TST decidirá se recusa à negociação configura comum acordo em dissídio coletivo

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Uma importante controvérsia jurídica, que perdura há vinte anos, está em vias de se resolver. Trata-se do significado e alcance do termo “comum acordo”, previsto na Constituição Federal como requisito para a propositura de dissídio coletivo de natureza econômica.

Originariamente, qualquer uma das partes poderia unilateralmente ajuizar dissídio coletivo. Porém, em 2004, a Emenda Constitucional 45 (também conhecida como reforma do Judiciário) modificou a redação do artigo 114, §2º, da Constituição Federal, e passou a exigir comum acordo entre as partes para ajuizamento dessa ação:

Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

Para Eduardo Gabriel Saad, o principal objetivo da EC 45/2004 foi limitar o poder normativo da Justiça do Trabalho, criando mais uma condição para o ajuizamento do dissídio coletivo, e incentivar a negociação coletiva[1][2]. Antônio Álvares da Silva observa que se buscou conciliar a autonomia privada coletiva com a intervenção estatal, que somente é realizada mediante vontade de ambas as partes[3].

Em 2005, a necessidade de comum acordo para propositura do dissídio coletivo foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal (STF). No julgamento da ADI 3423[4] e outras[5], a Suprema Corte entendeu que referida exigência é constitucional. Para a Corte, a imposição do “comum acordo”, pela EC 45/2004, está em consonância com a Convenção 154, da Organização Internacional do Trabalho (OIT)[6], que consagra a negociação coletiva como principal instrumento para dirimir conflitos coletivos.

Logo após, no RE 1.002.295 (Tema 841 de Repercussão Geral), o STF fixou a seguinte tese jurídica: “É constitucional a exigência de comum acordo entre as partes para ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica, conforme o artigo 114, § 2º, da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004[7].

A controvérsia jurídica sobre o comum acordo não se encerrou com o reconhecimento de sua constitucionalidade. Na prática, os seus desdobramentos ainda geram insegurança jurídica. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem entendimento pacífico de que a “demonstração da efetiva tentativa de negociação entre as partes é suficiente para o ajuizamento do Dissídio Coletivo, o que afasta a necessidade de exaurimento das tratativas[8]. Porém, há dissenso jurisprudencial relevante na Justiça do Trabalho, inclusive em relação à Seção Especializada em Dissídios Coletivos (TST-SDC), quando uma das partes se recusa, arbitrariamente, a negociar.

Para sanar e uniformizar tal questão, o ministro Maurício Godinho Delgado suscitou o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) 1000907-30.2023.5.00.0000, no qual o TST irá decidir a seguinte questão jurídica: “A recusa arbitrária do sindicato ou membro da categoria econômica para participar do processo de negociação coletiva trabalhista viola a boa-fé objetiva e tem por consequência a configuração do comum acordo tácito para a instauração de Dissídio Coletivo de Natureza Econômica?”.

No último dia 24 de junho, o Tribunal Pleno, por maioria, votou pela admissibilidade do IRDR. A expectativa é de que a questão seja resolvida com brevidade, lembrando que, nos termos do artigo 305, §4º, do Regimento Interno do TST, a tese jurídica fixada será aplicada a todos processos que versam sobre idêntica questão de direito (efeito vinculante).

[1] SAAD, Eduardo Gabriel. CLT Comentada – atualizada por SAAD, José Eduardo; BRANCO, Ana Maria Saad Castello. 52. ed. São Paulo: Editora LTr, 2021. p. 1431.

[2] No mesmo sentido, o entendimento de Gustavo Filipe Barbosa Garcia: “Ao mesmo tempo, a medida [comum acordo] serve para fomentar a própria autocomposição, justamente por ser a forma ideal de solução do conflito coletivo de trabalho, através de negociação entre os próprios interessados (…)”. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Reforma do Poder Judiciário: O Dissídio Coletivo na Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional 45/2004. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 31, n. 118, p. 71-91, abr./jun., 2005.

[3] SILVA, Antônio Álvares. Dissídio Coletivo e a Emenda Constitucional n. 45/04. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 13, n .13, p. 21-71, 2005. p. 34-35.

[4] ADI 3423; DF; Tribunal Pleno; Rel. Min. Gilmar Mendes. Data de Julgamento: 29/05/2020. Data de Divulgação: 17/06/2020. Data de Publicação: 18/06/2020.

[5] ADIs 3392, 3223, 3431, 3432 e 3520.

[6] No Brasil, a C154 foi: i) aprovada pelo Decreto Legislativo n. 22/1992; ii) ratificada em 10/07/1992; iii) promulgada pelo Decreto n. 1.256/94.

[7] STF; RE 1.002.295; RJ; Tribunal Pleno; Rel. Min. Marco Aurélio. Red. Desig. Min. Alexandre de Moraes. Data de Julgamento: 22/09/2020. Data de Divulgação: 09/10/2020. Data de Publicação: 13/10/2020.

[8] ES-1000436-48.2022.5.00.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, DEJT 14/02/2023. No mesmo sentido: ES-1000072-76.2022.5.00.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, DEJT 07/02/2023.