Na Alemanha, entre as décadas de 1920 e 1930, os nazistas não se limitaram a queimar livros em praça pública. Também perseguiram professores, corroeram o princípio da autoridade intelectual nas instituições universitárias e, depois de reduzir drasticamente seus recursos, estimularam ainda o culto ao Führer, minando com isso as bases da autoridade cientifica e dos valores éticos nas universidades alemãs.
Como o lobo perde o pelo mas não o instinto, conforme diz um ditado popular, o bolsonarismo segue pela mesma vertente do nazifascismo. Quando esteve à frente do governo federal, entre 2019 e 2022, deixou a área da educação sob a responsabilidade de dirigentes ineptos, burocratas áulicos e pastores neopentecostais que classificavam a universidade pública como lugar de proselitismo ideológico, bagunça e drogas.
Também reduziu o quanto pôde o orçamento das agências de fomento à pesquisa, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes). E ainda censurou livros escolares, deixou em estado de penúria o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e cortou as verbas de pesquisas em saúde e agronegócio, estimulando com isso um êxodo de pesquisadores altamente qualificados.
Agora, à frente do estado mais rico do país, o bolsonarismo ameaça reduzir as verbas orçamentárias das três universidades públicas – USP, Unicamp e Unesp – e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que há seis décadas exerce um papel fundamental para o desenvolvimento do país nas mais variadas áreas do conhecimento.
Inspirada pelas noções de eficiência e produtividade e pelo desprezo às ideias de transformação e desenvolvimento, essa ameaça mais uma vez revela a opção do bolsonarismo de limitar a produção científica do país a uma posição subalterna – isto é, à pesquisa aplicada, que proporciona retornos imediatos.
Sob a forma de pressões de funcionalização econômica imediata, essa ameaça aponta, igualmente, a tentativa de converter as universidades públicas estaduais em simples prestadoras de serviço e de formação e treinamento de mão de obra para a iniciativa privada.
Em plena sociedade do conhecimento, em cujo âmbito uma universidade pública depende de sua capacidade tanto de transformar quanto de se transformar ela própria para acompanhar as exigências de novos conteúdos, novas competências e novas habilidades, o bolsonarismo se caracteriza pelo atraso e pela falta de inteligência.
Ele se esquece que só há progresso econômico e integração e bem-estar social quando a universidade pública tem não apenas autonomia financeira, mas, igualmente, três liberdades fundamentais, entre várias outras: (i) a liberdade de cátedra; (ii) a liberdade para definição de prioridades, estabelecimento de metas e distribuição de recursos: e (iii) a liberdade de operar segundo regras próprias e mecanismos de autorregulação e controle.
Como nós, professores, sabemos desde o primeiro dia em que passamos no vestibular dos cursos de graduação, a universidade pública tem um caráter peculiar. Por um lado, está vinculada a quem a financia – a sociedade, com todas suas demandas, seus problemas e suas carências. Por outro lado, tem de preservar sua independência acadêmica, orçamentária e funcional para poder cumprir seu papel transformador.
O que teria sido do país, em matéria de desenvolvimento, se às universidades públicas paulistas – a começar pela USP – não tivessem sido asseguradas desde seu primeiro ano de funcionamento não só as liberdades a que me refiro, mas, também, pluralismo de ideias e razão constitutiva do ideário democrático?
Ainda que a resposta seja óbvia, o nazifascismo subjacente ao bolsonarismo não é capaz de compreendê-la. Historicamente, a universidade é um espaço de criação, de reflexão e de problematização. Pela sua própria natureza, um pensamento efetivamente inovador costuma sofrer resistências e até mesmo não ser reconhecido como tal.
Por isso, o saber criativo, reflexivo e problematizante dificilmente consegue emergir em instituições de ensino onde os critérios de utilidade e de produtividade estão à frente das ideias de imaginação, de inventividade e de questionamento. Instituições como estas, defendidas pelo bolsonarismo, podem até “tecnificar” a sociedade durante algum tempo. Contudo, jamais as transformarão.