Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), tem sido um dos protagonistas do governo. Dino teve relevância em momentos marcantes do ano, como a invasão de golpistas às sedes dos Três Poderes e no momento em que o Brasil foi palco de uma sequência de casos de violência em escolas. Também houve uma superexposição da imagem do ministro por causa de seus embates com parlamentares nas visitas ao Congresso.
Na entrevista em que anunciou o nome de Dino para a gestão do Ministério da Justiça, o presidente Lula disse que ele tinha a ”missão de consertar o funcionamento da pasta”, fazendo referência ao que ocorreu durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Na transição de governo, Dino foi responsável pela coordenação do grupo técnico que discutiu Justiça e Segurança Pública. Na ocasião, ele chegou a defender a revogação dos decretos do então presidente Bolsonaro que flexibilizavam o acesso a armas, bem como uma atuação mais restrita da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Ex-governador pelo Estado do Maranhão por dois mandatos (2014-2022) e eleito senador nas eleições de 2022, Dino iniciou sua carreira na magistratura, foi secretário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e também assessor da presidência do STF.
8 de janeiro
Em 8 de janeiro, uma semana após Dino ter sido empossado ministro, um grupo de radicais invadiu e depredou os prédios do Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo, para pedir intervenção militar no Brasil.
As cenas, que nunca antes foram vistas na República nacional, geraram reações de autoridades e repercussão nacional e internacional. À época dos atos antidemocráticos, o ministro Flávio Dino chegou a afirmar que o país viveu ”o Capitólio brasileiro”, em referência à invasão ao Congresso estadunidense em 6 de janeiro de 2021.
Como medida de urgência e para driblar novas ameaças ao Estado Democrático de Direito, o ministro anunciou a criação de um canal de denúncias para receber informações sobre os terroristas que atacaram os prédios dos Três Poderes. Dias depois, como resposta mais direta ao que ocorreu no 8 de janeiro, Dino anunciou um conjunto de propostas chamado de ”Pacote da Democracia”, que buscava intensificar as punições a pessoas, empresas e plataformas digitais que atentarem contra a democracia.
O pacote, que busca preservar as instituições democráticas de possíveis novos ataques, contava com quatro projetos diferentes: uma proposta de emenda à Constituição (PEC), uma medida provisória (MP) e depois anteprojetos de Lei. Nele, era prevista a criação de uma Guarda Nacional, o aumento de penas para quem atentar contra a ordem democrática e a definição de novas regras para as redes sociais.
Plataformas sociais e violência nas escolas
Também no primeiro semestre de 2023, o Brasil registrou um crescimento significativo na onda de violência nas escolas, com a ocorrência de tentativas e atentados com o uso de armas brancas. Para coibir esse tipo de violência, à época o ministro anunciou medidas de enfrentamento como a ampliação do monitoramento de ameaças relacionadas a violência nas escolas e na internet, e a abertura de inquérito na Polícia Federal para que grupos neonazistas, neofascistas e extremistas fossem investigados.
Na ocasião, Dino reiterou que tomaria ”todas as medidas cabíveis” contra as plataformas digitais que não derrubassem postagens que estavam fazendo, em sua opinião, apologia a crime nas escolas. Em uma fala dura, acusou as plataformas de “monetizar a violência” e fazer uso da “liberdade de expressão como escudo” para manter os perfis ativos nas redes sociais. Segundo ele, o que está em jogo “é o modelo de negócios” das plataformas.
Durante a reunião que teve com o presidente Lula, governadores, ministros do STF, congressistas e prefeitos, Dino chegou a afirmar que as redes se ”organizavam no tema [da violência contra as escolas] fortemente”. Neste mesmo discurso, o ministro da Justiça também anunciou a criação de um grupo interministerial para discutir uma política nacional de combate à violência nas escolas.
Direitos Humanos
Uma outra agenda com forte protagonismo no Brasil em 2023 foi a de Direitos Humanos. No dia 21 de janeiro foi deflagrada uma crise humanitária na Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima (RR).
Após uma visita ao lado do presidente Lula e de outros ministros do governo na região da TI, Dino determinou como medida de urgência a abertura de um inquérito policial para apurar o crime de genocídio e crimes ambientais no território, de modo que a Polícia Federal ficaria responsável por investigar as responsabilidades e punir os culpados.
”O presidente Lula determinou que as leis sejam cumpridas em todo o país. E vamos fazer isso em relação aos sofrimentos criminosos impostos aos Yanomami. Há fortes indícios de crime de genocídio, que será apurado pela PF”, delcarou Dino na ocasião.
Em visita ao Chile em setembro por conta da alusão ao 50° aniversário da ditadura chilena, ao lado do ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, Dino anunciou que o Brasil teria um Museu da Memória e Direitos Humanos, com a finalidade semelhante ao museu do Chile – que detém o mesmo nome –, cujo objetivo seria de relembrar as atuações violentas do regime militar no Brasil.
”O exercício da memória é um exercício de coerência com a luta democrática e popular. É um exercício de coerência com a luta contra o fascismo. Nós devemos ao Brasil e vamos pagar essa dívida com um Museu da Memória, da Verdade e dos Direitos Humanos”, afirmou Dino em discurso no evento.
Ainda em setembro, durante uma entrevista concedida à Rede TVT, o ministro Flávio Dino anunciou que seria recriada a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). Já em outubro, o Ministério da Justiça e Segurança Pública encaminhou um parecer técnico favorável à recriação da Comissão, assinado por Dino. À época, Dino afirmou que não haveriam impactos negativos com a retomada do grupo, visto que se trataria de uma política que tem sido implementada desde 1995.
A CEMDP foi instituída por meio da Lei 9.140/1995, com a finalidade de proceder ao reconhecimento de pessoas mortas ou desaparecidas em razão de suas atividades políticas; de envidar esforços para a localização dos corpos de tais indivíduos; e de emitir parecer sobre os requerimentos relativos a indenização que venham a ser formulados por seus familiares, em consonância com os prazos e demais diretrizes estabelecidas pelas Leis 9.140/95, 10.536/2002 e 10.875/2004.
A comissão, no entanto, foi esvaziada e extinta durante o governo do ex-presidente Bolsonaro. No parecer encaminhado pelo Ministério da Justiça, a pasta chegou a destacar que a extinção do grupo por parte do ex-presidente não ”considerou a existência de outras atividades ainda em curso, de ações judiciais em andamento, bem como a necessidade de atender plenamente ao relatório de 2014 da Comissão Nacional da Verdade”.
No final de outubro, Dino recebeu em seu gabinete o presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), Ricardo C. Pérez Manrique, para alinhar medidas cautelares no cumprimento da resolução para que o Estado brasileiro protegesse os povos indígenas, em especial os Yanomami.
Na reunião, Dino ressaltou o interesse do Governo Federal em estreitar os laços de colaboração, seja em tarefas práticas externas, quanto internas. ”Recebemos do presidente Lula a determinação de acatar as decisões da Corte. Nós temos atualmente forças federais, em 25 territórios indígenas no Brasil, protegendo-os de pressões permanentes por parte de invasores”, disse.
O ministro também aproveitou a ocasião para reiterar que o que aconteceu no país nos últimos seis meses com os povos indígenas foi ”de uma gravidade muito além daquilo que nem ele mesmo sabia”.
”Fui governador de um estado duas vezes, fui eleito senador no último pleito. Também fui deputado e juiz federal. E garanto a vocês que, de dentro, como eu vivo intensamente, o quadro realmente é muito desafiador e grave. A nossa indignação é tão grande que tiramos uma energia ainda maior para implementar passo a passo as mudanças necessárias para reverter essa triste realidade”, declarou.
Visitas ao Congresso Nacional
Ao longo do ano, o ministro Flávio Dino também participou de audiências e convocações no Congresso Nacional. Foram três vezes em Comissões na Câmara dos Deputados e uma vez ao Senado. Em todas as ocasiões, a ida do ministro ao Congresso foi alvo de repercussões. Isso porque, em todas as ocasiões, Dino protagonizou embates com parlamentares da Casa, sobretudo da oposição.
Em março, quando esteve na CCJ do Senado, o deputado André Fernandes (PL-CE) mencionou que o ministro respondia a 277 processos na Justiça, citando como fonte um site que reúne informações que não são relacionadas diretamente a processos.
Quando o deputado finalizou sua fala, Dino ironizou e respondeu que: ”dizer, com base no JusBrasil, que eu respondo a 277 processos, se insere mais ou menos no mesmo continente mental de quem acha que a terra é plana”. O ministro ainda chegou a dizer que contaria o episódio com Fernandes a seus alunos de Direito como uma ”piada”.
Em maio, na Comissão de Segurança Pública (também do Senado), o ministro teve um embate com o senador Marcos do Val (Podemos-ES), em que o parlamentar se apresentou como instrutor de treinamentos a agentes táticos de forças como a Swat, FBI e outras corporações.
Após a apresentação, o senador acusou Dino de suposta omissão nos atos antidemocráticos do 8 de janeiro e defendeu o seu afastamento do cargo. O ministro então ironizou e respondeu a Do Val que: ”Se o senhor é da Swat, eu sou dos Vingadores. O senhor conhece? Capitão América, Homem-Aranha?”
Na mesma audiência, Dino também brincou com o senador Marcos Pontes (PL-SP). Na ocasião, afirmou que o senador foi a primeira pessoa que o confirmou que a Terra é ”redonda” e não plana, ironizando as pessoas que discordam da ciência. ”A gente vive em tempos tão estranhos que eles são capazes, a partir desse nosso diálogo, dizer que o senhor [o senador Marcos Pontes] se converteu ao comunismo. Tome cuidado”, brincou Dino.
Em um outro momento da sessão, Dino ainda chegou a discutir com o senador e ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro (União-PR), logo após Moro ter dito ao ministro da Justiça que ele estava respondendo às perguntas dos parlamentares com tom de ”deboche”. Após a afirmação, Dino declarou ao senador que estava respondendo às perguntas sérias feitas a ele com seriedade, mas que precisava se defender dos ataques.
Dino ainda prosseguiu afirmando ser um político ”ficha-limpa” e que nunca havia feito ”conluio” com os procuradores. Em sua fala, o ministro fez referência às acusações de que Moro e o Ministério Público combinaram de maneira irregular a ações na operação Lava Jato.
Ainda na mesma audiência no Senado, o ministro protagonizou um outro embate com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O parlamentar, durante a sessão, exibiu vídeos com imagens com a presença de policiais e traficantes no Complexo da Maré. A exibição fazia referência à visita de Dino em março na comunidade. Desde a ocasião, ele vinha sendo acusado por bolsonaristas de ter feito um acordo com os criminosos para conseguir entrar no Complexo.
Como reação ao vídeo, Dino respondeu ao senador com uma indireta. ”Até o senador Flávio Bolsonaro falou sobre ‘narcomilícia’. E é um tema que ele conhece muito de perto, esse casamento entre milícia e narcotráfico”, ironizou o ministro.