Imposto Seletivo em atividade de extração e imunidade tributária sobre exportações

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Após anos de discussão, em 20 de dezembro de 2023, foi promulgada a Emenda Constitucional 132, alterando o sistema tributário nacional para a introdução da tão aguardada reforma tributária. A nova normativa, criada com o objetivo de simplificar o sistema tributário brasileiro, substituiu cinco tributos – PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI – por um IVA dual de padrão internacional, composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), além do Imposto Seletivo (IS).

Pois bem, segundo preceitua a norma, o Imposto Seletivo, objeto de estudo no presente artigo, é de competência da União, e incidirá uma única vez sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, a serem regulamentados em lei complementar. No caso das atividades de extração, dentre as quais se incluem a mineração, restou fixado no texto legal que o imposto será cobrado independentemente da destinação, caso em que a alíquota máxima corresponderá a até 1% do valor de mercado do produto.

O legislador se encarregou, ainda, de definir no próprio texto da EC 132/2023, o prazo de 180 dias para que o Poder Executivo encaminhasse ao Congresso Nacional proposta de regulamentação, o que foi feito em 24 de abril de 2024, quando da apresentação do Projeto de Lei Complementar 68/2024[1], que se propõe a regulamentar parcialmente a instituição do IBS, da CBS e do IS.

No que concerne ao Imposto Seletivo, chamou a atenção o fato de que o PLP estabelece, como regra geral, a não-incidência sobre as exportações, tendo, todavia, tal condição sido expressamente excepcionada em relação aos bens minerais. Ou seja, segundo a proposta apresentada, apenas os bens de natureza mineral listados no Anexo da Lei Complementar passariam a ter suas operações de exportação tributadas pelo IS.

Ao examinar a Exposição de Motivos 00038/2024, anexa ao PLP 68/24, observa-se que o legislador menciona que o IS incidirá também sobre bens minerais listados destinados à exportação, sem, todavia, apresentar qualquer justificativa que fundamente referida excepcionalidade, a ver: “264. O Projeto propõe a incidência do IS sobre a extração de minério de ferro, de petróleo e de gás natural. A proposta prevê a incidência do IS na primeira comercialização pela empresa extrativista, ainda que o minério tenha como finalidade a exportação”.[2]

Além disso, vale mencionar que a EC 132/2023, em seu artigo 153, inciso I, parágrafo §6º, determina que o IS “não incidirá sobre as exportações nem sobre as operações com energia elétrica e com telecomunicações”. Lado outro, o inciso VI do mesmo artigo, afirma, de forma genérica, que “na extração, o imposto será cobrado independentemente da destinação”. Em outras palavras, é ambígua a redação do texto normativo que efetivamente modificou a CF/88, quando da aplicação da expressão “independentemente da destinação”, tendo ficado a cargo da lei complementar trazer esse esclarecimento, que contrapôs, todavia, normas e princípios pré-existentes dentro da própria Constituição.

Ora, é sabido que garantir o desenvolvimento nacional é um dos 4 objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, conforme formalizado no artigo 3º, inciso II, da CF/1988[3]. É sabido, também, que o instituto jurídico da imunidade tributária envolvendo as operações de exportação, está fundado nos princípios constitucionais que norteiam a tributação e as limitações ao poder de tributar, como a neutralidade tributária, a livre concorrência e a isonomia (arts. 146-A, 150, II e 170, IV, art. 152).

Referidos princípios buscam garantir aos contribuintes direitos fundamentais como liberdade, dignidade humana, capacidade contributiva, propriedade e igualdade. Ainda, o art. 5º da CF/1988, em seu § 1º, prescreve que “as normas definidoras dos direitos e garantias individuais têm aplicação imediata.”, e o artigo 60, §4º, do mesmo diploma legal, que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.”.

Neste contexto, sendo os princípios constitucionais tributários e as imunidades – limites ao poder de tributar-, mecanismos reflexos que buscam garantir os direitos fundamentais, deverão estes serem considerados cláusulas pétreas, não suprimíveis. Sobre o tema, vale mencionar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a ADI 939, decretando a inconstitucionalidade da EC nº 03/1993, por não ser aderente às disposições originais da Constituição Federal, a ver:

EMENTA: – Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, “b”, e VI, “a”, “b”, “c” e “d”, da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua e de guarda da Constituição (art. 102, I, “a”, da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica “o art. 150, III, “b” e VI“, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. – o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, “b” da Constituição); 2. – o princípio da imunidade tributária reciproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I, e art. 150, VI, “a”, da C.F.); 3. – a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: “b”): templos de qualquer culto; “c”): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e “d”): livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão (…). (ADI 939, Relator(a): SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/1993, DJ 18-03-1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755)

Além disso, é importante ressaltar que a desoneração das exportações tem como objetivo, principalmente, trazer igualdade ao fluxo internacional de bens e serviços, a fim de não prejudicar nenhum país. É o que se depreende ao interpretar as normas constitucionais brasileiras, e também o Acordo Constitutivo da OMC, internalizado no Direito Brasileiro pelo Decreto 1.355/1994[4], que incorporou a ata com os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), assinada em Marraquexe (Marrocos), em 12 de abril de 1994, e que consagra o princípio da tributação no país do destino para os impostos sobre o consumo, tal qual o IS.

Sobre o tema, o autor Lucas Bevilacqua traz importante reflexão, ao afirmar que “As desonerações das exportações não consubstanciam qualquer prática de concessão de incentivos fiscais; trata-se, na realidade, de ‘desoneração estrutural’, consistente na eliminação do ônus fiscal sobre bens e serviços destinados ao exterior como decorrência da própria conformação do poder de tributar pela Constituição ao assimilar o princípio do país do destino[5].

Assim sendo e diante de todo o acima exposto, faz-se essencial que as novas regras impostas pela reforma tributária, especialmente aquelas relativas ao Imposto Seletivo e sua incidência, sejam interpretadas de forma sistêmica, sob a luz das normas e princípios exarados na Constituição Federal de 1988, como a igualdade, a neutralidade fiscal e a livre concorrência, a fim de garantir o cumprimento efetivo dos direitos e garantias fundamentais.

[1] Disponível em:<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2430143>

[2] Disponível em:<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2430143>

[3]Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>

[4] Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D1355.htm>

[5] BEVILACQUA, Lucas. Incentivos fiscais às exportações: Desoneração da tributação indireta na cadeia exportadora e concorrência fiscal internacional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.