Guerra da telefonia: arbitragens entre Surf e Plintron estão em discussão no Judiciário

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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar no início deste mês o pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira proferida pela Associação Americana de Arbitragem (AAA), que trata de litígio entre a Surf Telecom, uma operadora de telefonia móvel brasileira, e a Plintron, uma empresa de origem indiana que presta serviços para operações de telefonia móvel.

O caso é um desmembramento de um conflito que já dura mais de sete anos. Em 2016, a Maresias, empresa controladora da Surf, fez um acordo de acionistas com a Plintron do Brasil, que havia feito um aporte de US$ 4 milhões na operadora de telefonia. O acordo previa que a operação seria concluída em 180 dias, mas desde então as empresas não chegam a consenso e não houve sua implementação completa.

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Foram, então, instaurados dois procedimentos arbitrais, um no Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá e outro, que está em apreciação agora no STJ, no Centro Internacional para Resolução de Conflitos do Tribunal Arbitral Internacional de Nova Iorque/Estados Unidos.

O primeiro caso versa sobre o acordo de acionistas. A sentença arbitral deu ganho de causa à Plintron e permitiu que a multinacional pudesse assumir o comando da Surf. A arbitragem foi alvo de um pedido de anulação ajuizado pela Surf no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), que em acórdão de março deste ano rejeitou o argumento de  que havia irregularidade no processo arbitral.

Os desembargadores da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP consideraram a matéria “estritamente de direito patrimonial” e que “as apelantes (Maresias e Surf) vêm em busca de interpretação extensiva envolvendo peculiaridades processuais, porém, insuficientes para inquinar a decisão originária da arbitragem”.

No fim de maio, no entanto, o desembargador Heraldo de Oliveira Silva, presidente da Seção de Direito Privado do Tribunal, atribuiu efeito ativo ao recurso especial para suspender os efeitos da sentença arbitral até o exame de admissibilidade do recurso ajuizado pela Surf ou até o julgamento, em caso de admissão.

Paralelo a este caso, há a sentença do tribunal de Nova York, sobre um episódio que ocorreu entre a Surf e a Plintron Mobility, uma sociedade estrangeira que não está sob o guarda-chuva da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A discussão é sobre um contrato de Master Services Agreement (MSA).

A Plintron Mobility é a fornecedora de um serviço de back-office para o serviço de MVNO (anacrônimo de Mobile Virtual Network Operator, traduzido para operador móvel virtual), ofertado pela Surf no Brasil.

No serviço de MVNO, a operadora usa a infraestrutura de uma ou mais operadoras existentes, que contam com cabeamento, torres, antenas etc. A MVNO fica responsável por prospectar clientes, geralmente empresas; fazer a comercialização e o faturamento das operações. É como se fosse uma interface entre o cliente e a infraestrututa. Geralmente, ela tem facilidade para oferecer preços competitivos por compar minutos e dados no atacado. No Brasil, entre as principais empresas deste está a Surf, que tem como clientes a Uber, os Correios, O Boticário e clubes de futebol, como Palmeiras, Fluminense e Grêmio.

O conflito que começou a ser julgado no STJ foi iniciado com uma simples solução de cobrança de dívidas nos termos do MSA e culminou com a rescisão do MSA e troca mútua de acusações de que o outro lado violou os termos do acordo. Devido à falta de pagamentos, a Plintron, segundo trecho da sentença proferida no processo arbitral em questão, já informava que “planejava interromper gradualmente os serviços individuais como um aviso à Surf de que estava levando a sério o pagamento integral”.

“Explosão controlada”

“Em 2 de julho de 2020, a Plintron interrompeu novas ativações de cartão SIM para um grande cliente do Surf, os Correios. Em 3 de julho de 2020, as ativações de SIM foram interrompidas para todos os clientes, mas esse serviço foi restaurado em 13 de julho de 2020. Em 10 de julho de 2020, a Plintron interrompeu todos os serviços de recarga de SIM, o que significava que os clientes existentes não podiam adicionar crédito às contas de telefone celular existentes. Os serviços de recarga de SIM foram restabelecidos em 12 de julho de 2020. Por cerca de 26,5 horas, de 9 de julho de 2020 a 10 de julho de 2020, alguns links de sinalização e serviços de processamento de chamadas de celular relacionados foram desativados. Como resultado, as chamadas de celular para todos os clientes foram desativadas. Depois disso, o serviço foi totalmente restaurado”, diz trecho da sentença arbitral de Nova York.

Em sustentação oral no STJ, a defesa da Surf, feita pela advogada Maria Carolina Feitosa de Albuquerque Tarelho, contestou a sentença arbitral, que entendeu que essa “explosão controlada” do serviço seria um direito da Plintron, “não existindo qualquer ilegalidade”. Afirmou ainda que a plataforma oferecida pela Plintron ao sistema era tão essencial que no contrato firmado entre as partes havia previsão que, mesmo em caso de rescisão unilateral, o serviço deveria ser prestado pelo prazo adicional de um ano.

A Surf argumentou que houve o inadimplemento em virtude de dificuldades financeiras, que foram intensificadas pela pandemia. “É importante frisar que a Surf nunca se furtou de sua responsabilidade e por diversas vezes tentou a autocomposição e foi justamente em meio a essas tratativas de acordo, como forma de pressionar a Surf, que a Plintron simplesmente desligou a plataforma”, afirmou a defesa da Surf, controlada pela empresa Maresias.

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Os danos só não foram maiores, segundo a empresa, porque na época foi firmado um contrato emergencial com a Tim. Para a Surf, caso a Corte homologue a sentença, estará abrindo “uma perigosa exceção de submissão a legislação brasileira em temática de serviço público essencial”.

Na avaliação da advogada, o caso “extrapola os interesses privados das litigantes e ameaça o ordenamento pátrio”, por se tratar, ao seu ver de uma homologação de “um ato de sabotagem ao serviço de telecomunicações brasileiro”. Ao pedir a rejeição da homologação da sentença arbitral estrangeira, ela afirmou que “não se pode ignorar a ilegalidade e a inconstitucionalidade da conduta adotada pela Plintron e que foi validada pelo tribunal de Nova York, em clara violação a soberania nacional e a ordem pública”.

“Questão meramente patrimonial”

Já a defesa da Plintron alega que a sentença é uma decisão “clara, precisa e proferida em absoluta harmonia com a jurisprudência da Corte Especial, que jamais em negou homologação a partir do reexame dos fundamentos de mérito de decisões submetidas ao processo de homologação”.

De acordo com o advogado Alde da Costa Santos Junior, que fez a sustentação oral no STJ em defesa da Plintron, a sentença “se restringe tão somente à determinação de que a agravante pague pelos serviços que a ela foram prestados e não foram pagos e pague a indenização pela rescisão contratual”. “São interesses patrimoniais decorrentes do inadimplemento de um contrato de prestação de serviços” que “sequer tem o potencial de ofender as cláusulas de ordem pública e soberania Nacional”, pontuou.

Além disso, a Plintron afirma que o desligamento do serviço se deu após um longo período de negociação e se deu só após notificação e de forma seletiva. “A propósito de que esse desligamento teria ocasionado o cancelamento de contratos da agravante com terceiros e causado danos aos consumidores brasileiros a sentença arbitral foi igualmente categórica  e afirmou que não foi identificada nenhuma relação comercial específica e nenhum ato direcionado essa relação.[Identificou ainda que] não há absolutamente nenhuma prova de que a Plintron tenha agido com o propósito prejudicar a Surf em qualquer relação comercial”, disse Junior, no plenário da Corte aos ministros.

Ao JOTA, André Chateaubriand, sócio de Contencioso e Arbitragem do Mattos Filho, que integra a defesa da Plintron, afirmou que está sendo feita uma exploração desproporcional desse evento da interrupção, tanto que a Anatel sequer instaurou procedimento de investigação, porque o evento não teve a menor relevância e afetou um número ínfimo de usuários do serviço. Ele enfatiza que o que está em análise é apenas uma questão patrimonial, por uma empresa que nunca pagou que serviços que recebeu.

Para ele, o reexame do mérito da sentença faria com a Corte Especial se tornasse uma “espécie de instância revisora do método da decisão do tribunal arbitral”.

Voto favorável à homologação

Relatora da ação, a ministra Nancy Andrighi votou pela homologação da sentença arbitral. A ministra elencou os critérios para a homologação e reforçou que todos foram cumpridos. “Não há nada no conteúdo da sentença que represente ofensa à ordem pública brasileira. A alegação de que a recorrente violou a boa-fé objetiva ao descumprir o contrato paralisando os serviços não é indicada nestes autos de homologação da sentença arbitral estrangeira, porque versa sobre o mérito da relação jurídica e tabulada entre as partes. A sentença objeto da homologação ressaltou expressamente que foi agravante que descumpriu o MSA, bem concluiu que não houve paralisação demasiado dos serviços de Telecomunicações”, disse a ministra.

Ao votar, ela destacou o seguinte trecho da sentença arbitral: “considero que o extenso histórico de pagamentos atrasados e não pagamento da Surf, que ocorreu mesmo após o MSA ter sido modificado pelos planos de pagamento, também corrobora a descoberta de violação material do MSA”. “Assim, não cabe a esta Corte rever as conclusões alcançadas pelo Tribunal Arbitral”, concluiu. Leia a íntegra da decisão monocrática anterior de Andrighi sobre o tema.

Procurada pelo JOTA, a defesa da Surf afirmou que não se pronuncia sobre processos em andamento.

O julgamento do HDE 7.591 foi suspenso após pedido de vista feito pelo ministro Benedito Gonçalves. No TJSP, onde a sentença arbitral sobre o acordo de acionistas está sendo questionada, o processo é o 1001218-76.2022.8.26.0260.