Nos últimos anos, uma das maiores disputas envolvendo questões regulatórias e concorrenciais no setor portuário certamente foram travadas em torno da cobrança da taxa sobre o Serviço de Segregação e Entrega (SSE), também muito conhecida no passado como Terminal Handling Charge 2 (THC2).
O SSE/THC2 se relaciona com o funcionamento do mercado de movimentação e armazenagem de cargas, ou seja, com a entrega da carga transportada, via importação, do cais do porto para o terminal portuário. Trata-se, portanto, da cobrança de valores pelos operadores portuários aos recintos alfandegados, em decorrência da relação de dependência deste para com aquele no mercado de armazenagem alfandegada.
Recapitulando o funcionamento deste mercado, destacam-se os stakeholders envolvidos: a) o armador – opera os navios que fazem o transporte marítimo de cargas; b) o importador – destinatário final da mercadoria transportada; c) o operador Portuário – arrendatário ou autorizatário de terminais portuários públicos ou privados, que realiza a movimentação e até a armazenagem de cargas; e d) o Recinto Alfandegado Independente ou Terminal Retroportuário (TRA) – local de movimentação, armazenagem e despacho aduaneiro, que se localiza dentro ou fora da área dos terminais portuários.
Na situação em que um importador contrata um Armador para trazer sua mercadoria do porto de origem até o porto de destino, o armador cobra do importador o frete, para cobrir os custos do transporte da mercadoria; e também a taxa THC, que se refere aos custos de movimentação da carga em terra e visa remunerar os serviços de movimentação horizontal da carga no porto de destino.
O armador contrata os serviços de atracação, estiva e movimentação horizontal de cargas no porto com o operador portuário. Esses serviços integram a denominada “box rate” a qual inclui o valor da THC, repassado aos importadores pelos armadores e paga pelo armador ao operador portuário. A THC é antecipada pelo importador ao armador, para que este possa fazer o repasse do valor da THC ao operador portuário e garantir a entrega da carga ao seu dono.
Na etapa seguinte, o importador tem a opção de armazenar a sua carga nas dependências do Operador Portuário ou contratar um Recinto Alfandegado independente para prestar o serviço de armazenagem alfandegada. É exatamente nesse último caso que ocorre a cobrança da chamada THC2.
A cobrança do THC2 é apontada como uma medida de desincentivo ao envio da carga recebida para recintos alfandegados fora da área do porto, ou mesmo dentro da área do porto, mas pertencentes a outras empresas. Configura, assim, uma cobrança extra ou mais elevadas aos importadores que optam por não armazenar a carga no terminal molhado, enviando-a para nacionalização em outro recinto.
A cobrança tornaria desinteressante a interiorização da carga alfandegada. Essa prática gera uma concorrência desleal entre os grupos empresariais que possuem terminais molhados e os demais, aumentando o custo de nacionalização da carga nos últimos.
Nas duas últimas décadas, a cobrança em questão tem sido analisada por diversos órgãos, como o Cade, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o Tribunal de Contas da União (TCU) e ainda o Poder Judiciário.
O Cade faz sua análise e julgamento observando as regras do direito concorrencial previstas na Lei 12.529/2011 e já enfrentou por diversas vezes a cobrança do SSE/THC2 em diversos Portos – a exemplo do Porto de Santos e o Porto de Salvador. Em todos os casos, o Cade tem sinalizado que a cobrança de THC2 é ilícita à luz do direito concorrencial.
A Antaq, por sua vez, regula, supervisiona e fiscaliza as atividades de prestação de serviços de transporte aquaviário e de exploração da infraestrutura portuária e aquaviária, nos termos da Lei 12.815/2013, e ainda da Lei 10.233/2001. No passado, a agência reguladora normatizava a questão por meio de sua Resolução 2.389/2012.
Em 2015, o TCU, ao analisar o Relatório de uma Auditoria Operacional cujo objetivo era avaliar os principais gargalos para liberalização de carga conteinerizada nos portos da Região Sudeste, proferiu o Acórdão 1704/2018-TCU-Plenário.
A decisão determinou à Antaq a revisão da regulamentação concernente à cobrança do serviço de segregação e entrega de contêiner (SSE ou THC 2), de modo a adequá-la ao novo arcabouço jurídico e constitucional estabelecido pela Lei 12.815/2013 e pela Lei 12.529/2011, bem como por dispositivos da Lei 10.233/2001.
Como consequência, foi editada pela agência a Resolução 34/2019, posteriormente substituída pela Resolução Antaq 72/2022, que permitiu a cobrança, em seu art. 5º, tendo em vista que possibilitou a cobrança de serviços não contemplados no box rate, inclusive em caráter de livre negociação.
Já em 2022, o TCU proferiu nova decisão sobre o assunto. Tratou-se do Acórdão 1.448/2022-TCU-Plenário, onde se reconheceu desvio de finalidade do ato de expedição da Resolução Antaq 72/2022 e determinou a anulação de todos os dispositivos da mencionada norma que dizem respeito à possibilidade de cobrança do serviço de segregação e entrega de contêiner (SSE).
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), recentíssimo julgamento volta a esquentar as discussões. Em sessão de julgamento realizada no último dia 5 de março de 2024, foi pautado o Recurso Especial 1.899.040/SP, cuja relatora é a Ministra Regina Helena Costa, que proferiu voto no sentido de que a cobrança da tarifa é ilegal e que as normas da Antaq devem observância à Lei Antitruste (Lei 12.529/2011).
A ministra Regina Helena Costa, relatora do caso, posicionou-se pela prevalência da interpretação do Cade, que declarou a tarifa como ilegal, em detrimento das normativas da Antaq, que autorizam a cobrança da THC2. Após seu voto, o ministro Gurgel de Faria solicitou mais tempo para análise do processo. A ver, cenas dos próximos capítulos…