Ao tempo que se saúda 2024 e se deseja tudo de melhor para os ávidos leitores, também se demonstra preocupação para os impactos que medidas tributárias publicadas ao final de 2023 trarão aos contribuintes no decorrer de todo o novo ano.
E por um acaso e não de caso pensado, o título deste artigo é bastante similar a obra literária de autoria de Zuenir Ventura [1]. Pura coincidência, repise-se.
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O ponto de partida é a promulgação da Emenda Constitucional 132. O novo texto foi fruto de décadas de debates no Legislativo e tem por objeto a simplificação do Sistema Tributário Nacional. Apesar do avanço com a mudança na Constituição, as alterações ainda levarão anos para serem implementadas. Muitas das modificações e indefinições serão definidas em leis complementares, sendo que o Poder Executivo terá 180 (cento e oitenta) dias para enviar esses projetos ao Legislativo.
A ver, pois distintos setores já manifestaram que mencionadas leis complementares explicitem e/ou expliquem e/ou atendam diferentes necessidades não atendidas pelo texto aprovado e promulgado da EC 132/2023, o que exigirá uma engenharia processual técnica-legislativa hercúlea a ser vencida na esfera política-fiscal.
Enquanto isso, navegarão os contribuintes – em determinado período – nesse oceano de incertezas e complexidades de convivência com 02 (dois) sistemas tributários: o vigente até dezembro de 2023 e o promulgado em dezembro de 2023 (EC 132/23), o que será de fato um grande desafio.
Ato contínuo, tem-se a divulgação da Lei 14.789, de 29 de dezembro de 2023, seguida da Instrução Normativa RFB 2.170, da mesma data, dispondo sobre o crédito fiscal decorrente de subvenção para implantação ou expansão de empreendimento econômico, oriunda da aprovação da tão combatida Medida Provisória 1.185, proposta pelo Poder Executivo em manifesta inconformidade com o posicionamento do Poder Judiciário para o reconhecimento amplo das subvenções e exclusões dos tributos sobre a renda e faturamento decorrentes dos incentivos outorgados pelos entes federados.
Perguntam-se os contribuintes: estar-se-á diante de uma possiblidade creditória limitada ao IRPJ, vez que vedadas as possibilidades para a CSLL, o PIS e COFINS, mais ainda, sujeita a uma habilitação desse crédito pela Receita Federal do Brasil, que poderá se metamorfosear em um ‘mico tributário’? Qual será a reação dos Estados, pois que violado o princípio federativo, validarão em quais termos os projetos já em curso? Ainda, considerando o pacto federativo, estariam os créditos presumidos, que foram analisados em decisão apartada pelo STJ, excluídos dessa nova legislação que restringe a exclusão dos incentivos estaduais? Em estando excluídos, deveriam, os contribuintes, observar as novas regras quanto à habilitação do projeto e limites aplicados ao investimento?
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Não fossem bastantes tais preocupações, foi publicado o Ato Declaratório Executivo COPES 2 de 21 de dezembro de 2023, dispondo sobre o Regime de Transações com Commodities, a reboque da Lei 14.596 e da IN RFB 2.132, ambas normativas regulamentadoras de Preços de Transferência. Grosso modo, entende-se que por desconhecimento das autoridades fiscalizatórias de alguns modelos de setoriais de negócios, criam-se medidas de ordem operacional em flagrante descompasso com as diretrizes OCDE para o tema. Medidas que inovam quanto ao prazo de entrega (decendial) e que tem sua necessidade/utilidade questionável, trazendo ainda mais complexidade e incerteza ao ambiente brasileiro.
Ao final de 2023, e como a emenda sempre pode ser pior que o soneto, editou-se a Medida Provisória 1.202, reonerando a folha de pagamentos de setores da economia nacional, o que, em consequência e sem maiores detalhamentos, aumenta o ônus tributário dos contribuintes e o custo de empregar, prejudicando a competividade do setor produtivo brasileiro.
E ainda desta MP 1.202, destaca-se a esdrúxula criação de um teto de desconto para os créditos originários de vitórias dos contribuintes contra o Fisco junto ao Poder Judiciário, limitado esse teto ao percentual de 30% (trinta por cento) do crédito que o contribuinte puder usufruir por ano. Regra limitadora essa análoga àquela imposta à dedução de prejuízos para abater na CSLL.
No âmbito do ICMS ainda temos toda a situação advinda da decisão proferida na ADC 49, que os Convênios Confaz ICMS 174, 178 e 225 tentaram regulamentar e os Estados, aos poucos, publicam seus próprios entendimentos em Decretos.
Depreende-se da breve exposição feita, que os investidores refletirão muito antes de quaisquer posicionamentos decisórios, em relação à avaliação de risco Brasil, isto em face da certeza em haver manifesta insegurança jurídica aderentes ao cumprimento de tais normas tributárias, tamanho o número de incertezas decorrentes dessas noveis exigências. Na verdade, parece que se tem a completa relativização do princípio da segurança jurídica, com publicações normativas que surpreendem o contribuinte, contrariam posicionamento dos demais Poderes e carecem de esclarecimentos básicos para seu pleno cumprimento.
Fica, assim, pendente um complexo enredo para os próximos capítulos, quando tudo pode acontecer.
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[1] 1968: o Ano Que não Terminou é um livro do escritor e jornalista brasileiro Zuenir Ventura. O livro, originalmente publicado em 1989, foi relançado pela editora Nova Fronteira em 2006 e – numa edição revisada – pela editora Planeta do Brasil em 2008.