Recentemente, um depoimento bastante interessante foi compartilhado com uma das autoras deste artigo. Uma servidora pública, cujo desempenho é altamente reconhecido na comunidade regulatória, foi convidada para ocupar um importante cargo de gestão na Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (“ANA”). Para além das suas credenciais, o segundo critério relevante era o fato dessa pessoa ser mulher e mãe.
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“- [Nome da servidora], nós queremos mostrar que é possível ser mãe e ocupar cargos de liderança”, disse a contratante à gestora. A servidora se encheu de lágrimas e, por maior que fosse a sua satisfação em seu trabalho atual, aceitou a nova posição prontamente. Trabalhar para uma agência reguladora, cujo compromisso com os objetivos de desenvolvimento sustentável se reflete em ações concretas, é uma oportunidade irrecusável.
Em artigo anterior neste portal e em nosso podcast[1], já destacamos a ANA pela forma como vem exercendo suas competências recém-adquiridas. As normas de referência para o saneamento básico estão sendo desenhadas com transparência, com amplo uso de instrumentos de participação social e com base em evidências[2].
No entanto, práticas silenciosas, como a busca ativa por maior diversidade nas posições de liderança, mostram o engajamento institucional da agência com a equidade e a eficiência de sua gestão. A ANA é a única agência, desde a criação da Aneel em 1996, a ter duas mulheres ocupando a posição de diretoras-presidentes. Mais recentemente, o fato de a diretora-presidente ter se tornado mãe durante o seu mandato merece não apenas reconhecimento público, como também ampla divulgação.
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As iniciativas da entidade em prol da paridade de gêneros não são recentes. Desde 2016, a ANA possui um Comitê Pró-Equidade de Gênero (“CPEG”). Integrantes do Comitê trabalham com um olhar atento quanto à ausência de mulheres nas atividades de representação da agência. O CPEG busca sempre se manifestar a responsáveis, dirigentes e organizadores de eventos quanto à falta de equilíbrio de gênero e sua inadequação. Não existe uma “repreensão formal”, mas sim uma tentativa de gerar incômodo toda vez que as representações não estão equilibradas.
Por vezes, integrantes do CPEG recebem como resposta a suposta inexistência de mulheres com determinada habilidade para compor a representação. Para endereçar essa questão, em 2022, o CPEG lançou a Plataforma de Talentos Mulheres pelas Águas. A Plataforma foi construída com entidades parceiras da área de recursos hídricos: o Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas, a Associação Brasileira de Recursos Hídricos – ABRHidro e a Rede Brasil de Organismos de Bacia – REBOB, em especial por sua sessão REBOB Mulher, que hospeda a Plataforma. Não há como comprovar que essas ações são a causa de um maior equilíbrio nas representações, contudo, mesas, eventos e lideranças têm cada vez mais equilíbrio na Agência.
Os números das lideranças internas da ANA também melhoraram de forma significativa. Desde 2018, primeiro ano em que foi feito levantamento de ocupação de cargos por gênero, a quantidade de mulheres no mais alto nível decisório dobrou, passando de uma para duas diretoras, de um total de cinco membros. Destaca-se que a ANA é a única agência a ter duas mulheres em seu corpo diretor (40%) em um cenário no qual metade das agências de infraestrutura[3] não tem qualquer mulher em seu colegiado e no qual elas ocupam apenas 13,5% das posições de diretoria das agências.
No segundo nível decisório, houve um surpreendente crescimento. Em 2018, não havia nenhuma mulher entre os superintendentes. Hoje, 36% dos cargos de superintendente são ocupados por mulheres. Além disso, dois dos demais cargos de decisão (secretário-geral, procurador, auditor, ouvidor e corregedor) são hoje ocupados por mulheres, ainda que uma interinamente.
Ainda 2019, outra ação silenciosa, porém efetiva, realizada na ANA, foi a confecção de prismas com lembretes e conteúdo educativo para a realização de reuniões com respeito à equidade de gênero. Eles incluíam a definição de termos que refletem atitudes sexistas, como bropriating, manterrupt e mansplaining.
Figuras 1 e 2. Primas utilizados em reuniões
Os prismas foram distribuídos em todas as mesas de reunião da Agência e tiveram importante papel no processo de conscientização de servidores e servidoras com relação a comportamentos misóginos. A iniciativa teve repercussão expressiva não somente na ANA, mas também entre representantes de diversas instituições que participaram de reuniões na entidade ao longo dos últimos anos[4].
A igualdade de gênero deve se tornar pauta comum das agências reguladoras federais. No final de 2023, o conselheiro Alexandre Freire, da Anatel, encaminhou ofício[5] ao recém-criado Comitê das Agências Reguladoras Federais (“COARF”) cujo assunto era justamente a promoção de agenda comum relativa à equidade de gênero. Ações de comunicação e educação, como aquelas realizadas na ANA pelo CPEG, podem ser facilmente replicadas e contribuir para a ainda lenta, mas duradoura, mudança cultural necessária para maior igualdade de gêneros na regulação. O debate, no âmbito do COARF, pode inclusive começar com um mapeamento das iniciativas existentes nas agências e as principais lições aprendidas. As nomeações a serem feitas em 2024, por ocasião dos 14[6] mandatos que se encerram neste ano, serão um importante sinalizador de como a pauta está, ou não, avançando na regulação brasileira.
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[1] Episódio “Normas de referência para o saneamento básico: o que são e como são feitas?” com a Superintendente de Regulação de Saneamento Básico da agência, Cíntia Leal Marinho de Araújo.
[2] A ANA era uma das poucas agências que não realizava análises de impacto regulatório antes de 2019, cenário que mudou drasticamente nos últimos 3 anos. Um dos indicadores desses esforços de mudança foi a obtenção do Selo Ouro de Boas Práticas Regulatórias por dois anos consecutivos.
[3] Atualmente, Anatel, ANTT, ANAC e ANM não possuem nenhuma mulher em seu corpo diretor.
[4] Os participantes pediam, com frequência, para levar o material para os seus órgãos, e era comum escutar “isso eu aprendi lá na ANA”. O material foi reproduzido em uma das salas do Ministério da Saúde, com adaptação de layout e referenciando a ANA.
[5] Ofício no 85/2023/AF-ANATEL. Processo no 53500.104096/2023-12
[6] São eles: Rogério Benevides Carvalho (ANAC), Artur Coimbra de Oliveira (Anatel), Hélvio Neves Guerra (Aneel), Rodolfo Henrique de Saboia (ANP), Paulo Roberto Vanderlei Rebelo filho (ANS), Mauricio Abijaodi Lopes de Vasconcellos (ANA), Antonio Barra Torres (Anvisa), Meiruze Sousa Freitas (Anvisa), Tiago Mafra dos Santos (Ancine), Guilherme Santana Lopes Gomes (ANM). Além destes 10 diretores cujos mandatos encerram em 2024, há cargo vago na ANAC, e três diretores interinos/substitutos: Nazareno Marques de Araújo (ANA), Danitza Passamai (Anvisa) e Nilo Pasquali (Anatel).