A 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) determinou que a Netflix descaracterize ou exclua a logomarca — o que a empresa já havia feito e sequer recorrido neste ponto — e a imagem dos produtos da Frimesa no segundo capítulo da série “Você é o que Você Come: As Dietas dos Gêmeos”.
A série acompanha um grupo de 44 gêmeos idênticos em que um dos irmãos passa, por oito semanas, a ter uma alimentação sem qualquer item de origem animal, enquanto o outro gêmeo continua seguindo uma dieta convencional. Em dois meses, de acordo com a Netflix, os gêmeos que seguiram a dieta à base de alimentação vegana “obtiveram melhora significativa na saúde cardiovascular, queda também relevante no colesterol ruim, nos níveis de insulina e no peso corporal”.
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O segundo episódio da série mostrava um frame com outdoors da Frimesa enquanto se criticava o desmatamento da Amazônia provocado pela expansão da pecuária de extensão na região, o que levou a empresa processar a Netflix.
A Frimesa afirma que “sua sede está localizada no oeste do estado do Paraná, sendo que todas suas plantas estão localizadas na região Sul do país, mais especificamente no estado do Paraná” e que “trabalha apenas com o abate e processamento de suínos, atividade muito diferente da pecuária bovina”. Logo, na visão da Frimesa, a menção a ela seria descabida e estaria provocando dano à imagem da companhia.
Além de requerer a exclusão das imagens ou do episódio, a empresa, defendida por Carlos Araúz Filho e Rodrigo Laynes Milla, do Araúz Advogados, pede que a Netflix seja condenada a pagar uma indenização de dano moral em valor a ser fixado pelo juízo.
Em primeira instância, a juíza Daniela Nudeliman Guiguet Leal, da 2ª Vara Cível de Barueri, considerou que existe perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, caso a tutela não fosse deferida “de forma a evitar exposição ainda maior da imagem da autora, porquanto divulgada a série numa plataforma que possui mais de 238 milhões de assinantes em todo o mundo, o que implica em dano relevante a imagem da autora com a propagação de seu nome vinculado a sérios danos ambientais na Amazônia”.
Ela considerou que não era o caso de suspensão imediata do episódio, já que a descaracterização das imagens do nome, logomarca e produtos da empresa Frimesa no episódio da série, atingem a finalidade pretendida. E impôs uma multa de R$ 10 mil por dia em caso de descumprimento.
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A Netflix retirou o logo da Frimesa da imagem, mas recorreu em relação à imagem dos produtos. Os advogados Pedro Frankovsky Barroso e José Humberto Deveza, do BMA Advogados, que representa a Netflix, afirmam que o documentário “Você é o que Você Come: as Dietas dos Gêmeos” se funda na crítica radical a toda indústria alimentícia que produz, de uma forma ou de outra, “prejuízos ao meio ambiente através da produção de carne bovina, suína, frango, ovos ou qualquer outro alimento à base de proteína animal”.
A Frimesa, afirmam, “assim como pelo menos uma dezena de outras famosas empresas como Burger King e McDonald’s”, teve a “imagem utilizada, em poucos segundos no segundo episódio do documentário, de modo a ilustrar a crítica que se fazia à indústria da carne, de modo geral”.
Para os advogados da Netflix, o pedido da Frimesa “se consubstancia em uma tentativa de manifesta CENSURA à obra, tolhendo liberdade de expressão e de informação, com clara propósito de impedir uma crítica à indústria de proteína animal”. Ainda assim, em respeito à decisão liminar, a empresa resolveu retirar o logo da Frimesa da obra.
Quanto às imagens dos produtos, a Netflix considera que “são GENÉRICAS, incapazes de fazer qualquer telespectador associar, em um curtíssimo espaço de tempo (reitera-se: o frame com os outdoors dura menos de CINCO segundos) a cor vermelha – uma identidade visual que é encontrada em praticamente todo produto da indústria da carne – com a marca Frimesa ou mesmo identificar os produtos como sendo da Frimesa”.
Impedir que a Netflix exiba imagens, sem marca alguma, de produtos como linguiças, salsichas ou mesmo embalagens vermelhas, descaracterizadas da marca Frimesa, é censurar desmedidamente a obra documenta em um caso no qual a ausência de pressupostos processuais e o descolamento da realidade dos fatos da decisão agravada são gritantes, afirmam os advogados.
O desembargador Salles Rossi, contudo, não concordou com a empresa de mídia e manteve a decisão de primeira instância. Para ele, “o conteúdo reproduzido no programa mostra-se dissociado da atividade desempenhada pela autora”. Isto porque a série “associa a imagem das indústrias (dentre as quais, a agravada) ao desmatamento na Amazônia, local em que esta, no entanto, não exerce sua atividade que é destinada à suinocultura (e não pecuária bovina extensiva)”.
“Nem se diga, de outra parte, que a medida fere a liberdade de expressão que, segundo a recorrente, é irrestrita até mesmo porque o direito à livre manifestação não implica na autorização da publicação de conteúdos inverídicos ou distorcidos (como se aparenta o caso em exame, em que se verifica divergência entre o conteúdo do programa e a atividade desempenhada pela autora que não é exercida na região da Amazônia)”, escreveu o desembargador, que foi seguido pelos pares.
Procuradas, a Netflix e a Frimesa informaram que não vão se manifestar.
O caso tramita com o número 2040587-93.2024.8.26.0000 no TJSP.