No último mês de maio, o Rio Grande do Sul vivenciou o maior desastre ambiental da sua história. As chuvas que atingiram o estado provocaram mortes e desaparecimentos, deixaram inúmeras pessoas desabrigadas, destruíram casas e muitas empresas. Como consequência, a crise econômica que vem se instaurando também é preocupante.
O desastre ocorrido no RS, que em 2023 passou a ser o 5º maior PIB estadual do Brasil, atingindo o valor de R$ 640,299 bilhões (5,9% do PIB nacional[1]), repercutirá na economia brasileira. Só no estado, com base no levantamento realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), 96% dos empregos industriais foram afetados pelas enchentes.[2] Ou seja, os débitos de boa parte dos gaúchos aumentarão significativamente.
É sabido que em situações de crise o volume de faturamento das empresas reduz drasticamente. Neste cenário, inúmeras empresas não possuem alternativa senão atrasar os impostos e buscar a reorganização para voltar a gerar resultado e com isso iniciar o pagamento do passivo existente.
Foi em um momento semelhante ao atual, impulsionada pelos graves efeitos econômicos decorrentes da pandemia de Covid-19, que a transação tributária cresceu em importância entre os métodos alternativos de resolução de conflitos em matéria tributária. A ferramenta vem progredindo cada vez mais e ganhando papel de destaque dentre os meios alternativos de resoluções de disputas tributárias, como um instrumento de autocomposição e redução da litigiosidade. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), vem oportunizando aos devedores a possibilidade de quitarem seus débitos tributários federais de uma forma flexível e diferenciada.
Até então, apesar da comprovação da efetividade da transação tributária tanto na PGFN como em estados que, após a resposta positiva, implementaram leis estaduais estipulando a possibilidade de transação, o Rio Grande do Sul se movimenta com certa lentidão no que tange à implementação da ferramenta.
Criou-se um cenário de expectativa no dia 11 de abril, quando foi disponibilizado pacote de estímulo pelo Governo do RS contendo as medidas para o desenvolvimento do estado. No entanto, no dia 30 de abril, o governador retirou o PL 97/2024 da Assembleia Legislativa. Sendo assim, o estado voltou praticamente à estaca zero no tocante ao tema transação tributária. Também está em tramitação na Assembleia Legislativa, desde novembro de 2023, o PL 547/2023, de autoria do deputado Marcus Vinícius, que prevê a implementação da transação no estado. No entanto, o PL, além de não possuir tanta força como as medidas anteriormente anunciadas pelo governo, está pendente de parecer desde dezembro, não contempla com exatidão quais seriam os descontos concedidos e como se daria a aplicação, carecendo de ajustes na redação.
Em meio ao estado de calamidade pública decretado devido às chuvas (Decreto 57.596)[3], e o impacto econômico, a transação tributária serviria como o instrumento futuro para a redução do volume de litígios administrativos e judiciais, bem como à estimulação da regularização dos devedores, viabilizando a manutenção das empresas. Isso porque é por meio da transação que o contribuinte e o fisco dialogam visando à solução do litígio de forma autocompositiva.
Como mencionado em artigo anterior[4], a transação tributária representa a disrupção de uma cultura marcada pela ausência de diálogo entre o fisco e o contribuinte/advogado. Nas palavras do professor Rangel Perrucci Fiorin: “A transação (…) poderia ser tratada como um ajuste de vontades, com o intento de equilibrar as necessidades e os anseios individuais, mediante a cooperação mútua e consensual das partes, autorizadas por lei, avençado por termo ou homologada judicialmente”.[5]
Porém, sem embargo da inexistência de transação tributária estadual, a Sefaz/RS, recentemente, aprimorou os seus métodos de parcelamento, possuindo como modalidade de regularização o chamado Termo de Regularização de Dívidas (TRD). Embora não conceda descontos, o mecanismo permite que o contribuinte exponha a sua situação patrimonial e capacidade econômico-financeira, os motivos da inadimplência e as justificativas para a celebração de acordo em termos distintos dos programas de quitação vigentes, enquanto a autoridade fiscal busca conhecer de fato o negócio para conceder métodos de pagamento facilitados. As condições diferenciadas englobam prazos dilatados e, a depender, a dispensa de garantias.
Após a remessa dos débitos para o âmbito da PGE-RS, o contribuinte tem como possibilidade a utilização de precatórios para pagamento de débitos inscritos até março de 2015, por meio do Programa Compensa-RS e a partir de março de 2015, por meio dos acordos de sub-rogação. Todavia, ambas as modalidades possuem restrição quanto ao uso do precatório, seja com relação ao percentual do precatório que poderá ser utilizado no acordo, seja com relação à totalidade da dívida.
A PGE-RS também possui como instrumento o acordo de penhora de faturamento, por meio do qual ao contribuinte é permitido um parcelamento que tem como base o faturamento da empresa, sendo definida uma parcela mínima nos casos em que o percentual aplicado sobre o faturamento não alcança o valor mínimo estipulado pela Procuradoria do Estado.
Ocorre que, infelizmente, exceto os mencionados métodos, o contribuinte gaúcho fica limitado a um parcelamento ordinário em 60 vezes, sendo que, na maioria das vezes, é preciso garantir o débito para conseguir realizar a adesão. Isto é, nenhuma das modalidades de regularização atualmente existentes no Rio Grande do Sul permite ao contribuinte realizar o pagamento com aplicação de descontos conforme a sua capacidade de pagamento e com prazos alongados, equilibrando o interesse dos envolvidos, como é o caso da transação tributária.
O governo, ao retirar da Assembleia o PL 97/2024, voltado à implementação de uma ferramenta de cooperação fiscal, inviabiliza a regularização dos débitos por um meio mais flexível e eficaz, principalmente agora, posteriormente ao maior desastre ambiental da história do estado.
É dever do Estado proporcionar a possibilidade de cumprimento das obrigações de forma menos gravosa, com o máximo de proveito econômico. O PL do governo, se ainda estivesse em tramitação, poderia ser mais uma saída para os contribuintes gaúchos que, neste momento de reconstrução, contam apenas com parcelamentos ordinários em que os benefícios são concedidos, na maioria dos casos, de maneira linear e o tratamento aos devedores é idêntico, sem levar em consideração as suas particularidades.
[1] Disponível em <https://www.agricultura.rs.gov.br/pib-gaucho-tem-crescimento-de-1-7-em-2023. Acesso em 07/06/2024.
[2] Disponível em < https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/custos-pessoais-pib-e-inflacao-chuvas-no-rs-devem-impactar-economia-do-micro-ao-macro/>. Acesso em 07/06/2024.
[3] Disponível em < https://www.estado.rs.gov.br/governador-decreta-estado-de-calamidade-publica-por-conta-das-cheias-no-rs > Acesso em 07/06/2024.
[4] Disponível em < https://www.migalhas.com.br/depeso/393072/sucesso-da-transacao-tributaria-federal-e-inseguranca-sobre-a-vigencia >. Acesso em 07/06/2024
[5] FIORIN, Rangel Perrucci. A transação tributária como instrumento de autocomposição. São Paulo: Rideel, 2021, p. 29