STJ define impactos da inadimplência na cadeia de arranjo de cartão de crédito

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Em decisão inédita, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) excluiu a responsabilidade de uma credenciadora de cartões de crédito perante um estabelecimento comercial, em caso envolvendo a falência de uma subcredenciadora (REsp 1.990.962/RS).

A decisão é crucial para o mercado de arranjos de pagamentos, sobretudo no cenário atual, em que os setores de comércio e serviços seguem enfrentando desafios e os pedidos de recuperação judicial envolvendo estabelecimentos comerciais continuam em alta. O entendimento do STJ constitui precedente relevante para outras disputas relativas a arranjos de pagamentos, como a responsabilidade por custos de chargeback.

Os arranjos de pagamentos envolvem uma complexa cadeia de relacionamentos entre diversos participantes, sujeitos a um conjunto de regras e procedimentos previstos na Lei 12.865/2013.

A cadeia inclui o consumidor (portador do cartão), o banco (emissor do cartão e das faturas), a bandeira (instituição que interliga os participantes, institui as regras e fiscaliza as transações; e.g. Visa, Mastercard etc.), a credenciadora (agente que, dentre outros, credencia os estabelecimentos e captura a transação pela “maquininha”; e.g. Cielo, Rede, Stone, etc.), a subcredenciadora (agente de contratação opcional na cadeia que conecta o estabelecimento comercial com as credenciadoras, conferindo capilaridade ao arranjo; e.g. Pagseguro, Wirecard, Paypal etc.) e o estabelecimento comercial (empresa credenciada que utiliza os meios de pagamento para fomento de sua atividade econômica).

Por meio do arranjo, o consumidor pode adquirir determinado bem ou serviço junto ao estabelecimento comercial utilizando seu cartão pré-pago, de crédito ou de débito. Caso autorizada a transação, o banco envia os recursos equivalentes à transação para a bandeira, que encaminha o montante à credenciadora, que, por sua vez, remete o valor à subcredenciadora.

Por fim, a subcredenciadora repassa ao estabelecimento comercial os valores a que este tem direito pelo bem vendido ou serviço prestado ao consumidor. Caso não haja subcredenciadora no arranjo de pagamento, a credenciadora realiza o pagamento diretamente ao estabelecimento comercial. O fluxo dos recursos dura, em média, 28 dias desde a realização da transação.

Para que o arranjo de pagamento funcione, os participantes firmam diversos contratos complementares, porém independentes. O STJ reconheceu a independência dos contratos complementares, confirmando a segregação das obrigações dos participantes da cadeia e limitando a responsabilidade àquele participante que tenha dado causa ao inadimplemento.

O precedente pode ter repercussão direta em casos de falha na prestação de serviços ou entrega de produtos por estabelecimentos comerciais, inclusive no caso do Grupo 123Milhas, em que se discute a alocação de responsabilidade entre bancos e credenciadoras pelos custos dos chargeback solicitados pelos consumidores.

Chargeback é o pedido de cancelamento de transação de cartão de crédito fraudulenta ou contestada pelo consumidor. Com a interrupção da prestação de serviços pelo Grupo 123Milhas, os consumidores que não usufruíram dos serviços contratados solicitaram aos bancos o chargeback dos valores pagos.

No caso, os bancos entendem que as credenciadoras devem arcar com os custos de chargeback, em razão do vínculo contratual direto entre as credenciadoras e o estabelecimento comercial. De outro lado, a Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (Abipag), representando as credenciadoras, defende que essas não respondem pelo inadimplemento do estabelecimento comercial e que a operação chargeback limita-se ao repasse da agenda de recebíveis do estabelecimento comercial, ou seja, à transferência de recursos a serem recebidos pelo estabelecimento comercial pelas vendas executadas.

De toda forma, aplicando o racional de segregação das obrigações reconhecido pelo STJ, conclui-se que as credenciadoras não poderiam ser responsabilizadas por custos de chargeback, pois não possuem relação jurídica direta com consumidores portadores dos cartões.

Da mesma forma, utilizando o raciocínio adotado pelo STJ por meio do qual apenas aqueles que deram causa ao inadimplemento são por ele responsáveis, os bancos também não deveriam ser obrigados a suportar os custos de chargeback, já que o inadimplemento foi causado exclusivamente pelo Grupo 123Milhas, embora esta conclusão possa eventualmente ser impactada pela possível aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à relação consumidor-banco, inexistente no caso da credenciadora.

Sem prejuízo, a alocação de responsabilidade pelos custos de chargeback entre os participantes dos arranjos de pagamentos deve também observar o disposto no regulamento das bandeiras. Decisões como essa do STJ podem abrir oportunidades para ajustes aos regulamentos, com o intuito de esclarecer ou equilibrar a referida alocação de responsabilidade nos casos de chargeback.

O chargeback é, sem dúvidas, um direito do consumidor lesado contra o estabelecimento comercial contratante do serviço não prestado ou produto não entregue. No entanto, conforme racional do precedente do STJ, os demais participantes do arranjo de pagamento, que atuam apenas como intermediários na execução das transações de pagamento e do fluxo de recebíveis, não teriam obrigação de arcar com os custos decorrentes de falhas na prestação de serviços ou entrega de produtos pelos estabelecimentos comerciais.