Estamos novamente na iminência de uma outra reforma eleitoral, como tem acontecido a cada dois anos. Esta iniciativa, ao menos, não teria validade para as eleições de 2024, devido à anterioridade de um ano prevista na Constituição. Porém, caso seja aprovada, modificará as regras do jogo para as disputas eleitorais de 2026, quando o Brasil irá às urnas para eleger presidente, governadores, um senador por estado, deputados federais e estaduais.
O fato de o pleito deste ano não ser afetado, porém, não minimiza os riscos impostos à democracia em virtude das eventuais modificações no Código Eleitoral, estabelecido pela Lei 4.737, de 15 de julho de 1965. Ele realmente necessita ser reformado, mas não da forma proposta.
O que se nota é uma série de retrocessos que nos causam espanto, ainda mais pela forma como o Congresso Nacional deseja aprovar a matéria, sem debates de fato. Não é sem motivo, portanto, que organizações da sociedade civil estão se manifestando e se articulando, tendo lançado uma nota de repúdio à proposta de reforma.
Por exemplo, o projeto prevê o fim das cotas para mulheres ou a sua relativização. Do mesmo modo, seria flexibilizado o uso de recursos destinados às candidaturas femininas, beneficiando, assim, políticos homens. Há também previsão de alterar em parte os efeitos da Lei da Ficha Limpa ao estabelecer o prazo máximo de 8 anos para inelegibilidade.
Ademais, há propostas para reduzir a transparência na prestação de contas, dificultando punições àqueles que tiverem suas contas rejeitadas. O que se nota é uma série de retrocessos que nos causam espanto, ainda mais pela forma como desejam aprovar, sem debates. Fala-se ainda em apresentar proposta para acabar com a reeleição para o Executivo nos níveis federal, estadual e municipal e ampliar o mandato de senadores, que chegaria a dez anos.
Trata-se, assim, de uma reforma total do sistema e do processo eleitoral e partidário, sem que ao menos sejam promovidos os debates necessários, especialmente considerando que vivemos em um período tão conturbado politicamente, com ampla polarização e em pleno ano eleitoral.
Inicialmente o projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados sem passar por uma Comissão Especial, o que viola a praxe em projetos de tamanha envergadura. Foi criado um grupo de trabalho e os trâmites que seriam necessários em uma comissão foram abreviados pelo regime de urgência em que a matéria transcorreu, atropelando os devidos ritos legislativos. Por exemplo, a audiência pública acerca do projeto foi para inglês ver, sem o debate necessário para uma reforma tão importante.
A proposta chegou ao Senado em 16 de setembro de 2021, ainda durante a legislatura anterior, e lá permaneceu sem nenhuma movimentação até o mês passado, quando o relator Marcelo Castro (MDB-PI) apresentou seu relatório à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para somente depois ser levado a plenário. Todavia, tal como antes, não foram realizados os debates necessários para a tramitação e votação da reforma.
Será que é esta a vontade do povo soberano, aquele que efetivamente será alcançado por esta reforma? Será que, ao contrário, o eleitor não desejaria a redução de mandato e a limitação de reeleição no Legislativo, vedando a perpetuação dos mesmos políticos no poder que fazem de tudo para conservá-lo e, assim, limitando as chances de renovação das bancadas a cada quatro anos?
A sociedade civil deve preocupar-se com tudo isso, contribuindo para repensar o sistema político atual, que está desgastado. Paralelamente, os detentores de mandatos eletivos deveriam considerar a realização de consultas à população para legitimar quaisquer decisões acerca do sistema eleitoral. Caso contrário, o risco de a reforma ser feita pelo establishment em causa própria aumenta, o que acabaria por aumentar o descrédito da população na política, nas instituições e, potencialmente, na própria legitimidade do regime democrático.