O Brasil é conhecido no mundo por suas belezas e riquezas naturais, seu povo alegre e trabalhador e suas mazelas sociais. Apesar de sermos uma das maiores democracias do mundo, um mercado consumidor relevante e uma eterna terra de oportunidades, há em nosso DNA uma característica que afeta diretamente a vida dos cidadãos e que repele investimentos domésticos e, principalmente, internacionais: nossa insegurança jurídico-institucional.
Tal insegurança, que nos é, literalmente, cara, está presente em nosso cotidiano de forma bastante cristalina. Da mudança de regras com o jogo em curso à alteração repentina do entendimento dos tribunais e conselhos sobre temas relevantes; da falta de planejamento e, consequentemente, de um pensamento de longo prazo ao constante assédio das autoridades fiscalizadoras ao setor produtivo; da insistência na busca por soluções rápidas – e erradas – para problemas estruturais à adoção de medidas simples e inéditas para resolução de problemas complexos e antigos. São muitas as situações que expõem nossa tendência ao caos, prejudicando o investimento e, consequentemente, a geração de empregos e renda em nosso país.
Nesse contexto, todos os setores da economia acabam sendo atingidos, em maior ou menor grau, pela insegurança que permeia o ambiente de negócios brasileiro. Com o agronegócio, a questão acaba sendo ainda mais sensível, uma vez que o planejamento e os investimentos são realizados com horizonte de médio e longo prazos, em que os lapsos temporais duram anos e safras.
As mudanças constantes de música prejudicam a dança dos produtores rurais, de forma direta, como no episódio da edição desastrada da MP 1227 e suas consequências para o aproveitamento de créditos fiscais, posteriormente revogada em parte (!), e indireta, como nos eventos e ações que pressionam o câmbio e encarecem os insumos de produção.
Assim, a insegurança jurídico-institucional brasileira é um problema crescente que afeta de maneira certeira o agronegócio. Este setor, vital para a economia, para a balança comercial e para o sustento de milhões de brasileiros, carece de um ambiente estável e previsível para prosperar em todo o seu potencial. A falta de clareza na legislação, as mudanças frequentes na jurisprudência e as interpretações conflitantes das normas acabam por criar um cenário perigoso de incertezas que é extremamente prejudicial para os produtores rurais e investidores.
Como exemplo, a bola da vez é a eventual tributação das receitas dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros) pela CBS e pelo IBS, possibilidade essa aventada no âmbito dos debates da reforma tributária do consumo. Caso esse cenário se concretize, trata-se de mudança relevante que pode afastar investidores e prejudicar a atratividade deste importante e promissor instrumento de financiamento do setor, que não englobava esse tratamento tributário quando criado pela Lei 14.130/2021, recente e já sob a mira do Leão.
Essa instabilidade sistêmica, que ultrapassa as questões meramente tributárias, gera efeitos em cadeia, já que um dos principais malefícios da insegurança jurídico-institucional no agronegócio se reflete na dificuldade de obtenção de financiamento privado. Os bancos e outras instituições financeiras relutam em conceder capital quando não têm garantias de que os contratos serão respeitados e que a legislação não mudará de forma abrupta.
Isso limita o acesso ao capital necessário para investimentos em tecnologia, infraestrutura e expansão das atividades agrícolas, comprometendo o crescimento e a modernização do setor. Mais recentemente, os Fiagros têm se mostrado como importantes alternativas de financiamento para o agronegócio que alcança o mercado de capitais, porém o mero risco de alteração nas regras fiscais já afasta investimentos e reduz a atratividade de constituição de novos fundos, gerando prejuízos e incertezas em cascata.
No mais, a insegurança jurídico-institucional brasileira impacta diretamente a competitividade dos produtos agropecuários nacionais no mercado internacional. Exportadores enfrentam desafios adicionais quando as regras internas são instáveis, o que pode resultar em atrasos e custos adicionais para o cumprimento das inúmeras exigências legais e regulatórias. Em um mercado globalizado, especialmente como o das commodities, onde a competição é acirrada e nem sempre leal, qualquer obstáculo doméstico adicional pode resultar na perda de mercado para concorrentes mais estáveis e previsíveis, como são, no geral, os nossos maiores concorrentes na produção agropecuária.
Outro aspecto preocupante diz respeito à questão das disputas por terras e à perigosa relativização do direito à propriedade. A falta de clareza sobre os direitos de domínio e uso da terra resulta em conflitos judiciais que, não raro, duram décadas, consumindo tempo e recursos valiosos. Esses litígios podem paralisar a produção agrícola, reduzir a produtividade e desestimular novos investimentos na área rural, seja por produtores brasileiros, seja por investidores internacionais.
A novela a respeito da possibilidade de aquisição de terras por estrangeiros e a impunidade inerente às invasões e depredações de áreas de plantio e pesquisa são um exemplo clássico das consequências nefastas de um ambiente de negócios confuso, com regras pouco claras e um Estado permissivo, aumentando a violência no campo. A segurança jurídico-institucional, portanto, é fundamental para garantir que os produtores possam trabalhar sem o constante receio de ter o direito constitucional de propriedade aviltado ou de terem que enfrentar longas batalhas judiciais.
Ademais, a mudança frequente de normas ambientais também se mostra um fator de insegurança que afeta o agronegócio. Leis e regulamentações ambientais são essenciais para a sustentabilidade e para a proteção de nossas riquezas naturais, mas quando alteradas de forma abrupta e sem consulta ao setor produtivo, podem gerar incertezas, custos inesperados e causar um efeito contrário ao pretendido, uma vez que se cria animosidades desnecessárias entre produtores que cumprem o Código Florestal e a fiscalização enviesada. Os produtores rurais precisam de estabilidade para planejar a longo prazo e implementar práticas sustentáveis que são, muitas vezes, caras e requerem um retorno de investimento que leva anos.
Não bastasse isso, a falta de segurança jurídico-institucional também desestimula a inovação no agronegócio. Investimentos em novas tecnologias, como agricultura de precisão e biotecnologia, dependem de um ambiente regulatório claro e, acima de tudo, estável, dado o volume relevante de capital envolvido e a possibilidade de insucessos – o famoso “risco do negócio”. Sem garantias de que as regras permanecerão estáveis, ou que novas tecnologias serão rapidamente aprovadas e regulamentadas pelas autoridades, os produtores podem hesitar em adotar inovações que certamente aumentariam a produtividade e a sustentabilidade de suas operações, gerando benefícios para toda a cadeia produtiva e para o país.
Por fim, a insegurança jurídica afeta a imagem do setor agropecuário, no Brasil e no mundo. A percepção de que um país ou determinada região não possui um ambiente de negócios estável afasta investidores domésticos e estrangeiros e prejudica a reputação dos produtos brasileiros no mercado internacional, reduzindo a geração de divisas e mitigando a abertura de novos mercados. Para garantir o desenvolvimento sustentável e competitivo do agronegócio, é essencial que se promova um ambiente onde as regras são claras, estáveis e previsíveis, não o contrário. Em um cenário de incerteza, o investimento retrai e o crescimento fica comprometido.
Assim, a instabilidade jurídico-institucional do Brasil tem um efeito cascata que impacta toda a cadeia produtiva do agronegócio, desde os fornecedores de insumos até os transportadores e distribuidores, todos direta ou indiretamente afetados pela incerteza. Isso resulta em aumento de custos, atrasos, potencial escassez, obsolescência e perda de competitividade da produção agropecuária nacional, com abalos diretos na confiança de investidores e parceiros comerciais, comprometendo acordos e parcerias estratégicas e relegando o agronegócio nacional, exemplo de pujança, a um papel de produtividade efetiva abaixo da potencial.