TCU faz economia processual à custa do devido processo

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No Acórdão 546/2024, o plenário do TCU apontou irregularidades em pregão eletrônico promovido pela Unifesp para a contratação de serviços de apoio à alimentação (restaurante), por não concordar com a utilização do sistema de registro de preços para contratação de serviços contínuos.

No caso, a Unifesp agiu com base em pareceres da AGU, que entende que a nova Lei de Licitações trouxe regra mais flexível sobre a utilização de registro de preços para contratação de serviços contínuos. Mas o TCU considerou que deveriam ser observadas restrições previstas na legislação anterior e reputou irregular a contratação, embora não a tenha anulado.

O tribunal tomou a decisão em um processo de relação (art. 143 do RITCU), por meio da técnica decisória conhecida no âmbito do TCU como ciência (art. 2º, inciso II, da Resolução TCU 315/2020), sem notificar previamente a Unifesp ou qualquer de seus dirigentes. Não é um caso isolado. Basta ver, por exemplo, o Acórdão 736/2024-Plenário, que tem a UFMT como unidade jurisdicionada.

O art. 143 do RITCU prevê a possibilidade de, a critério do relator, processos serem submetidos ao plenário mediante relação, hipótese em que não são apregoados na sessão de julgamento, sendo julgados sem qualquer discussão entre os ministros. Mas a norma restringe o uso da técnica aos casos em que a proposta de julgamento for “favorável”, ou seja, quando não se concluir pela ocorrência de irregularidade. Não há previsão normativa para que o processo vá a julgamento sem que a parte interessada seja notificada, ainda mais quando o tribunal vislumbra a existência de irregularidade.

A técnica da ciência, por sua vez, é prevista nas normas do TCU como deliberação de natureza declaratória que cientifica o destinatário sobre a ocorrência de irregularidade, quando as circunstâncias não exigirem providências concretas e imediatas, com a finalidade de evitar a repetição de irregularidade. Embora não tenha conteúdo mandamental imediato, a ciência gera para o gestor o ônus de não repetir a irregularidade apontada pelo TCU. Caso venha a adotar a mesma interpretação legal rejeitada anteriormente pela corte, estará o gestor sujeito à cominação de sanções.

No acórdão referido, o TCU firmou entendimento, afastando interpretação da AGU, que contribuirá para a formação de sua jurisprudência, sem o estabelecimento de contraditório ou qualquer tipo de diálogo com as instituições interessadas.

A representação entrou no TCU em 28/02/2024, a instrução da unidade técnica ficou disponível em 20/03/2024 e o processo foi apreciado na sessão plenária do dia 27/03/2024.

A economia processual e a rapidez com que o caso foi julgado são notáveis, mas se deram à custa de garantias processuais fundamentais, como ampla defesa e contraditório.

O TCU costuma defender a legitimidade de seus julgados e de suas práticas com base em suas boas intenções e por se considerar o guardião do interesse público. Mas as regras processuais – que permitem que os interessados participem da formação das decisões – servem também para isso.