Existe uma distância longa entre divergência e conflito. E quem observa o Supremo de longe talvez misture os dois fenômenos. Uma confusão que turva o diagnóstico e não ajuda em nada na difícil tarefa de projetar o futuro da relação entre os Poderes em Brasília.
Existem e sempre existirão marcantes discordâncias entre os ministros nos processos que são julgados. Essas diferenças de visões são parte essencial de um tribunal colegiado e nunca desaparecerão, evidentemente.
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Talvez haja uma visão distorcida também do que significa e como opera a coesão que marca o Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos quatro anos – para fazer frente às ameaças de Bolsonaro e para responder aos ataques do 8 de janeiro de 2023.
Compreende-se: o Supremo saiu do cenário de conflito e fragmentação para um momento de união nunca antes visto na história do tribunal. Mas coesão e união interna não geram unanimidades. E o STF lida com isso há mais de um século. É da sua própria natureza.
Ainda mais porque os dois fenômenos – a divergência e o conflito – desdobram-se em planos também diferentes, que não necessariamente se conectam.
As divergências estão no processo, na interpretação da Constituição, na compatibilização das leis, na análise dos conflitos jurídicos que chegam ao tribunal.
Os conflitos se alimentam da relação do tribunal com a política. Nesse campo, o potencial de cisão interna é grande. E foi isso que vimos nos tempos de Lava Jato e de Mensalão, mas não é – nem de longe – o que vemos hoje.
Então vamos descer aos fatos.
O ministro Alexandre de Moraes continua a ter apoio interno no tribunal no comando das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado. Mas isso não o isenta das ressalvas a decisões específicas.
Para quem observa o Supremo há tanto tempo isso fica evidente no discurso que o ministro Gilmar Mendes fez para defender o ministro Alexandre de Moraes das críticas sofridas em razão das decisões envolvendo Elon Musk e Twitter.
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Mendes não defendeu as decisões de Moraes. Disse, inclusive, que nem sequer sabia das circunstâncias que levaram o colega a tais conclusões. Isso é um sinal claro da diferença entre defender Moraes e suas prerrogativas e avalizar toda e qualquer decisão que ele adote.
Os ministros fazem, sim, ressalvas ao ritmo e procedimentos de Moraes no caminho das investigações. Por que a Procuradoria-Geral da República foi praticamente ignorada neste caso recente? Isso não entra na cabeça dos ministros. Para ficar apenas num exemplo. Mas isso passa longe de ser um conflito.
No outro campo, Moraes e o presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso divergiram recentemente em casos importantes. Moraes ficou vencido no caso que envolvia a chamada revisão da vida toda. Mas os embates jurídicos geralmente não geram consequências da porta de vidro do plenário para fora.
É do dia-a-dia do Supremo a diferença de visão. Como também é da natureza do tribunal – e de qualquer colegiado – a diferença de perfil e de habilidades de cada integrante.
Barroso não é um articulador político. Nunca foi como ministro e não será como presidente. É uma característica. Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Flávio Dino são notoriamente articuladores políticos. E não apenas eles.
E isso explica por que eles – junto a Cristiano Zanin – estão no diálogo mais próximo com o Palácio do Planalto. Na segunda-feira, os quatro jantaram com Lula na casa de Mendes. Para discutir política. Isso não significa, no Supremo de hoje, alijamento político ou perda de comando.
Barroso continua a ser o presidente do Supremo. Como qualquer presidente do STF, ainda mais hoje, Barroso pode pouco. Ele não manda no tribunal ou nos ministros. Ele representa este tribunal – de Gilmar Mendes, de Cármen Lúcia, de Dias Toffoli etc.
As divergências internas não ameaçam a coesão interna. O problema do Supremo passa muito longe de ser este. O tribunal ainda convive com a descrença e desconfiança de parte da sociedade e do Congresso Nacional. E este é o verdadeiro problema hoje do STF.