O Instituto Nacional do Câncer (Inca) considerou um “contrassenso” a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de triplicar o limite autorizado de uso de glifosato em plantações de algodão.
O aumento, de 3 mg/kg para 10 mg/kg, foi autorizado em instrução normativa aprovada em reunião da diretoria colegiada da agência em 15/5. O Inca observa que o agrotóxico, o mais vendido do mundo, é considerado “provavelmente carcinogênico” pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), da Organização Mundial de Saúde (OMS).
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O aumento do uso de glifosato é medido pelos Limites Máximos de Resíduos (LMR), que agora passam a ser 10 mg/kg em culturas de algodão. Não houve neste momento aumento de uso permitido para trigo, soja e milho, plantios que também tem uso permitido de glifosato.
Procurada, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) não comentou a medida.
Responsável por auxiliar o Ministério da Saúde na coordenação da Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer, o Inca destacou que o risco de câncer, oferecido pelo glifosato, está “amplamente disponível na literatura”. Ainda de acordo com o instituto, o risco existe mesmo no algodão pela exposição dos trabalhadores rurais e pelos riscos de contaminação de água e alimentos com resíduos de glifosato.
“Os dados sobre o risco de câncer, amplamente disponível na literatura, é agravado pelo fato de o glifosato ser o herbicida mais consumido no mundo e ser detectado em amostras ambientais como solo, ar, águas, mas também em alimentos”, acrescenta a nota.
A preocupação foi compartilhada ao JOTA pela pesquisadora Karen Friedrich, da ENSP/Fiocruz. Ela avalia que o aumento do uso de agrotóxicos mostra que as pragas ganharam resistência ao glifosato, exigindo doses maiores e criando mais riscos para a população.
“Existem centenas de estudos mostrando que o glifosato causa problemas reprodutivos. A maior associação do glifosato é ao câncer. A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer informou em 2015 que o glifosato tem elevada probabilidade de causar câncer, principalmente linfoma não hodgkin”, acrescentou a especialista.
Procurada para comentar a autorização de aumento de uso de glifosato, a Anvisa informou ao JOTA que começou em 2008 a estudar a reavaliação do uso desse agrotóxico e alega que “não há peso de evidência que permita inferir causalidade entre exposição ao glifosato e desenvolvimento de câncer”. Diz ainda que o último aumento passou por consulta pública aberta em fevereiro.
A agência informou ainda que um parecer concluiu ter “evidência limitada de carcinogenicidade em animais experimentais e evidência sugerindo ausência de carcinogenicidade em humanos”.