Desde o primeiro minuto em que a notícia terrível do comício republicano de sábado (13) na Pensilvânia chegou aos brasileiros, a comparação foi inevitável. A história do que ocorreu com Jair Bolsonaro na campanha presidencial de 2018 estaria se repetindo: um candidato radical de direita, de discurso provocador e controverso, sofria um atentado político e, como consequência não prevista, acaba por ter sua candidatura impulsionada. Analistas políticos precipitaram-se, ingenuamente, a decretar: Donald Trump virou um mártir e a eleição já acabou. Nada mais enganoso.
Há diferenças enormes, não apenas em relação às circunstâncias de ambos os crimes, como também em relação ao contexto eleitoral do Brasil de 2018 e dos EUA de 2024. Lembremos que o atentado à Bolsonaro ocorreu em 6 de setembro, muito próximo ao primeiro turno das eleições. O autor do atentado era um filiado a um partido de esquerda, o que permitiu uma capitalização política imediata do fato.
O então candidato do PSL correu risco grave de vida e ficou internado até o dia 28 daquele mês. Não pôde participar dos debates eleitorais (nos quais estava se saindo muito mal) e permaneceu um bom período incólume de críticas pelos demais candidatos, que se solidarizavam com seu estado. No momento do atentado tinha cerca de 26% das intenções eleitorais, e sua votação no segundo turno seria quase o dobro disso. Bolsonaro teve como principal adversário o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, um candidato improvisado que dependia de transfusão de votos do líder do Partido dos Trabalhadores, então encarcerado.
Comparemos ao que ocorreu com Trump, notando as circunstâncias do atentado e do contexto eleitoral. A tentativa de assassinato ocorreu a mais de três meses da eleição. O autor do atentado é um filiado do Partido Republicano e defensor do direito de portar armas. Aliás, portava uma arma de assalto, extravagância defendida com veemência pela ala mais radical dos partidários de Trump. Esses aspectos dificultam uma instrumentalização política do acontecido. Se o perpetrador do ataque fosse um democrata ou imigrante, a exploração do episódio seria levada ao paroxismo.
Ademais, Trump saiu quase ileso do atentado e continuará na arena pública, sob escrutínio da imprensa e mídias por seus atos e suas palavras por mais longos três meses e meio. É claro que ele posará de mártir como o faria qualquer político (até Odorico Paraguaçu já se valeu disso…), mas essa é uma estratégia de duração limitada quando a comoção passar.
Sobretudo, o quadro eleitoral do atual cenário americano é muito distinto do Brasil de 2018. Embora muito perto da data do primeiro turno, o atentado a Bolsonaro ocorreu com um cenário eleitoral absolutamente incerto e volátil. Conforme pesquisas da época, não havia certeza sequer sobre quem enfrentaria Bolsonaro no segundo turno – se Haddad, Ciro Gomes ou Geraldo Alckmin. Ou ainda se Bolsonaro poderia ser eleito em primeiro turno. Nesse contexto, o atentado cometido por Adélio Bispo teve efeitos avassaladores em favor de Bolsonaro.
No panorama americano atual, os votos estão muito mais cristalizados do que em nosso país às vésperas do primeiro turno de 2018. Como é sabido, o eleitorado dos EUA está praticamente dividido ao meio, com diferenças de um a dois pontos para um ou outro partido conforme as médias dos últimos meses. O número de indecisos é muito pequeno e, mais importante, a intenção de voto em cerca de 45 dos 50 estados já está bem definida.
Em razão das peculiaridades do Colégio Eleitoral, o pleito será decidido em apenas cinco unidades federativas, os chamados “battleground states”. São os eleitores volúveis destes estados que definirão a eleição. Embora o efeito martirizador possa efetivamente influenciar este contigente de eleitores, há tempo suficiente para que outros fatos bombásticos repercutam e dominem as atenções.
O principal deles seria a troca de Joe Biden, cuja capacidade cognitiva está em xeque, por um candidato mais viável. Trump vai deitar e rolar como um “freedom fighter” indestrutível na Convenção do Partido Republicano desta semana. As camisetas com a foto tornada icônica do atentado já estavam rodando menos de 24 horas após o ocorrido. O ataque de que foi vítima coloca os democratas na defensiva e aumentará a pressão para que eles criem um fato novo. Uma reviravolta na indicação do candidato deste partido, na convenção de meados de agosto, parece cada vez mais provável e necessária para limitar o “efeito mártir”. Se ocorrer, a exposição de Trump a esse novo candidato ou candidata, nos futuros debates, deverá levar a eleição para o imprevisível novamente.