trabalhista não tem poderes para eliminar ou restringir direito trabalhista imperativo e expressamente fixado por regra legal, salvo havendo específica autorização da ordem jurídica estatal”, afirma em outro trecho.
Nesse sentido, a petição destaca que “não está a se discutir a redução ou supressão de percentual do adicional de insalubridade e nem mesmo o aumento do percentual do aludido adicional de insalubridade (que poderia ser considerado como norma mais benéfica) através de Convenções Coletivas de Trabalho, mas a possibilidade de o Sindicato se utilizar de vias negociais para criar/instituir o pagamento de adicional de insalubridade, se sobrepondo às normas de higiene e segurança do trabalho estabelecidas pelo Estado e suprimindo totalmente as normas de indisponibilidade absoluta que visam a proteção da saúde do trabalhador”.
Portanto, além da medida cautelar, a ADPF pede que seja reconhecida a inconstitucionalidade das decisões da Justiça do Trabalho “que negam incidência aos artigos 155 e seguintes da CLT, dispostos no Capítulo V, e às Normas Regulamentadoras da Portaria MTE n. 3214/78, especialmente a NR n. 15, que classificou as atividades insalubres, através de seus Anexos I a XIV e declaram a legalidade e eficácia de cláusulas convencionais que desprezam os referidos dispositivos legais.