Em 1º de julho de 2024 foi publicada a Portaria 622 pelo Ministério dos Transportes no Diário Oficial da União. Esta portaria, datada de 28 de junho de 2024, estabelece diretrizes importantes para a alocação de recursos em contratos de concessão rodoviária, com foco no desenvolvimento de infraestrutura resiliente, na mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e na transição energética.
A Portaria 622 implementa diversas medidas visando a sustentabilidade e a resiliência da infraestrutura rodoviária federal. Entre as principais diretrizes, destacam-se a obrigação de alocação de pelo menos 1% da receita bruta das concessões para o desenvolvimento de infraestrutura resiliente, além da inclusão de ações de mitigação de GEE e incentivo ao uso de fontes de energia renováveis nos novos projetos de concessão.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) é incumbida de realizar estudos técnicos prioritários para identificar áreas vulneráveis e necessidades de adaptação da infraestrutura rodoviária às mudanças climáticas. Além disso, a ANTT deve regulamentar e fiscalizar a aplicação dos recursos, garantindo transparência e eficácia nas ações.
As medidas estabelecidas pela Portaria 622 são fundamentais para promover a sustentabilidade e a resiliência das rodovias federais brasileiras e evitar cenários como os vistos no Rio Grande do Sul, que, após sua recente tragédia, apresentou 64 trechos com bloqueios parciais ou totais distribuídos ao longo de 33 rodovias, dificultando ainda mais a chegada de ajuda à região.
Ao destinar recursos para a adaptação da infraestrutura às mudanças climáticas, a portaria visa reduzir os impactos ambientais negativos e preparar as rodovias para enfrentar eventos climáticos extremos. A promoção de fontes de energia renováveis e a mitigação das emissões de GEE contribuem significativamente para os compromissos do Brasil no âmbito da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e outras políticas e acordos internacionais. Além disso, a transparência e a fiscalização eficazes garantem que os recursos sejam utilizados de maneira responsável, beneficiando a sociedade como um todo.
É importante mencionar que o tema da resiliência climática e da sustentabilidade em infraestruturas rodoviárias já vinha sendo abordado em uma série de documentos anteriores nacionais e internacionais.
Em dezembro de 2017, o WWF Brasil, uma organização não governamental brasileira que trabalha desenvolvendo programas de adaptação climática, publicou o guia prático “Decisões sobre infraestrutura considerando riscos climáticos”. Este documento destacou a necessidade de considerar os riscos climáticos nas decisões de infraestrutura com impacto no longo prazo no Brasil, enfatizando a importância de melhorar a infraestrutura no intuito de preservar atividades essenciais dos impactos da mudança do clima.[1]
Em 2022, o relatório de sustentabilidade da Globalvia, empresa de infraestrutura de transportes em escala mundial com projetos de rodovias e ferrovias, no Chile, Estados Unidos, Portugal, Espanha, Reino Unido, dentre outros países, enfatizou a importância de se introduzir com urgência práticas de sustentabilidade e resiliência nas operações de infraestrutura de transporte, abordando as estratégias adotadas pela empresa para mitigar os impactos ambientais e promover a sustentabilidade, incluindo o uso de tecnologias inovadoras e práticas de gestão ambiental, fornecendo exemplos de como empresas do setor podem integrar a sustentabilidade em suas operações e planejamento.[2]
Em âmbito nacional, uma publicação realizada em 2023, a partir do Projeto AdaptaVias, empreendido pelo Ministério dos Transportes em parceria com a Deutsche Gesellschaft fur Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, faz uma análise detalhada do risco climático das rodovias e ferrovias federais diante de eventos climáticos extremos, identificando os riscos presentes na infraestrutura atual e projetada, destacando a necessidade de investimentos em infraestruturas resilientes e de adoção urgente de medidas de adaptação para resposta aos efeitos de estímulos climáticos reais ou esperados, buscando evitar ou mitigar danos.
No caso específico das rodovias federais, o projeto constatou que a distribuição dos trechos com maior risco climático varia conforme o tipo de impacto. Para alagamentos e inundações, trechos no Pará, Maranhão e litoral do Nordeste apresentam risco médio, embora mais de 80% dos trechos rodoviários mantenham risco baixo até 2065. Deslizamentos têm maior risco nas regiões Sul, Sudeste, Litoral do Nordeste e Pará.
A erosão, por sua vez, apareceu como um dado mais preocupante no Pará e litorais do Sul e Nordeste. Os incêndios foram apontados como a principal ameaça no interior do Nordeste e Norte, devido às altas temperaturas que impactam mais o interior do país, com 63,2% dos trechos apresentando nível médio de risco relacionado a esse fator.[3]
A presença desses riscos já vem sendo reconhecida por parcela dos gestores públicos. Um exemplo notável é a Secretaria de Estado e Infraestrutura de Mato Grosso (Sinfra), que vem desenvolvendo nas minutas padrão dos contratos de concessão, a serem celebrados no bojo do atual programa de concessão de rodovias do Estado, disposições específicas relativas à necessidade de adaptação e resiliência das infraestruturas concedidas ao impacto de alterações climáticas e desastres naturais.
Essas disposições incluem cláusulas obrigatórias para a realização de estudos de vulnerabilidade climática antes do início das obras, a implementação de sistemas avançados de drenagem para prevenir alagamentos, e a exigência do uso de materiais de construção mais resistentes a eventos climáticos extremos. Além disso, os concessionários são obrigados a desenvolver planos de contingência para responder rapidamente a desastres naturais, minimizando assim os impactos sobre as operações rodoviárias e a segurança dos usuários.
Iniciativas como essa não apenas demonstram um compromisso com a sustentabilidade e a resiliência, mas também servem como modelo para outras regiões do país, refletindo uma mudança de paradigma na gestão de infraestruturas públicas e reconhecendo que a adaptação às mudanças climáticas é essencial para garantir a longevidade e a eficiência dos investimentos.
Seguindo essa tendência, a Portaria 622/2024 se coloca como um importante passo para mitigar as fragilidades nos projetos de infraestrutura de transportes e promover medidas de adaptação aos riscos climáticos identificados em todo o país. A implementação de medidas de adaptação climática e prevenção de desastres será, daqui para frente, uma cláusula obrigatória em todos os contratos de infraestrutura e contribuirá para a segurança e eficiência das rodovias, além de cumprir compromissos internacionais do Brasil e garantir a segurança dos milhões de usuários que trafegam diariamente nas rodovias brasileiras.
[1] WWF-Brasil. Decisões sobre infraestrutura considerando riscos climáticos Guia prático para decisões com impacto no longo prazo no Brasil. Disponível em: <https://d3nehc6yl9qzo4.cloudfront.net/downloads/04dez17_decisoes_sobre_infraestrutura.pdf>. Acesso em: 1 jul. 2024.
[2] GLOBALVIA. Sustainability report 2022: Independent assurance. [s.l.], 2022. Disponível em: https://www.globalvia.com/wp-content/uploads/2023/06/Globalvia_Sustainability-Report_2022_Independent-Assurance_EN.pdf. Acesso em: 1 jul. 2024.
[3] BRASIL. Ministério dos Transportes. Sumário Executivo ADAPTAVIAS. Brasília: Ministério dos Transportes, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/transportes/pt-br/assuntos/sustentabilidade/Sumario_Executivo_ADAPTAVIAS.pdf. Acesso em: 1 jul. 2024.