Desde 2009, a legislação que estabeleceu a Política Nacional sobre Mudança do Clima delineou a responsabilidade do governo em criar normas para os planos setoriais, visando uma economia de baixo consumo de carbono e o alcance de metas graduais de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE). No cenário atual, é cada vez mais urgente o debate sobre a regulamentação do mercado de carbono.
Recentemente foi aprovado na Câmara dos Deputados o PL 2.148/2015, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) e dá outras providências ao mercado de carbono. O PL seguirá para o Senado Federal e no caso de alterações, o texto retornará à Câmara, sendo esse o caminho a ser percorrido, até ser aprovado e depois sancionado pelo Presidente da República.
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O PL 2.148/2015 prevê conceitos importantes para o mercado de carbono, traz metas/ obrigações aos operadores das instalações e fontes que emitam acima de 10.000 tCO2e por ano a se submeterem ao plano de monitoramento e elaboração de relatório das emissões e remoções e aos Operadores das instalações e fontes que emitam acima 25.000 tCO2e por ano além de se submeter ao plano de monitoramento e emissão de relatórios deve apresentar o relato de conciliação periódica de obrigações, e destaca a natureza jurídica do Crédito de carbono como ativo fungível com natureza jurídica de fruto cível e o classifica como um valor mobiliário quando transacionado no mercado financeiro e de capitais.
Dá ênfase na proteção da propriedade, a regulação do mercado voluntário REDD+, bem como a previsão dos chamados “programas jurisdicionais”, que possibilita Estados e Municípios também atuarem no mercado de carbono, desde que tenham a propriedade e o usufruto, de forma cumulativa, da área, e também altera o inciso XXVII, do art. 3º da Lei 12.651 de 25 de maio de 2012 (Código Florestal) que tratava os créditos de carbono como “título de direitos sobre bem intangível e incorpóreo transacionável”, passando agora a ser tratado como “ativo transacionável, autônomo com natureza jurídica de fruto cível”.
E adiciona o inciso X no artigo 2º da Lei 6.385 de 7 de dezembro de 1976, incluindo os ativos integrantes do SBCE e os créditos de carbono quando negociados no mercado financeiros e de capitais no rol de valores mobiliários.
O PL prevê a criação de quatro espécies de ativos; o crédito de carbono; Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE); Cota Brasileira de Emissões (CBE) e o Certificado de Recebíveis de Créditos Ambientais (CRAM).
Sendo aprovado, o PL porá fim à controvérsia sobre a natureza jurídica dos créditos de carbono, uma vez que nem na própria doutrina se encontra um posicionamento pacificado sobre o tema. Heleno Taveira Torres entende que o crédito de carbono seria uma espécie de “moeda verde” que no entendimento do autor “ser utilizada como meio de troca, sob o lastro real (valor intrínseco) de redução de uma tonelada de carbono emitido, a exemplo do antigo padrão ouro empregado para aferir o valor do dinheiro.”
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Já Fernando Facury Scaff reconhece a complexidade do tema, faz ponderações, analisando a hipótese de serem serviços ambientais, ideia também compartilhada pela professora Ana Nusdeo. Conforme a Lei 14.119 de janeiro de 2021, que classificou no artigo 2º, II, o que são serviços ecossistêmicos.
A própria Lei 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional Sobre Mudanças do Clima (PNMC), no artigo 9º considera crédito de carbono como títulos mobiliários, e também conflita SC Disit SRRF06 nº. 193/2009 que entendeu ser ativos intangíveis, e sua comercialização constitui uma cessão de direitos.
Atualmente, o Brasil não possui mercado regulado, o que se tem é o crédito de carbono do mercado voluntário Environmental, Social and Corporate Governance (ESG sigla em inglês), e o enquadramento que vem sendo dado pela Receita Federal é que as negociações com esses títulos incidem Imposto de Renda e a Contribuição Sobre Lucro Líquido, (CSLL) e dependendo do regime de lucro apurado, se presumido ou real, sua carga tributária pode chegar ao percentual de 34%.
Se a venda do crédito de carbono não for objeto da pessoa jurídica, a tributação se dará com base no ganho de capital, não incidindo Pis/Cofins, caso o regime adotado seja o cumulativo.
Se o crédito de carbono for objeto da atividade da pessoa jurídica, a tributação se dará como receita bruta, no lucro presumido, incidirá uma alíquota de 8% e 12% e custos e despesas serão dedutíveis do IRPJ, incidindo Pis e Cofins no regime cumulativo e no regime não cumulativo é admitido que os créditos sejam tratados como insumos. Podendo ser isenta de PIS/Cofins, Soluções de Consultas SRRF06 nº 192 e 193 de 2009, quanto a receita relativa à cessão para o exterior de direitos referentes a créditos de carbono cujo pagamento represente ingresso de divisas.
O PL 2. 148/2015 em seu artigo 17 e seguintes, prevê que quando decorrente da alienação de créditos de carbono e dos ativos definidos incidirá Imposto de Renda segundo as regras aplicáveis: (i) Ao regime em que se enquadra o contribuinte, nos casos dos desenvolvedores que inicialmente emitiram tais ativos; (ii) Aos ganhos líquidos, quando auferidos em operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias e de futuros e em mercados de balcão organizado; (iii) Aos ganhos de capital, nas demais situações.
Podendo ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ com apuração no lucro real as despesas incorridas para a redução ou remoção de emissões de gases de efeito estufa. Já as receitas decorrentes das alienações dos ativos não estão sujeitas à Contribuição para o Programa de Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS.
Recentemente, o Brasil discutiu e aprovou a reforma do seu Sistema Tributário, (EC 132/2023), a reforma visou simplificar a tributação sobre o consumo, substituindo diversos impostos por um IVA Dual (IBS e CBS) e um Imposto Seletivo previsto no inciso III, do art. 154, destacando a proteção ambiental e a eliminação de benefícios fiscais.
Embora a reforma não tenha abordado diretamente a precificação do carbono, ela aprovou medidas que podem contribuir para sua regulação, conforme destacado pela professora, doutora Denise Lucena Cavalcante “a inclusão do critério ambiental no sistema tributário, especialmente com o Imposto Seletivo, pode induzir condutas mais sustentáveis.
Nesse sentido, a inclusão do critério ambiental facilitará a adoção de medidas para a precificação do carbono, seja por tributação direta, ou pelo sistema de comércio de emissões (cap and trade) ou ambos a exemplo do Canadá que mescla a tributação e o sistema de certificações, “setores mais estruturados podem ter acesso ao mercado de certificados e setores que apresentam instituições menos consolidadas devem pagar uma taxa sobre suas emissões.”
No entanto, a EC 132 poderia ter avançado e criado um regime diferenciado na tributação desse mercado, prevendo a possibilidade de incentivos fiscais decorrentes de critérios de sustentabilidade e redução das emissões de carbono para todas as regiões do país, diferentemente do previsto no art. 43 §4º, que prevê a possibilidade de incentivos regionais.
O sistema de certificação se trata de um mercado que gera externalidades positivas e que deve ser incentivado, pois seus operadores estarão contribuindo de forma direta para a mitigação do aquecimento global e a estabilização do efeito estufa.
Considerações finais
A verdade é que o mercado de carbono é altamente dependente das decisões políticas e das condições do mercado econômico. Essa dependência não se limita apenas ao mercado regulado, mas também ao mercado voluntário. A estabilidade do mercado varia conforme a coalizão de interesses dos atores políticos nos acordos ambientais.
Nesse sentido, diante da urgência de estabelecer um marco regulatório, é essencial reconhecer os créditos de carbono como ativos financeiros ambientais, destacando sua importância para a transição para uma economia verde e justa. Pois, a falta de regulamentação inibe as ações do setor produtivo, ressaltando a necessidade de uma lei eficaz que proporcione segurança jurídica aos investidores e aborde a tributação de maneira adequada, evitando prejuízos para os contribuintes.
Uma vez que, ao optar pelo sistema de certificações, como tem feito o Brasil, as empresas passarão a investir em tecnologias que reduzam suas emissões de CO2 e geram externalidades positivas que devem ser incentivadas por meio da desoneração fiscal.