Programação 2023 inicia em Pelotas com mesa temática sobre Manoel Padeiro, o Zumbi dos Pampas (27/10/2023)

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A programação do Mês da Consciência Negra 2023 – Edição Zumbi dos Pampas, iniciou na tarde desta quinta-feira (26/10), em Pelotas (RS), com a mesa temática “História e formação do imaginário social sobre a população negra no sul do Brasil – Manoel Padeiro: o Zumbi dos Pampas”. O evento, promovido pelo Grupo de Trabalho em Direitos Humanos, Equidade de Gênero, Raça e Diversidades (GTDH) da Justiça Federal do RS (JFRS), foi realizado no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS), gentilmente cedido pela Seccional Pelotas, e organizado em parceria com a OAB/RS, Universidade Católica de Pelotas (UCPEL) e Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). 

Os debatedores convidados foram Claudia Daiane Garcia Molet, pós-doutora em História pela UFRJ com pesquisa sobre povos quilombolas; Cassiane de Freitas Paixão, professora pós-doutora em Sociologia na UFBA com pesquisa sobre ações afirmativas; e Eder Ribeiro Fonseca, liderança quilombola e mestrando em Agroecologia na UFPEL; com mediação de Juliana Mayer Goulart, servidora da JFRS e integrante do GTDH. Participaram do evento a diretora do Foro da JFRS, juíza federal Carla Evelise Justino Hendges; o presidente e a vice-presidente da OAB/RS, Seccional Pelotas, respectivamente, Victor de Abreu Gastaud e Luciana Blank de Oliveira; e a juíza federal Ana Inés Algorta Latorre, integrante do GTDH.

Ao abrir os trabalhos, a diretora do Foro da JFRS, após agradecer a hospitalidade e parceria da OAB/RS na cidade de Pelotas para a realização do evento, pontuou a relevância de trazer à tona questões raciais que ficaram pendentes e não-resolvidas do nosso passado no Rio Grande do Sul. “Temos o compromisso de manter e estar sempre presentes, porque relembrar o Manoel Padeiro e a luta dos negros é uma forma de reverenciar a importância do povo negro na construção de um Brasil multirracial, multicultural e mais igualitário” afirmou Hendges. 

O presidente da OAB local considerou que a iniciativa de trazer pessoas qualificadas contriubui para provocar reflexões acerca do tema e recordou que Pelotas é uma cidade cuja história ficou marcada pela escravização. “Devemos sempre relembrar desta marca histórica e que as próprias fundações desta cidade foram construídas com esforço do trabalho de escravos. Estamos juntos com a JFRS para trabalhar diuturnamente em reparar os erros do passado para construir um futuro mais justo”, complementou Gastaud . 

Já a juíza integrante do GTDH comentou que as instituições ainda vêm muito marcadas por um sistema racista e destacou a importância da presença dos movimentos sociais e representantes das comunidades de Pelotas, pois “não queremos estar afastados dos grupos interessados, queremos dar as mãos e nos aproximar para, na prática, constriuir uma realidade de menos discriminação e mais igualdade”, disse. “Nesta edição, começamos um pouco antes de novembro, mas gostaríamos que fosse o ano todo dedicado a ações anti-racistas” afirmou Latorre.

Em sua primeira fala, Cláudia Molet pontuou que a narrativa de um Rio Grande do Sul onde não existiria racismo, na própria atualidade, cai por terra diante de notícias de casos de trabalho análogo à condição de escravo. Explicou que existe uma história não-contada, de “um Rio Grande do Sul quilombola, negro”, que foi intencionalmente excluído da História ensinada nas escolas.  A professora apresentou alguns dados históricos, que mostram como a região de Pelotas, desde o Século XIX, já “era uma Pelotas negra”, havia muito mais pessoas negras do que brancas, como demonstra um censo realizado em 1834, que aferiu as populações locais de escravos, negros libertos, brancos e indígenas.

Sobre a figura de Manoel Padeiro, a professora destacou o contexto de maus-tratos e insalubridade em que estava inserido o chamado General, descrevendo alguns de seus companheiros: Simão Vergara e Teresa, que tinham uma taverna perto da Charqueada Boa Vista; e Rosa, que andava vestida como homem, com duas facas na cintura; eles falavam entre si uma língua africana, o que causava ainda mais medo nos brancos da época. Relatou que as cabeças dos quilombolas valiam um valor significativo em dinheiro, patrocinado pelos charqueadores; no fim, o levante foi desmantelado em conflito armado e não se sabe o que aconteceu com Manoel Padeiro, se teria fugido, se embrenhado no mato ou morrido. “Sabemos pouco sobre o Manoel Padeiro – porque sabemos pouco sobre as pessoas negras –  precisamos nos embrenhar em documentos escritos por pessoas brancas para buscar as informações históricas”, disse a doutora.

A professora Cassiane Paixão iniciou sua fala analisando o significado implícito de um ofício em que o governo local pedia auxílio ao governo central para dar conta da perseguição ao Manoel Padeiro; “o que é este Brasil que trata os quilombolas como ‘matreiros’ e busca o seu extermínio” questionou. Comentou que a criação das faculdades de Direito no Brasil, no final dos anos 1820, foi marcada por movimentos liberais e de problemática racial, em que a discussão de miscigenação e o darwinismo social eram utilizados para fundamentar a manutenção de uma elite escolhida para acesso às faculdades de Direito. O crime era analisado a partir da individualidade do criminoso, sua psique e sua raça, uma antropologia criminal positivista que incluía o fenótipo, “e isso ajuda a entender o ofício sobre Manuel Padeiro”. 

O panorama histórico traçado pela professora, avançou relatando que este pensamento virou o século junto com o movimento higienista, usando como exemplo o voto censitário, que em 1891 excluía os negros; e “chegamos na metade do Século XX e as cartas constituintes ainda tratam os indígenas como silvícolas (=selvagens); o Brasil só vai se reconhecer em luta contra o racismo em 2001, com a chegada das cotas na graduação. “Mas o sistema de cotas precisa de processos seletivos específicos, porque trata de políticas públicas que se destinam a populações historicamente excluídas”.

Por sua vez, Eder Fonseca abordou sua experiência direta com as populações quilombolas da região. Narrou que existe uma rota dos quilombos, que vai de Canguçu até Santana do Livramento (RS). “A grande maioria dos quilombos estão na metade sul do RS, mas a gente não consegue acessar políticas públicas, porque muitos quilombos não estão demarcados”, e essa demarcação e os trâmites de titulação das terras são lentos. “Hoje todo mundo fala em “aquilombar” – quilombola é pertencimento e território, não é apenas autodeclaração”, explicou.

O mestrando defendeu a proteção das práticas ancestrais e da tradição oral dos povos afrodescendentes e indígenas. “As práticas ancestrais permitiram, em comunhão com nossos irmãos indígenas, a produzir em pequenas porções de terra, em solo pedregoso. O conhecimento ancestral que passa do mais velho para o mais novo.”

Eder trouxe ao debate reivindicações das populações quilombolas, que alegou continuarem excluídas das políticas públicas, apesar dos avanços. Mencionou casos de racismo dentro das escolas rurais, questões de suprimento de água potável, e a falta de “políticas públicas específicas para nossos mais velhos, que estão adoecendo e não há política de saúde mental para eles”. “O quilombo está sofrendo muito, estamos a perigo, porque a expansão das monoculturas está envenenando o solo e as águas. Isso é o racismo ambiental, que expulsa as comunidades tradicionais”, afirmou.

No encerramento, a mediadora Juliana Goulart afirmou que temos “uma construção, uma jornada de mudança que será ainda muito lenta, mais lenta do que gostaríamos que fosse, mas uma luz renova as esperanças daqueles que estão na luta, na vigília”. 

HOMENAGENS

Ao final foram preparadas homenagens a cada um dos quatro quilombos que formam a microrregião de Pelotas, que foram recebidas pelos respectivos representantes:

Pelo Quilombo Vó Elvira: Sra. Elza Rodrigues Soares Pelo Quilombo Alto do Caixão: Sra. Daizi Dias da Silva Pelo Quilombo Cerrito Alegre: Sra. Andréa Simões Molina Pelo Quilombo Algodão: Sra.Tatiana Siqueira Lacerda 

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