A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, de 2019, já aprovada em dois turnos no âmbito da Câmara dos Deputados – e, atualmente, aguardando apreciação do Senado Federal – chamou a atenção dos estudiosos do direito tributário ao fazer inserir no artigo 153, da Constituição, o inciso VIII, o qual outorgou à União a competência para instituir imposto sobre a “produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos da lei”, também chamado de imposto seletivo.
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A competência tributária em questão traduz verdadeiro excise tax, de inspiração americana, que nada mais é do que um imposto especial que pretende onerar bens cujo consumo produz externalidades negativas, como é o caso de prejuízos à saúde ou danos ambientais.
No caso da legislação tributária americana, torna-se possível extrair alguns exemplos como essa classe de tributo foi e vem sendo utilizada no citado ordenamento jurídico, com o escopo primário de tarifar o consumo de bens que são considerados, pelo estado, como perigosos e nocivos à saúde humana ou ao meio ambiente. Tal tributação pelos excises taxes pode ocorrer na importação dos bens onerados ou mesmo na venda após a importação, na venda ou utilização do bem onerado pelo fabricante/produtor, na venda ou uso pelo varejista e bem como no consumo final.
Como exemplos, pode-se citar o Título 26, § 4611, da legislação da Internal Revenue Services (IRS) – que é a autoridade fiscal dos Estados Unidos – o qual estabelece a compulsoriedade de pagamento de um imposto fixo sobre barril de petróleo adquirido por refinarias americanas. No mesmo sentido, o Infrastructure Investment and Jobs Act, de 2021, em sua seção 80201, alterou a legislação tributária da IRS para impor tributação mais gravosa a produtos químicos considerados nocivos, em quantia fixa a incidir por tonelada.
Não é difícil notar que o caráter da exação discutida é eminentemente extrafiscal. Isto é, com a sua imposição, não possui o estado pretensões arrecadatórias, mas sim de desestimular certos comportamentos dos indivíduos, a exemplo da diminuição do consumo dos bens onerados, em virtude do aumento do preço de aquisição dos citados bens.
Convém destacar que tal situação não chega a ser uma completa novidade no sistema tributário brasileiro. Isso porque, de acordo com os contornos constitucionais atualmente vigentes, tanto o IPI quanto o ICMS assumem – ou, pelo menos, podem assumir – essa função.
Com efeito, é importante notar que o art. 153, § 3º, inciso I, da Constituição Federal, estabelece obrigação dirigida ao Congresso Nacional no sentido de que o IPI deverá, obrigatoriamente, ser seletivo, em função da essencialidade do produto, de modo que os produtos considerados menos essenciais sofram imposição tributária mais gravosa que os bens considerados essenciais.
No caso do ICMS, o constituinte outorgou ao legislador dos Estados e do Distrito Federal a possibilidade de dar caráter seletivo ao tributo em questão, também em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços tributados, de modo que os bens e serviços mais essenciais – e, portanto, que são dotados de demanda mais inelástica – deveriam ser menos tributados.
O desvirtuamento da intenção constitucional pelos entes subnacionais no caso do ICMS, contudo, demandou que a Lei Complementar nº 194, de 23 de junho de 2022, alterasse o Código Tributário Nacional e expressamente previsse que bens como combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicação e transportes coletivos deveriam ser tratados como essenciais para fins da incidência do imposto em questão, pelo que deveriam ter sua tributação aliviada.
Essas notas sobre o IPI e o ICMS, portanto, são para demonstrar que já havia, ainda que com finalidade diversa, permissivo constitucional que autorizava a tributação diferenciada de determinados bens em função de sua essencialidade de consumo para os contribuintes, ostentando caráter extrafiscal, ainda que tímido.
Por sua vez, o imposto que pretende a PEC nº 45, de 2019, incluir no artigo 153 da Constituição já especifica o fim para o qual serve, que é o de onerar a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, deixando para o legislador ordinário a definição de quais bens e serviços serão esses.
Ainda sobre o imposto seletivo, a reforma tributária inclui o tributo discutido no rol dos impostos cuja legalidade é mitigada, na medida em que prevê que as suas alíquotas poderão ser livremente alteradas pelo Poder Executivo de acordo com as balizas previstas ne legislação que o instituir e regulamentar, bem como, a exemplo do IPI, prevê que tal tributo só deverá respeitar a anterioridade nonagesimal, não sendo necessária a observância à anterioridade do exercício.
Paralelamente à criação do discutido imposto seletivo, a PEC nº 45, de 2019, com vistas a evitar a bitributação dos mesmos bens pelo referido imposto e pelo IPI, estabelece que, em seu período de vigência, ele não incidirá sobre os produtos tributados pelo imposto seletivo.
Em outras palavras, a reforma tributária pretende criar cláusula de imunidade constitucional sobre o IPI, de modo que este não incidirá sobre os produtos já tributados pelo imposto seletivo.
Delineados os contornos constitucionais previstos na PEC nº 45, 2019, acerca do excise tax brasileiro, é relevante destacar que tal tributo, ainda que seja uma realidade em ordenamentos jurídicos de países desenvolvidos e de ter o nobre desígnio de desestimular o consumo de determinados bens, põe-se na contramão dos ideais de neutralidade, eficiência e justiça fiscal que fundamentam a reforma tributária.
Primeiro porque, por meio da tributação, pretende influenciar o comportamento dos agentes econômicos e segundo porque, por incidir sobre o consumo, caracteriza-se como um tributo regressivo, o qual, caso passe a incidir sobre bens poluentes mas essenciais para os consumidores, como combustíveis, onerará ainda mais o contribuinte, em virtude do fato de tais bens de demanda inelástica terem como característica o maior repasse do ônus fiscal ao consumidor.
Aos espectadores da atividade legislativa brasileira, caso aprovada a reforma tributária na forma posta, resta aguardar como se dará a derivação normativa do preceito constitucional que prevê a competência da União para a instituição do imposto seletivo, desde já sabendo que, em certa medida, o caráter extrafiscal da tributação em questão milita, ainda que com o intuito de concretização de outros valores constitucionais (v.g. proteção da saúde e do meio ambiente), contra os fundamentos de neutralidade, eficiência e justiça tributária.