Sabatina conjunta empobrece debate de indicações ao STF e à PGR

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Nesta quarta-feira (13), chegará ao fim a saga da nomeação do sucessor da ministra Rosa Weber. Ao contrário do que ocorreu em outras indicações para ministros do STF, um elemento teve especial destaque nesse processo: o formato da sabatina. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre, propôs uma sabatina conjunta do indicado para o STF, Flávio Dino, com o indicado para a Procuradoria-Geral da República, Paulo Gonet.

Na sabatina conjunta, as perguntas serão realizadas em bloco, com posterior votação. Esse formato não é novidade no Senado, mas jamais tinha sido aplicado para indicações ao STF e à PGR.

A adoção desse modelo foi defendida pela suposta vantagem de dar mais agilidade ao procedimento e não ocupar o tempo do Legislativo de forma excessiva em um período de final de ano já naturalmente mais atribulado. Mas a justificativa não convence. Dino e Gonet foram indicados há duas semanas, o que conferiria algum tempo hábil para agendar as duas sabatinas em dias distintos. E haveria inclusive a possibilidade de agendar ambas para o mesmo dia, mas separadamente, uma seguida da outra.

Por isso, é necessário refletir: quem ganha e quem perde com uma sabatina conjunta? Refletir sobre as implicações desse formato é uma oportunidade para discutir a forma como o processo de nomeação de ministros do STF é estruturado e quem são os atores que participam dele.

É possível identificar três dimensões: o impacto para os senadores, para os candidatos e para a qualidade do processo de nomeação.

Em primeiro lugar, para os senadores, sobretudo da oposição, a consequência da sabatina conjunta é um intervalo de tempo menor para elaborar perguntas para cada candidato. Os senadores terão 10 minutos para endereçar as questões a ambos os candidatos, e deverão escolher como eles distribuirão esse tempo.

Para os candidatos, a sabatina conjunta é evidentemente uma vantagem. Os holofotes não ficam concentrados em apenas um único indicado, e os questionamentos podem acabar diluídos.

No caso de Dino, havia um receio de que a oposição empregasse a sabatina para discutir sua atuação como ministro da Justiça ou utilizá-la como palanque para discursos bolsonaristas. Realizar a sabatina conjunta com outro candidato, cujo nome é mais consensual no Senado, poderá diluir a indisposição. A existência de dois arguidos também dará mais tempo para que os candidatos reflitam sobre as respostas às questões colocadas. Para o indicado, portanto uma sabatina conjunta é inegavelmente mais tranquila.

Ela também pode tornar mais fácil a ideia de uma venda em bloco, uma aprovação no atacado, facilitando a recepção de ambos os nomes pelo Senado. Colocar um nome com mais resistência como de Dino ao lado de um mais aceito pelos senadores, como o de Gonet, poderia facilitar a negociação para a obtenção da chancela do Legislativo.

Por fim, é necessário discutir as implicações deste novo formato para a qualidade do processo de nomeação. Aqui, a preocupação é com o papel que esse procedimento tem na consecução de valores democráticos. Nesta dimensão, há evidente prejuízo.

Para discutir os impactos do novo formato para a qualidade do processo de nomeação, é necessário entender a razão de ser desse procedimento. Dois valores são especialmente relevantes para guiar o desenho desse processo: a independência judicial e a transparência.

É sabido que o processo de nomeação de ministros do STF envolve uma indicação do presidente e a chancela pelo Senado, precedida de uma sabatina pública. A literatura afirma que a introdução de um ponto de veto à nomeação, por exemplo, por meio da chancela do Senado, seria relevante para forçar uma espécie de moderação nos candidatos nomeados. Essa forçosa moderação, por sua vez, seria uma proteção prévia à independência judicial, conhecida como independência judicial ex ante. Ela evitaria que um ministro tivesse suas ações determinadas por um único ator político.

Essa negociação, no jogo dos bastidores, é largamente observada na realidade das indicações para o STF. Nomes excessivamente controversos nem mesmo são cogitados para a nomeação, pois jamais seriam capazes de angariar aprovação. Depois da indicação, é comum que os indicados circulem pelos gabinetes dos senadores, em busca de votos favoráveis.

Isso significa que esse procedimento de chancela pelo Legislativo ocorre, em grande medida, fora dos holofotes e em uma arena de negociação política. No caso de Dino, diversas notícias revelaram que ele passou por todos os gabinetes do Senado com especial dedicação àqueles que estavam indecisos com a indicação ou já haviam previamente se posicionado contra ela.

Mas se o objetivo central é chegar a um consenso em torno do nome, qual é o papel de uma sabatina que precede a votação no plenário do Senado? Por muito tempo, a sabatina não existiu. Antes da Constituição de 1988, o candidato ao cargo era indicado pelo presidente e essa indicação era posteriormente chancelada pelo Senado, em uma votação secreta, sem qualquer tipo de debate ou questionamento público.

Nessa lógica, um olhar apressado poderia concluir que realizar uma sabatina conjunta não tem nenhum prejuízo para a qualidade do procedimento. A vantagem da sabatina seria forçar a negociação e barrar nomes que não seriam suficientemente isentos para o cargo. Se a negociação já ocorre antes, a portas fechadas, a sabatina não passaria de um evento protocolar, sem qualquer efeito prático.

Mas é aí que entra o segundo valor relevante nessa equação: a transparência. O incentivo à moderação dos indicados não é a única virtude desse procedimento. A oportunidade que a sabatina pública traz, e que não é substituída por conversas privadas com os senadores ou a aprovação pela maioria do Senado, é a exposição ao público da figura que está sendo alçada ao cargo de ministro do STF.

A Suprema Corte enfrenta juízos sobre desacordos de direitos, questões de moralidade. A interpretação constitucional tem um aspecto subjetivo inescapável. Por isso, é relevante que a comunidade conheça o indicado; que esse processo de questionamento exista e seja público. A existência de uma sabatina pública que antecede a votação dos senadores é um elemento que democratiza o procedimento de nomeação. E não porque o povo tem alguma participação direta na nomeação, mas sim porque tem a possibilidade de observar e fiscalizar o candidato ao cargo. A sabatina tem o potencial de expor ao público os elementos determinantes da visão de mundo do indicado, e fortalece um debate público muito importante sobre a nomeação.

É por isso que uma sabatina conjunta empobrece o debate frutífero que poderia surgir a respeito da indicação. A sabatina conjunta blinda os candidatos em um processo de exposição que desempenha um papel relevante para a democracia. Ela também reforça essa noção equivocada de que o momento da sabatina é meramente protocolar, ignorando o relevante papel de um debate transparente e de uma comunicação com o público, que será destinatário das decisões do STF.

É verdade que não se pode idealizar as sabatinas. É também verdade que nem sempre elas são bem aproveitadas pelos senadores. Mas o ponto é que uma sabatina conjunta de dois candidatos subestima a importância desta etapa do processo de nomeação. O formato pode ser vantajoso para os candidatos, e menos para os senadores. Mas quem perde mesmo é a qualidade do processo de nomeação.