Sugar babies e tributação: desafios fiscais em plataformas de ‘sugaring’

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“Sugaring” e “sugar dating” são termos populares para arranjos nos quais um parceiro faz pagamentos em dinheiro ou transferências de bens para o benefício do outro em troca de companhia. O nome dado a esses arranjos não é coincidência. Normalmente, o parceiro com dinheiro tende a ser mais velho e masculino (sugar daddy), enquanto o parceiro receptor tende a ser mais jovem e feminino (sugar baby). No entanto, esses relacionamentos existem entre pessoas de diversas identidades de gênero e orientações sexuais. De muitas maneiras, o sugaring é uma adaptação moderna de vínculos que existem há muito tempo.

Relacionamentos de companheirismo pagos, não sexuais, são bem documentados ao longo da história. De fato, a companheira feminina remunerada é um trope bem conhecido em romances ingleses do século 19. Esses relacionamentos pagos não são apenas vestígios do passado. Nos tempos atuais, há companheiros pagos para adultos mais velhos ou pessoas com deficiência e até mesmo “amigos” pagos online. Da mesma forma, vínculos pagos com um componente sexual têm uma longa história. Em resumo, o companheirismo pago, com ou sem um elemento sexual, não é novidade.

Recentemente, em uma conversa com a professora Bridget Crawford, da Pace University Law School em Nova York, ela identificou três aspectos do sugaring que distinguem esses relacionamentos de outras formas de companheirismo pago.

Primeiro, plataformas digitais e mídias sociais desempenham um papel crucial em conectar participantes no mercado sugar e em tornar o sugaring visível na mídia e para o público. Segundo, há uma crescente abertura, pelo menos por parte de algumas sugar babies, em falar publicamente e sem vergonha sobre sua participação em uma atividade que muitas pessoas caracterizam como prostituição ou trabalho sexual. Terceiro, os participantes de ambos os lados das relações sugar têm visões diversas sobre suas obrigações fiscais.

Comparando com a contratação de um companheiro para um adulto mais velho, onde o pagamento é identificado como salário e o receptor declara a renda, muitos sugar daddies/mamas e sugar babies insistem que transferências análogas são presentes isentos de impostos.

Para investigar como as partes em relacionamentos sugar encaram suas obrigações fiscais, a Professora Crawford tem buscado responder os seguintes questionamentos: (I) Como sugar babies e sugar daddies/mamas falam sobre a interseção das leis fiscais e o sugaring? (II) Como sugar daddies/mamas tratam transferências para sugar babies para fins fiscais federais? (III) Como as sugar babies tratam os mesmos recebimentos — como presentes ou renda? (IV) Em que medida os profissionais de contabilidade estão envolvidos na formação do discurso sobre a interseção das leis fiscais e o sugaring e como os participantes do universo sugar respondem a essas intervenções?

Já antecipando as respostas preliminares desse debate, Bridget identificou uma relutância por parte de muitos participantes em relacionamentos sugar em caracterizar o sugaring como uma forma de trabalho sexual. Reconhecendo as maneiras pelas quais o sugaring difere de outras formas de trabalho sexual (como prostituição, acompanhantes, dançarinas exóticas, entre outros), Bridget considera o aludido arranjo como trabalho tributável, assim como a maioria dos outros empregos.

No Brasil, o aumento do uso de plataformas de sugaring como Seeking.com, SugarDaddy.com e SugarDaddyMeet.com demonstra a necessidade também de análise do tema para fins tributários. Segundo o levantamento feito pelo site MeuPatrocínio.com, existem mais de 10 milhões de sugar babies no Brasil, com concentração em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Existem jovens que recebem mensalmente valores que ultrapassam R$ 50 mil, além de bens de luxo, viagens, passeios, entre outros “mimos”.

Embora não haja dados empíricos definitivos sobre o tamanho exato da comunidade global de sugaring, esses sites frequentemente divulgam números de usuários. O SugarDaddyMeet.com afirma ter mais de 6,9 milhões de usuários ativos,[1] enquanto o Seeking.com divulga uma comunidade com mais de 46 milhões de membros em mais de 146 países[2], o que demonstra a relevância desse mercado.

Nos EUA muitas sugar babies defendem a ideia de que os pagamentos que recebem de seus sugar daddies são presentes e, portanto, não devem ser incluídos na renda bruta para fins de imposto de renda federal, argumentando que, devido à natureza dos relacionamentos de sugaring, esses pagamentos não devem ser considerados como remuneração por serviços.

No entanto, em âmbito nacional, há um debate significativo sobre se esses recebimentos devem ser considerados renda tributável, especialmente porque a maior parte das transações ocorre dentro das plataformas de sugaring. As discussões concentram-se na definição do tipo de atividade que esses arranjos representam para fins de tributação.

Independente da caracterização das transferências como presentes ou renda, ambas têm consequências legais e fiscais. Se considerados presentes, pode-se falar em doações, e se forem considerados como renda ordinária, a sugar baby deve declarar esses valores e pagar imposto de renda quando exceder o limite de isenção.

Outro ponto de debate refere-se à caracterização das sugar babies como empresárias individuais/profissionais autônomas e as possíveis deduções fiscais.[3] Há norte-americanos que já falam em incluir como despesas dedutíveis linhas telefônicas dedicadas ao contato com sugar daddies, produção de fotos sob acordo com um sugar daddy e custos de fantasias e adereços para cenas românticas.

Há, inclusive, casos de que alguns sugar daddies/mamas estejam, de fato, contratando sugar babies como funcionárias. Em foruns destinados a sanar dúvidas fiscais sobre sugaring,[4] uma sugar baby perguntou como responder à pergunta de um sugar daddy sobre se ela “preferiria um W2 ou 1099”, ou seja, ser uma funcionária assalariada ou uma contratada autônoma. O debate se pautou nos contrapontos envolvendo as obrigações de reter e pagar impostos sobre a folha de pagamento versus impostos sobre o trabalho autônomo.

Outro cenário debatido é a possibilidade de desenhar esse arranjo como as sugar babies sendo empresárias individuais e os sugar daddies como investidores-anjos, que aportam em seus negócios, visto que não há a “exclusividade” nesses relacionamentos. Nesse ponto, existem questionamentos sobre a licitude da construção desse tipo de relação, dado a natureza dos serviços “investidos”.

A confusão tributária em torno do “sugaring” destaca as divergências sobre se essa prática deve ser considerada “namoro” com um aspecto financeiro ou trabalho sexual tributável. Fato é que, independentemente da forma como se desenham essas relações existe renda auferida pelas sugar babies. E assim, sendo renda tributável, Bidget nos alerta que o debate deveria correr pela necessidade de orientações claras do Serviço de Receita Interna (IRS), visando esclarecer a tributação nesses relacionamentos.

Do ponto de vista social, na visão de Bidget, a tributação do “sugaring” poderia ajudar a desestigmatizar o trabalho sexual. Uma orientação clara do IRS marcaria o “sugaring” como trabalho pago, revelando a verdadeira natureza desses relacionamentos como uma forma de companhia remunerada que frequentemente inclui um elemento sexual. Por outro lado, a aludida professora pondera que tributar o trabalho íntimo, como o “sugaring”, levanta questões complexas, como a comodificação de relações pessoais. No Brasil, aparentemente ainda não temos posicionamentos oficiais das autoridades fiscais sobre o tema.

A discussão sobre a tributação do sugaring revela a complexidade de categorizar e regulamentar relacionamentos que misturam intimidade, troca financeira e companheirismo. No Brasil, o tema ainda é embrionário e os debates são incipientes. No entanto, com o crescimento das plataformas de sugaring, o aumento da adesão dos usuários e a profissionalização das atividades, o assunto começa a ganhar relevância, exigindo debates sobre as implicações fiscais e sociais dessa prática.

[1] https://perma.cc/6HTS-MWU4

[2] https://www.foxbusiness.com/money/seeking-arrangements-sugaring-sugar-daddy-online-dating-college-tuition

[3] https://www.chriswhalencpa.com/sugar-baby-prostitution-income-taxable/

[4] https://www.reddit.com/r/Taxidermy/