Ricardo Nunes (MDB) consegue ser, ao mesmo tempo, um principiante e um veterano na política. Da mesma forma que, em 2024, disputa pela primeira vez uma eleição majoritária como cabeça de chapa, ostenta no currículo a experiência de gerir a maior cidade brasileira – com orçamento de R$ 111,8 bilhões, além de dois mandatos como vereador.
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A situação atípica existe porque o empresário de 56 anos, escolhido como vice na chapa de Bruno Covas (PSDB), assumiu o comando de São Paulo após a morte prematura do tucano, em maio de 2021, em decorrência de um câncer no aparelho digestivo.
Quando o desafio se apresentou, Nunes era praticamente um desconhecido, embora tivesse em seu histórico as duas eleições vitoriosas para a Câmara Municipal de São Paulo. Ele foi eleito pela primeira vez em 2012. Quatro anos depois, conseguiu renovar seu mandato. Sempre pelo MDB, partido pelo qual se filiou quando tinha 18 anos, e permanece.
Na última pesquisa Datafolha, Nunes aparece tecnicamente empatado com Guilherme Boulos (PSol) na preferência dos paulistanos. O primeiro tem 23% das intenções de voto, contra 24% do segundo. Nenhum dos demais oponentes soma 10%.
O apresentador José Luiz Datena (PSDB) aparece com 8%, mesmo número de Tabata Amaral (PSB). O coach Pablo Marçal (PRTB) figura com 7%. Marina Helena (Novo) e Kim Kataguiri (União Brasil) têm 4%. Os demais oscilam com 1%.
Para a disputa em outubro, Nunes tem feito movimentos calculados para assegurar o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos). A aproximação traz musculatura para a candidatura do prefeito, mas também cria desgastes com uma expressiva faixa do eleitorado.
Ainda de acordo com a pesquisa Datafolha, 61% do eleitorado paulistano rejeita votar em qualquer candidato apoiado por Jair Bolsonaro. Quando a mesma pergunta é direcionada sobre Lula, a rejeição é de 45%.
Além disso, na própria eleição presidencial de 2022, o petista venceu na capital paulista, com 53,54% dos votos, contra 46,46% de Bolsonaro. Lula ganhou em 35 zonas eleitorais paulistanas, enquanto o ex-presidente em 23.
Procurado pelo JOTA para falar da aliança com Bolsonaro na campanha de reeleição, Nunes, por meio da Secretaria municipal de Comunicação, foi pouco assertivo – elogiou o aliado político, mas se autodenominou “um democrata”.
“Minha relação com Bolsonaro é e sempre foi de respeito. É importante destacar que padrinho político não governa, seja para quem for o candidato. No caso, o prefeito sou eu e, sendo reeleito, serei eu a continuar administrando essa cidade que eu tanto amo e cuido. Apoio político, esse eu quero de todos que venham a se unir numa grande frente ampla que estamos formando com vários partidos, de forma genuinamente democrática. Sou um grande defensor do direito às diferenças e da democracia”, pontuou.
Em um gesto de aproximação, na primeira semana de junho, Nunes se reuniu com Bolsonaro, em um almoço no qual também estavam presentes o governador Tarcísio e o coronel Mello Araújo (PL) – considerado um fiel escudeiro do ex-presidente. À época, Bolsonaro tentava emplacar o coronel como vice na chapa de Nunes.
Embora tenha resistido, por temer ser tachado de bolsonarista, Nunes aceitou a indicação para compor a chapa. O prefeito levou em conta no cálculo político o risco de perder importantes apoios e ficar isolado na disputa.
O candidato a vice é coronel reformado da PM e muito ativo nas redes sociais, onde contabiliza mais de 50 mil seguidores. Ele defende pautas como impeachment de ministros do STF e chegou a pôr em dúvida o processo eleitoral que consagrou Lula presidente pelo terceiro mandato, em 2022.
A indicação de Mello Araújo também teve aval de Tarcísio. “Tenho certeza que é uma grande aquisição [para a chapa]. É uma pessoa que tem identidade com um tema muito caro para a cidade de São Paulo hoje, que é o tema da segurança pública”, disse o governador, ao anunciar o vice de Nunes.
Desde o início do ano, Tarcísio tem intensificado a agenda pública com o prefeito e endossado publicamente o apoio à reeleição do prefeito. Em um evento de agendas casadas, no fim de abril, por exemplo, ao lado de Nunes, o governador anunciou a construção de 6 mil moradias no centro da capital paulista.
Nunes mira habitação para fazer frente a Boulos
Para crescer na base eleitoral do seu principal oponente, Nunes tem intensificado ações naquela que é uma bandeira histórica de Guilherme Boulos: a habitação.
O psolista, antes mesmo de ingressar no seu atual partido, foi coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Até o final do ano passado, a cidade de São Paulo tinha um déficit populacional de 400 mil moradias, de acordo com dados oficiais da própria prefeitura.
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Procurado pela reportagem para listar os principais feitos do seu mandato, o prefeito primeiro citou os esforços nesta área.
“Estamos fazendo o maior programa habitacional da história da cidade, com quase 11 mil unidades entregues. 26 mil em construção e mais de 25 mil contratadas”, escreveu. Ele também pontuou ações em áreas de favela, com “intervenções em áreas de risco que já beneficiaram mais de 25 mil famílias”.
Na lista daquelas que considera suas principais realizações, Nunes colocou em segundo lugar o recapeamento de “20 milhões m² de vias, algo que nunca foi feito por nenhuma outra gestão”, disse.
Para o cidadão paulistano, no entanto, a quantidade de obras nas vias tem provocado uma série de transtornos no trânsito, atrapalhando a locomoção pela cidade, sobretudo em horários de pico. Já para os adversários de Nunes, estas obras têm caráter eleitoreiro, sendo feitas de forma acelerada para figurarem na propaganda eleitoral do emedebista.
Questionado pelo JOTA, o prefeito negou esse intuito. “Essas obras não são eleitoreiras, acontecem desde 2021. Eleitoreira é a pressão de candidatos que não têm compromisso com a verdade”, rebateu.
Provocado pela bancada feminista do PSol, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar se houve improbidade administrativa no programa de recapeamento de Nunes, com remanejamento irregular de recursos de outros órgãos municipais para engordar a capacidade de investimento do programa.
Procurado, o promotor Silvio Antonio Marques, que acompanha o caso, disse que não poderia se pronunciar a respeito no momento, pois a investigação ainda está na fase inicial.
Nunes caracteriza a denúncia como fake news, usadas “de forma inconsequente e criminosa nas redes sociais com o único objetivo de iludir as pessoas e confundir o eleitor com informações falsas”, disse, por meio de nota.
Licitação vencida por empresa de ex-sócio
Essa não é a única denúncia contra a gestão de Ricardo Nunes. Foram feitas representações no Ministério Público para apurar se houve superfaturamento da licitação aberta para contratar a empresa que viria a fabricar armadilhas para o combate ao mosquito da dengue.
A vencedora da disputa foi a Biovec Comércio de Saneantes, pertencente ao empresário Marco Bertussi. A empresa passou a administrar R$ 19 milhões em contrato.
Nunes e Bertussi fundaram, em 2005, a Associação Brasileira das Empresas de Tratamento Fitossanitário e Quarentenário (Abrafit). As informações foram publicadas em reportagem da Agência Pública.
Questionado pelo JOTA, Nunes disse que a Abrafit está inativa há quase uma década e que o processo licitatório ocorreu de forma transparente.
“Fui diretor-fundador da Abrafit, assim como de tantas outras entidades do setor, mas tal associação está sem atividades há quase 10 anos. É importante informar que a empresa do senhor Bertussi participou de pregão eletrônico, aberto e transparente, seguindo toda a legislação vigente”, disse.
Em uma reportagem da Folha de S. Paulo, foi mostrado que cada unidade das armadilhas usadas para capturar o mosquito aedes aegypti custou R$ 400 aos cofres públicos municipais. E que, por um modelo similar de equipamento, a Fiocruz cobrava R$ 10. Nunes, entretanto, voltou a negar a informação.
“Não é verdade que a Fiocruz fabrica ou vende essas armadilhas. Não há, inclusive, informação sobre qualquer equipamento com as modernas características das armadilhas distribuídas em São Paulo pelo valor de R$ 10. Fizemos, sim, medidas efetivas no combate a dengue, como o aumento de 2 mil para 12 mil no número de agentes, compra de drones para lançar larvicidas em áreas de difícil acesso, ampliação do horário de atendimento das AMAs, contratação de 500 médicos, ações informativas, além da distribuição das 20 mil armadilhas em residências localizadas em bairros de maior incidência da doença”, respondeu.
Em ação popular contra a licitação movida pela vereadora Luna Zarattini (PT), o Ministério Público afirmou que “há indícios de que os termos dos editais reproduzem exigências que se adequam às características do material usado no projeto piloto”. “É fato inconteste as relações de conhecimento entre o Prefeito de São Paulo e o proprietário da empresa Biovec, vencedora do certame. Aliás, Marco Antonio Manzano Bertussi não é só proprietário da empresa vencedora dal icitação, mas também das outras duas concorrentes”, escreveu a promotora Claudia Cecilia Fedeli, ao opinar pela suspensão liminar.
A juíza Carmen Cristina Fernandez Teijeiro e Oliveira, da 5ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, negou o pedido sob o fundamento de que “tratam-se de meras suspeitas que, portanto, devem ser tratadas como tal e, se o caso, submetidas à instrução probatória, a fim deque sejam devidamente aferidas”.
Quem é Ricardo Nunes
Ricardo Luís Reis Nunes é empresário, casado e pai de três filhos. Nasceu em São Paulo, capital, e chegou a ingressar no curso de Direito, que não concluiu. Em 1997, fundou a empresa Nikkey, especializada no tratamento fitossanitário de cargas importadas e exportadas no Brasil, além do controle de pragas urbanas.
Atuando neste setor, ele se tornou presidente da Associação Empresarial da Região Sul de São Paulo (Aesul). E fundou a Associação Brasileira das Empresas de Tratamento Fitossanitário (Abrafit).
Em 1989, se candidatou pela primeira vez ao cargo de vereador de São Paulo, mas foi derrotado. Tentou novamente 23 anos depois e conquistou uma cadeira na Câmara Municipal, em 2012. Em seu primeiro mandato, se notabilizou por presidir a CPI da Sonegação Tributária, que investigou o não pagamento de tributos na capital paulista. Em 2016, foi reeleito. Na eleição seguinte, foi eleito vice-prefeito na chapa de Bruno Covas.