Transparência e eficiência no STF: o que se aprende a partir de dados públicos?

  • Categoria do post:JOTA

Sunlight is said to be the best of disinfectants.” Atribuída a Louis Brandeis, então juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, há mais de um século que a transparência aparece como um componente essencial da boa governança. 

As cortes constitucionais, como são conhecidas na literatura, têm ganhado cada vez mais importância na arena política. Isso se explica, em parte, pelo êxito norte-americano na Segunda Guerra Mundial. Rapidamente, os Estados Unidos passaram a exportar, por assim dizer, suas instituições para Europa Ocidental e América Latina, com destaque para Corte Suprema como árbitro da Constituição (Carvalho, 2007).  

O gráfico abaixo ilustra a prevalência do termo “Judicial Politics” entre 1900 e 2019, de acordo com a maior base de livros digitais do mundo, o N-Gram do Google:

No Brasil não é diferente. Coletamos informações detalhadas sobre 904 teses e dissertações defendidas em todas as áreas do conhecimento no sítio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). 

As evidências indicam um crescimento acelerado da quantidade de trabalhos que citam “Supremo Tribunal Federal” no título, conforme demonstra o gráfico seguinte:

Em termos substantivos, o STF se tornou uma peça-chave para o funcionamento da nossa democracia. No entanto, quase 36 anos após a aprovação de seu design atual, sua função de resolver conflitos e julgar autoridades públicas no campo penal tem sido objeto de controvérsias. 

O recém-lançado site Supremo + Transparente, desenvolvido a partir de uma dissertação profissional defendida na Universidade Federal de Pernambuco (MPPP/UFPE), fornece informações cruciais sobre o funcionamento da instituição responsável por proteger a Constituição, como se ensina nos cursos de Direito.  

A partir da sistematização de dados públicos em uma plataforma digital é possível explorar, entre outros, os seguintes elementos: a) custo por decisão; b) taxa de provimento de recursos e c) gasto com recursos improvidos. O gráfico a seguir ilustra a variação do custo médio por decisão entre 2016 e 2023:

O debate sobre o orçamento do Judiciário ganhou espaço dado às cifras hiperbólicas utilizadas no Brasil (Da Ros, 2015). Mas o que sabemos sobre estes custos? Neste estudo, o custo médio de uma decisão do STF foi calculado com base no total de decisões emitidas durante o período de um ano (de 2016 a 2023) e no orçamento integral da corte, após a exclusão da rubrica destinada a investimentos. 

Considerando os valores nominais, a média passou de R$ 4.375 por decisão em 2016 para R$ 5.166 em 2023, o que representa uma variação de 18%. Vemos ainda uma tendência de aumento da média que chegou ao seu valor máximo em 2022, com quase R$ 7.000 por julgado. A variação da taxa de não provimento de recursos submetidos ao STF entre 2010 e 2023 é apresentada no gráfico a seguir:

96,4%: essa é a taxa média de recursos sem provimento quando se considera o período entre 2010 e 2023. Isso significa que a cada 50 recursos julgados, apenas 2 são acatados. Esse dado reflete a dinâmica processualista brasileira, com infinidades de recursos, muitos deles inócuos no que tange o resultado final. 

Por fim, uma vez que temos estimativas de orçamento e indicadores de produção, podemos calcular o gasto público envolvido no julgamento de recursos que foram considerados improvidos, conforme demonstrado abaixo. 

A linha pontilhada indica o gasto anual médio com recursos improvidos: R$ 211,5 milhões. A análise revela uma predominância de decisões monocráticas sobre as colegiadas no STF, indicando que os ministros estão julgando individualmente em vez de em conjunto, como seria esperado em um tribunal (Arguelhes e Ribeiro, 2018). Esta prática contribui para uma taxa constante de mais de 95% de improvimento dos recursos, independentemente do número de casos distribuídos.

O objetivo do site Supremo + Transparente é fornecer evidências com o objetivo de qualificar o debate institucional. Os dados demonstram que o STF tem se desviado de sua função original de Corte Constitucional, tornando-se uma instância de julgamento de processos recursais. Essa trajetória e o aumento da demanda têm levado a uma eficiência questionável no julgamento dos recursos (Kanayama e Tomio, 2017). 

Através deste artigo, esperamos contribuir para o debate sobre a atuação do STF, promovendo uma análise crítica de sua eficiência e transparência. Nesse sentido, convidamos os leitores a acessarem o site para obter uma compreensão mais aprofundada sobre o funcionamento do guardião da Constituição e suas implicações para a justiça no Brasil.

ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. Ministrocracia: O Supremo Tribunal individual e o processo democrático brasileiro. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, v. 37, n. 1, p. 13-32, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/nec/a/GsYDWpRwSKzRGsyVY9zPSCP/abstract/?lang=pt#.

CARVALHO, Ernani. Revisão judicial e judicialização da política no direito ocidental: aspectos relevantes de sua gênese e desenvolvimento. Revista de Sociologia e Política, (28), 161–179. https://doi.org/10.1590/S0104-44782007000100011.

DA ROS, Luciano. O custo da Justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória. Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil, v. 2, p. 1-15, 2015.

KANAYAMA, R. L.; TOMIO, F. R. L. Eficiência e Poder Judiciário: resolução de casos e recursos financeiros no Brasil e nos Estados Unidos. In: José Maurício Conti (Org.). Poder Judiciário, Orçamento, Gestão e Políticas Públicas. 1. ed. São Paulo: Almedina, 2017, v. 1, p. 257-277.