Cláusulas de earn-out e o recente posicionamento do STJ

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A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu, recentemente, importante acórdão[1] abordando as cláusulas de earn-out, que, nos últimos anos, passaram a ser amplamente utilizadas em operações de compra e venda de participações societárias.

A cláusula de earn-out estabelece o direito à parte vendedora de sua participação societária de auferir um pagamento adicional do preço originalmente ajustado para a compra e venda, sob a condição de apuração e verificação de determinadas metas, resultados e/ou premissas alcançadas pela sociedade, após a conclusão da venda, e que podem estar relacionados, exemplificativamente, a parâmetros econômico-financeiros (receita, lucro, faturamento, EBITDA) ou não-financeiros (obtenção de determinadas licenças, aprovações, e expansão de mercado e de vendas, etc.).

A cláusula de earn-out permite às partes contratantes a oportunidade de validação do preço ajustado quando se verifica um distanciamento na percepção do valor do negócio entre comprador e vendedor e, muitas vezes, serve como incentivo para que a parte vendedora ou seus sócios fundadores permaneçam na gestão da empresa após a venda, por um período de transição definido, retendo seu conhecimento e expertise, a fim de oportunizar uma transição segura de gestão e a continuidade do sucesso dos negócios.

Estima-se que a cláusula de earn-out seja utilizada em quase 30% das maiores operações privadas de fusão e aquisição. Embora seu conceito seja simples, a aplicação da cláusula de earn-out envolve desafios significativos na negociação e redação do contrato de compra e venda, cujas imprecisões, ambiguidades ou omissões podem ensejar disputas extremamente complexas e dispendiosas.

O caso julgado pelo STJ envolve o descumprimento intencional do business plan estabelecido entre as partes como condição ao recebimento do valor adicional. A recorrida, vendedora da participação societária, aduziu que o business plan não pôde ser concluído nos termos pré-estabelecidos em decorrência de seu afastamento da gestão e da prática, pela parte compradora, de determinadas decisões e atos que foram determinantes para o não atingimento da condição disposta na cláusula de earn-out.

Por outro lado, defendeu a recorrente, compradora da participação societária, que teria ocorrido a situação prevista no artigo 120 do Código Civil de 1916, hoje revogado, mas vigente à época dos fatos, que exige a prova de dolo específico para configuração do descumprimento da cláusula de earn-out.

No voto condutor do acórdão, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva destacou doutrina em ambos os sentidos.

Gustavo Tepedino e Milena Donato acentuam que não se pode manipular a eventualidade imputada à condição suspensiva ou resolutiva, quer para impedir, quer para forjar a ocorrência do fato que, sem a sua intervenção, naturalmente ocorreria ou deixaria de ocorrer. (..) Trata-se de manifestação do princípio da boa-fé objetiva que impõe o dever de colaboração recíproca entre os titulares de relação jurídica obrigacional.[2]

Em sentido oposto, Fabiano Menke afirma que ao empregar a palavra maliciosamente, o dispositivo não deixa margem para dúvidas de que só serão passiveis de enquadramento no suporte fático em questão as condutas omissivas ou comissivas eivadas de intencionalidade, de dolo[3].

Nos termos do acórdão, por mais que o código vigente à época dos fatos exija a prova de dolo, este não está associado a um resultado específico, mas sim à intenção de praticar atos que impeçam o alcance da condição.

Desse modo, apesar de o resultado pretendido pelos novos gestores da empresa não fosse impedir o recebimento do valor adicional pela parte vendedora, suas atitudes (agir intencional) impediram o cumprimento do business plan no período acordado.

No caso, o tribunal de origem analisou as questões arguidas pelas partes entendendo que, evidenciado o dolo nas condutas praticadas pela parte compradora, de modo a evitar que a parte vendedora pudesse obter êxito do plano de negócios e preenchido o requisito legal do artigo do Código Civil antes citado (Art. 120 do CC/1996), implementada estaria a condição suspensiva e o consequentemente o direito ao recebimento do bônus ou valor complementar acordado, além da multa pelo descumprimento contratual.

Ficou assentado que o direito ao recebimento do valor adicional acordado não exigiria a comprovação de que a condição seria implementada, como quis defender a parte compradora, mas sim, que as diversas condutas a ela atribuídas, evidenciado o dolo, impediram a consecução dos objetivos traçados no plano de negócios.

O direito da parte vendedora ao recebimento do earn-out foi confirmado não somente com base na modificação unilateral do business plan, mas, também, pela prática de atos pela parte compradora, tais como, transferência de recursos humanos da área médica e de pesquisa da sociedade para coligada e a exclusão da vendedora da função gerencial e do próprio quadro societário. Os fatos demonstraram, portanto, que ocorreu a inviabilização do plano de negócios, de forma maliciosa, e que o faturamento e o desenvolvimento de negócios, conforme projetado no plano de negócios, não pôde ser verificado.

As disputas judiciais na apuração de valores de earn-out resultam da ausência de entendimento e interpretação das bases e das métricas estabelecidas no contrato ou mesmo da alegação de que uma das partes teria manipulado, de alguma forma, a operação ou a integração dos negócios de forma a, artificialmente, impedir a apuração correta de valores eventualmente devidos.

Ao redigir a cláusula de earn-out, as partes contratantes deverão buscar expertise e conhecimento, não somente jurídico, mas financeiro e contábil, relacionados às atividades da sociedade, na negociação e redação das cláusulas contratuais, evitando que imprecisões, ambiguidades ou omissões possam ensejar divergências e controvérsias.

Baseando-se nos princípios que nortearam o mencionado acórdão do STJ, é fundamental que o contrato, por exemplo, preveja o compromisso da parte compradora em não praticar atos ou ações que possam impactar a apuração do earn-out, bem como que eventuais restruturações e mudanças nos negócios e nas operações da sociedade terão, sempre, propósito negocial e não buscarão frustrar o pagamento do earn-out à parte vendedora.

1 REsp n. 2.117.094/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 5/3/2024, DJe de 11/3/2024.

2 Tepedino, Gustavo e Donato Oliva, Milena; Revista de Direito Mercantil Contemporâneo, volume 5 número 16; páginas 61 e 83; julho/ setembro 2018;

3 MENKE, Fabiano, Comentários ao Código Civil: Direito Privado Contemporâneo, Coordenação Giovanni Nanni, 1ª ed., São Paulo, Thompson Reuters, Brasil, 2023.