Desafios e perspectivas na regulação do trabalho por aplicativos

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A regulação do trabalho por aplicativos envolve a abordagem de questões bastante complexas e dinâmicas que estão no centro dos debates atuais sobre direito do trabalho, tecnologia e economia. Não se pode deixar de lado que, no contexto atual e nas relações sociais vivenciadas em todo o mundo, as novas frentes de trabalho e a transformação das relações sociais e profissionais vão trazer consideráveis desafios para toda a cadeia produtiva, inclusive para entidades sociais e governamentais que enfrentarão enorme influência e pressão externa.

Internacionalmente, a regulação do trabalho por aplicativos tem variado significativamente. Alguns países têm adotado abordagens mais protetivas aos trabalhadores, classificando-os como empregados com direito a benefícios trabalhistas, enquanto outros mantêm a classificação de trabalhadores independentes, com menos proteções.

O Brasil, por sua vez, ainda busca um caminho a seguir. Apesar das recentes discussões sobre a matéria no âmbito legislativo, através de uma proposta do Executivo, no âmbito do Judiciário as discussões têm sido marcadas como um campo de batalha com decisões divergentes sobre o assunto. Tribunais em diferentes instâncias têm se debruçado sobre a natureza jurídica da relação entre aplicativos e entregadores ou motoristas, sem que haja, até agora, um consenso que trate de maneira conclusiva sobre a matéria.

Na Europa, a tendência tem sido no sentido de reconhecer mais direitos aos trabalhadores de plataformas. Por exemplo, tribunais nacionais em países como Espanha e Reino Unido têm tomado decisões que reconhecem certos direitos trabalhistas a esses profissionais. A União Europeia também tem discutido diretrizes para melhor proteger os trabalhadores de plataformas digitais.

Um esforço recente para melhorar as condições de milhões de trabalhadores de plataformas digitais na União Europeia se deu através da proposta de uma diretiva que visa reclassificar trabalhadores “gig” como “trabalhadores por conta de outrem”, garantindo-lhes acesso a direitos trabalhistas básicos.

Este movimento poderia beneficiar mais de 5 milhões de trabalhadores ativos, sendo que, atualmente, estima-se o total de 28 milhões de trabalhadores em plataformas digitais em toda a União Europeia. No entanto, a adoção da diretiva enfrentou atrasos devido à oposição de uma maioria dos países membros, que levantaram preocupações sobre a presunção legal de uma relação de emprego e os encargos administrativos​​.

Analisando, ainda, outras normas comunitárias, chega-se à Diretiva 2019/1152 sobre condições de trabalho transparentes e previsíveis, estabelecendo direitos mínimos e regras atualizadas para fornecer aos trabalhadores informações claras sobre suas condições de trabalho. Esta Diretiva é significativa para os trabalhadores de plataformas, pois se aplica a pessoas que trabalham mais de três horas semanais em um período de quatro semanas, e inclui disposições sobre a notificação de elementos básicos da relação de trabalho e requisitos mínimos do contrato de trabalho​​.

Nos Estados Unidos, a situação é mais fragmentada, variando de estado para estado. A Califórnia, por exemplo, tem sido um campo de batalha legislativo e judicial com a Proposição 22, que permite que empresas de aplicativos tratem motoristas e entregadores como contratados independentes, embora haja contestações legais em andamento.

Um exemplo que se destaca é o modelo espanhol, conhecido como “Lei Rider” (Real Decreto-ley 9/2021), aprovado pelo Conselho de Ministros em 11 de maio de 2021, que classifica os entregadores de aplicativos como empregados das plataformas digitais. Um dos principais pontos dessa norma diz respeito ao reconhecimento de uma presunção legal de vínculo empregatício para os trabalhadores de plataformas digitais que estejam vinculados às plataformas de entrega.

Outro ponto crucial da Lei Rider diz respeito à obrigação no fornecimento de informações sobre algoritmos ou sistemas de inteligência artificial. Diferente da obrigação restritiva para as plataformas de entrega, no que se refere a transparência algorítmica, a norma determina que toda e qualquer empresa empregadora que gerencie o trabalho através de algoritmos ou inteligência artificial estará obrigada a fornecer informações que afetam a tomada de decisões por parte do trabalhador.

A perspectiva no Brasil é de um debate contínuo e possível evolução legislativa. O Congresso Nacional tem projetos de lei em discussão que buscam regulamentar essa nova forma de trabalho, procurando um equilíbrio entre flexibilidade e proteção dos trabalhadores. O desafio é criar uma regulação que reconheça as particularidades do trabalho por aplicativo, principalmente no que se refere ao atual cenário legal brasileiro que necessita existência de requisitos fundamentais, como pessoalidade e subordinação.

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem encampado um discurso de liberdade econômica. Entretanto, todos os processos decididos até então foram isolados. Apenas recentemente foi reconhecida a constitucionalidade e a repercussão geral da matéria, que influenciará o julgamento de todos os processos que estão tramitando atualmente no país. O Recurso Extraordinário 1446336 teve sua repercussão geral reconhecida no último dia 2 de março, assim, todos os processos que tramitam nos tribunais do país deverão ficar suspensos até o julgamento definitivo por parte do tribunal.

A multiplicação e intensificação do uso de plataformas digitais se tornou um grande desafio econômico e legal no mundo pós-Covid-19. Nesse novo cenário, em que as economias locais sofreram de forma direta, a migração de forças de trabalho formais para outras ainda incipientes causam temor e levantam acaloradas discussões que devem ser travadas em diversas frentes, notadamente no Legislativo e no Judiciário.

Vários interesses estão sendo analisados, desde a importância das plataformas digitais no novo cenário econômico, até a proteção ao trabalho e sua efetiva medição e controle como métodos de análise econômicos. Não se olvida, ainda, da necessária regulamentação no âmbito previdenciário, bem como na tributação das atividades exercidas, quando analisado o enfrentamento da renda.

Os modelos internacionais, normativos e judiciais, servirão de parâmetros importantes nas discussões brasileiras, entretanto, deve-se permitir uma amplitude de discussões e diálogos com os setores envolvidos, empresariais e laborais, evitando-se uma resposta imediata ou açodada que pode causar grandes prejuízos no curto prazo e prejudicar toda a cadeia econômica.