A tentativa de assassinato de Donald Trump, candidato à Presidência dos Estados Unidos, acendeu um alerta na equipe da campanha de reeleição de Joe Biden. Não poderia ser diferente, visto que a imagem do atual presidente já vinha se desgastando nas últimas semanas, em decorrência de suas más performances em debates políticos e aparições públicas.
Para uma visão mais ampla da disputa presidencial e do possível impacto do atentado contra Trump, é preciso considerar a polaridade social na qual as atuais campanhas se desenvolvem. A intensa polarização é uma das explicações mais plausíveis para que Biden, apesar de seus deslizes e erros políticos, consiga manter um empate técnico com Trump nas pesquisas de intenção de voto.
Porém, a experiência ensina que eventos inesperados, que geram grande comoção social, podem mudar o jogo político, fazendo a balança pender mais para um lado que para o outro. Após o último sábado (13), Trump tende a ser o claro preferido do eleitorado, e Biden, cuja candidatura já vinha sendo questionada pelos democratas, deve ver as oposições internas a sua campanha se intensificarem. A preferida para substituí-lo é a vice-presidente Kamala Harris, que teria contra si não só a convicção dos apoiadores de Trump, mas também um menor tempo para planejar sua campanha.
Enquanto as imagens da tentativa de assassinato a Trump rapidamente percorreram o mundo, para os brasileiros, elas, inevitavelmente, adquirem uma peculiar sensação de ambiguidade temporal: o atentado contra Jair Bolsonaro durante sua campanha presidencial em 2018. Naquela época, o PT, principal partido em disputa contra Bolsonaro, também vivia uma situação de indefinição política, quando a candidatura de Lula, então preso em Curitiba, deu lugar à de Fernando Haddad.
De certa forma, quando se olha para o quadro geral dos últimos anos, poucas vezes as histórias do Brasil e dos Estados Unidos se mostraram tão semelhantes: autoritários e personalistas, Trump e Bolsonaro foram eleitos, exerceram seus mandatos buscando cooptar as instituições, e, após perderem as campanhas de reeleição, incentivaram seus apoiadores a darem um golpe de Estado. Ainda quando isto se mostrou ineficiente para seus propósitos, não desistiram da política e insistem em tratar seus rivais políticos como inimigos.
Mas se as semelhanças são importantes para uma compreensão mais ampla do contexto político regional, ater-se a elas pode levar à armadilha de uma análise política pouco dinâmica, que não considera as diferenças contextuais entre Brasil e Estados Unidos. Nesse sentido, o atentado contra Donald Trump e sua possível vitória eleitoral podem, justamente, ser um marco de divergência entre as rotas políticas de Brasil e Estados Unidos.
Em um primeiro momento pode parecer contraditório que, exatamente no momento no qual as semelhanças atingiram seu ponto máximo, os dois países assumam rotas distintas na política da extrema direita. Porém, Trump e Bolsonaro seguem rotas contrárias: o primeiro está em ascensão, enquanto o segundo vive dias turbulentos e nos próximos meses tende a ver seu futuro político ameaçado. É preciso deixar de lado o complexo de vira-lata: as diferenças de contexto entre os dois países se fundamentam justamente em uma maior eficiência do sistema jurídico brasileiro em lidar com os atos políticos e criminais de seus candidatos a autocratas.
Em se tratando de agir contra ex-governantes e prováveis candidatos futuros, é preciso que a justiça seja rápida e eficiente, ou seja, deve-se aplicar a lei antes que o termômetro de popularidade se aproxime do período eleitoral. No caso dos Estados Unidos, o ritmo foi moroso demais e uma inelegibilidade de Trump, independente da sentença de sua condenação criminal, é descartada, ainda mais no contexto pós-atentado.
No caso de Bolsonaro, apesar do conturbado mandato de Lula e da significativa pressão dos políticos bolsonaristas, os prognósticos não são bons. Após a condenação pela reunião com embaixadores em 2022 e sua consequente inelegibilidade por oito anos, o ex-presidente tem vivido momentos de tensão com os novos escândalos de roubo de joias e o da Abin paralela. Mesmo considerando toda a força do bolsonarismo, a prisão de Bolsonaro vem se tornando fato inevitável, eventualmente estendendo o tempo de sua inelegibilidade.
O presente político, marcado pela ascensão da extrema direita em vários países da Europa e da América, demonstra que não há outra saída contra a crise das democracias liberais a não ser a ação eficaz e independente das instituições políticas. Relembrar e, principalmente, aplicar o sentido republicano de fazer as regras constitucionais valerem para todos os cidadãos, inclusive (ex) chefes de Estado, requer o esforço de enfrentar os sutis mecanismos que privilegiam setores da elite política.
O atentado contra Trump tende a colocá-lo na reta do gol da vitória, mas é preciso lembrar que diversos fatores anteriores e independentes possibilitaram sua candidatura. Se é impossível não se lembrar do Brasil de 2018, não podemos esquecer que, felizmente, e apesar de alguns atropelos, estamos dando passos importantes na manutenção de nossa democracia.
Nesse momento de inevitável semelhança, Estados Unidos e Brasil tomam caminhos diferentes. Quiçá este seja apenas um encontro na encruzilhada.