Sustentação oral em agravo interno: um direito legal ainda não aplicado

  • Categoria do post:JOTA

Foi anunciado, no mês passado, o novo entendimento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal: passou a se admitir sustentação oral em agravos julgados presencialmente. No entanto, a possibilidade seria apenas para ações originárias e apenas na 2ª Turma.

Em razão da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, nos julgamentos em tribunais, é permitido às partes, nas hipóteses legais, sustentar oralmente as razões ou as contrarrazões dos seus recursos, contribuindo para a reflexão dos julgadores e para influência no julgado, nos termos do art. 10, do CPC, com o uso do poder da oralidade.

Até 2022, não havia previsão legal de sustentação oral nos recursos em face de decisão monocrática, ou seja, não cabia sustentação oral em agravo interno. E, por isso, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, no artigo 131, parágrafo 2º, previa que “não haverá sustentação oral nos julgamentos de agravo”.

Ocorre que está vigente há mais de dois anos a ampliação do cabimento de sustentação oral. A Lei nº 14.365/2022 trouxe a previsão de que é cabível sustentação oral em agravo interno em face de decisão monocrática que julgar o mérito ou não conhecer de apelação, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, embargos de divergência, além de ações de competência originária. A lei, portanto, possibilitou a sustentação em caso de agravo interno não só de ações de competência originária, como também de recursos.

Qual a razão, então, para o Supremo negar a manifestação oral em julgamentos de agravo interno, após a vigência da lei? O STF entende ainda aplicável, mesmo após o advento da referida lei, o previsto no seu Regimento Interno, que traz expressamente o não cabimento no caso.

Sobre esta questão, é indispensável destacar que o regimento interno dos tribunais é lei em sentido material (ADI 1.105 MC, rel. min. Paulo Brossard, j. 3-8-1994, P, DJ de 27-4-2001). Portanto, o regimento interno do STF e a lei posterior que trouxe a possibilidade de sustentação em agravo interno são normas de igual hierarquia.

Para afastar a previsão da sustentação em agravo interno, o STF entende que a Lei nº 14.365/2022 seria uma norma geral, da qual o Regimento Interno do Supremo seria norma específica. Disso o STF conclui que “é incabível sustentação oral em sede de agravo interno contra decisão proferida no agravo interposto contra decisão de inadmissão de recurso extraordinário” (ARE 1434005 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, 2ª Turma, julgado em 25-09-2023, Dje 09-11-2023), afastando a lei e aplicando o regimento.

Na verdade, seriam âmbitos legais distintos: enquanto a lei processual deveria prever normas de processo e de garantia processuais das partes, o regimento interno deveria dispor sobre o funcionamento dos tribunais. É o que determina a Constituição Federal: os regimentos internos devem ser elaborados com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, nos termos do art. 96, I, “a”.

A Lei nº 14.365/2022 alterou o Estatuto da Advocacia e o CPC/15, trazendo a previsão legal do direito processual à manifestação oral dos advogados nos agravos internos, enquanto o regimento interno de cada tribunal deveria disciplinar o funcionamento do direito a sustentação dentro da especificidade de cada tribunal.

O próprio Supremo entende que, em matéria processual, prevalece a lei. Já no que tange ao funcionamento dos tribunais, o regimento interno prepondera (ADI 1.105 MC, rel. min. Paulo Brossard, j. 3-8-1994, P, DJ de 27-4-2001). Não poderia, portanto, o regimento interno ser aplicado em contrariedade ao previsto na lei processual, enquanto norma de garantia processual da parte.

Nestes termos, deveria prevalecer a lei:  a sustentação oral deveria ser permitida nos agravos internos não apenas em ações originárias, mas também nos recursos previstos, a exemplo do recurso extraordinário.

No dia em que a 2ª Turma do Supremo entendeu cabível a sustentação oral no caso de agravos internos em julgamento presencial de ações originárias, destacou-se que por serem “poucos os feitos que têm vindo ao Plenário físico, passaremos a adotar o procedimento de permitir as sustentações nos agravos em ações originárias”, disse o Ministro Dias Toffoli, Presidente da 2ª Turma.

Ou seja, a vedação diria respeito não à (im)possibilidade jurídica da sustentação oral, mas à quantidade de processos a serem julgados na Corte. O problema do volume de processos a serem julgados no Poder Judiciário tem sido objeto de grande debate já há bastante tempo, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF).

No entanto, o comportamento do julgador deve ser pautado pelos princípios do modelo constitucional de processo, como o contraditório com garantia de influência e de não surpresa. É necessário respeitar as garantias processuais que asseguram a legitimidade da formação da decisão em uma renovada concepção do Estado Constitucional: sem declarar a inconstitucionalidade de uma lei, o juiz não pode afastar sua aplicação (art. 97, da Constituição e Súmula Vinculante 10).

Considerando que o previsto na lei que ampliou as hipóteses de sustentação não foi declarada inconstitucional, não cabe afastar a sua aplicação por razões de quantidade de processos. Isso porque, dentro da busca por uma eficiência, é indispensável a garantia do princípio do contraditório, em que as partes tenham a possibilidade de, efetivamente, influenciar no julgamento de suas demandas, dentro da ideia de cooperação processual (art. 6º, do CPC).

Além disso, cabe à advocacia pública, enquanto uma das grandes litigantes no STF, mostrar a importância da sustentação oral, numa visão para além da quantidade de processos para que, em cooperação, seja possível atingir um estado de coisas aceitável para todos os sujeitos processuais.

O uso da oralidade nos julgamentos dos Tribunais é o último ato de humanidade nos processos judiciais, neste mundo virtualizado. A linguagem falada, através da sustentação oral, e a escrita, através das petições dos recursos, são sistemas diferentes, cada um com características próprias.

Na oralidade, há recursos que não existem na escrita, como gesticulação, expressões faciais e tom de voz, que podem alterar o sentido do que é defendido, auxiliando na persuasão. No dinâmico processo de convencimento e cooperação entre partes e juízo, os dois tipos de linguagem se complementam.

A advocacia comemorou o novo entendimento da 2ª Turma do STF quanto ao cabimento de sustentações orais, com a possibilidade em agravos internos em ações originárias. No entanto, o avanço ainda é pequeno: o uso da oralidade no julgamento em Tribunais deve ser ampliado.

A lei já foi alterada, falta ser aplicada.