Na última semana lançamos uma edição especial do Observatório Anahp, que comemora os 15 anos da publicação e é divulgada no mesmo momento em que a saúde suplementar, essencial para o sistema de saúde brasileiro, enfrenta grandes dificuldades.
Na busca por soluções, vale começar por uma correta identificação das causas do problema. Primeiro, observa-se que não são dificuldades conjunturais. A excepcionalidade do período da pandemia permitiu que muitos atribuíssem à ela ou às suas consequências a crise na saúde suplementar, imaginando que os desafios seriam simplesmente temporários e poderiam ser resolvidos com medidas de curto prazo.
Melhor, mais correto e mais produtivo é entender que estamos diante de uma crise estrutural. A população envelhece, as ineficiências se mantêm, o emprego não cresce, a renda não se distribui, os planos se tornam caros demais e as empresas resistem em pagá-los. Nada disso é novo e tudo isso se soma na situação de hoje.
Simples assim: a população brasileira sonha e precisa de planos privados de saúde, mas a pequeníssima minoria pode sequer cogitar mantê-los ou trabalhar formalmente em empresas que ofereçam o benefício.
A saúde tornou-se cara demais para o bolso das empresas e, sobretudo, das pessoas. Diante desse cenário tão evidente, não temos o direito – nós, da saúde suplementar – de pensar que haverá solução fácil ou imediata apenas para um dos elos da cadeia. Ou promovemos ajustes construídos pelo diálogo e pela capacidade de entender o que está acontecendo ou estaremos com uma agenda falsa que supõe a possibilidade de empresas contratantes, ou operadoras de planos de saúde, ou prestadores de serviço ou, ainda, fornecedores de equipamentos e medicamentos ficarem isoladamente bem em meio a uma estrutura em dificuldades.
A Anahp defende e pratica a ideia de que é urgente que o setor de saúde suplementar aja como tal, construindo uma agenda de diagnóstico e propostas que fortaleçam o setor como um todo, de modo a permitir a cada elo o encaminhamento de soluções para dificuldades específicas.
Mas não é o que vemos hoje. As empresas contratantes, salvo exceções, estão distantes do problema – ainda que 80% dos planos de saúde dependam delas – e queixam-se, com razão, dos altos custos. As operadoras, pressionadas pela impossibilidade de comercialização de produtos que cubram os custos, optam por uma estratégia de ajuste, cuja ferramenta mais visível é aumentar glosas e prazo para pagamento aos prestadores de serviço. Estes, por sua vez, reduzem investimentos e ampliam, também eles, os prazos em que pagam a seus fornecedores.
No final do processo, o personagem mais importante – o beneficiário ou candidato a beneficiário – ou está assustado ou entra na Justiça.
Os números constantes na nova edição do Observatório comprovam que a demanda por serviços de saúde voltou à normalidade, com alta procura. Apontam ainda que os hospitais vêm buscando maior eficiência, o que se demonstra pela redução das despesas por paciente-dia e do tempo médio de permanência.
Entretanto, os mesmos hospitais, em contrapartida, enfrentam, na média, sérios problemas em seus fluxos de caixa, conforme as recentes pesquisas da Anahp comprovam. Não parece possível que se pretenda estabelecer esse como o “novo normal” da saúde suplementar. O sucesso e a imprescindibilidade do sistema exigem que busquemos alternativas.
Curiosamente, elas são muito conhecidas e apenas funcionarão se houver a convicção de que exigem medidas de médio e longo prazos, a maioria delas sem apelo midiático e que apenas funcionam se adotadas em conjunto.
Da prioridade à prevenção, e da promoção da saúde à organização de portas de entrada resolutivas no sistema; da ampliação da telemedicina à revisão do papel e da estrutura dos hospitais; do redesenho dos produtos comercializados pelas operadoras à identificação de fontes de financiamento que não se concentrem na anacrônica relação de trabalho simbolizada pelo vínculo celetista; da atrasadíssima organização e interoperabilidade de dados a um combate ao desperdício; da substituição dos modelos de remuneração por uma nova relação com os médicos que, respeitando sua autonomia, os convide para o centro dessa discussão e dessa mudança.
Se são todas alternativas conhecidas, por que demoram a começar? Parte porque os governos, necessariamente envolvidos com a gestão pública, esquecem na prática que até pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é preciso atualizar o sistema de saúde suplementar. Parte porque os legislativos têm sido pressionados a agir sobre as consequências, respondendo demandas da população com projetos imediatistas e sem capacidade de transformar o sistema. Parte, reconheçamos, porque diversos personagens institucionais da saúde suplementar demonstram enorme resistência em atuar como cadeia.
O Observatório 2024, ao analisar os últimos 15 anos, traz números e informações que mostram, apesar de tudo, a evolução do sistema e, mais do que nunca, sua necessidade. Mas, ao mesmo tempo, indicam que, se quisermos colher no futuro novas e positivas informações, é preciso começar agora a enfrentar as razões estruturais. E, para isso, é preciso mudar a forma como as enfrentamos.