Neste terceiro artigo a respeito das atualizações do Código Civil, abordaremos as mais importantes alterações que visam à proteção das pessoas e seus direitos no ambiente virtual, inclusive no tocante à blindagem das informações contidas em nossos cérebros contra a ação de dispositivos futuros capazes de decodificá-las, ampliá-las e até modificá-las.
Da simples análise do anteprojeto e debates tidos pela Comissão responsável pela dita atualização legislativa, nota-se que a principal preocupação – como era de se esperar – é a regulação dos direitos e proteção às pessoas no ambiente virtual.
Em um dos capítulos sugeridos, há relação expressa de direitos de pessoas naturais e jurídicas no ambiente digital, tais como, reconhecimento de sua identidade, presença, liberdade no ambiente digital, proteção de dados e informações digitais, garantia dos direitos de personalidade, liberdade de expressão, bem como outros direitos eventualmente estabelecidos na legislação brasileira, aplicáveis ao ambiente digital.
Nesse contexto, as alterações legislativas visam criar procedimento de exclusão de dados pessoais e de dados pessoais sensíveis expostos sem finalidade justificada, em reiteração ao disposto na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
O texto proposto estipula o possível pedido de exclusão permanente de dados ou de informações de pessoa, os quais representem lesão a direitos e personalidade. Tal procedimento, seguidos alguns critérios, requisitos e apresentação de determinadas provas, deverá ser iniciado no site em que os dados foram expostos. Tratando-se de disponibilização de informação ilícita, há previsão da concessão de imediata ordem de exclusão, com inversão do ônus probatório para o provedor.
Nesse mesmo capítulo, o legislador ainda traz a possibilidade de desindexação, que nada mais é que a remoção do link que direciona os canais de busca a informações inadequadas, não mais relevantes, abusivas ou excessivamente prejudiciais ao solicitante.
Destaca-se que esse ponto, caso aprovado, possivelmente será passível de discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que o direito ao esquecimento (do qual, a desindexação está diretamente ligada, ou até tida como subcategoria) já foi declaradamente incompatível (inconstitucional) com a Carta Magna (Tema 786/STF). A desindexação de conteúdos nos mecanismos de busca segue a lógica da falta de bibliotecário ou sistema na Biblioteca da Universidade Oxford: não seria possível achar o livro senão depois de minuciosa busca.
Outrossim, há conteúdo em dita atualização legislativa que visa à atribuição de responsabilidade civil dos provedores de aplicações em ambiente virtual. O procedimento em muito se assemelha ao já disposto no famoso artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), porém, ao contrário de dito diploma, a solicitação, respostas e conclusão da questão não manejará, necessariamente, processo judicial. Ou seja, possibilitar-se-á ao requerente a formulação de notificação diretamente à rede social, por exemplo, a qual deverá, por força de lei, atender ao chamado ou justificar o não atendimento.
Em consequência, já nas disposições finais, sugere-se, inclusive, a revogação do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Tal revogação, contudo, deve ser classificada como ponto de risco da reforma, visto que, caso assim se mantenha, além de evidente desprestigio à tão discutida necessidade de um terceiro imparcial (juiz togado) avaliar o conteúdo publicado, tratar-se-á de afronta à própria liberdade de expressão outrora destacada já nas primeiras expressões do artigo 19. Uma perigosa disposição na batalha que os poderes constituídos travam contra as redes sociais.
Não é absurdo se imaginar que, diante da inexistência da figura de um terceiro imparcial na análise dos conteúdos, as plataformas optem, por segurança, por tão somente excluir a publicação, visto que inexistirá a segurança da avaliação por terceiro em processo judicial destinado para tanto, com a aplicação de todos os princípios (inclusive processuais) àquele inerentes. Se, de um lado, prestigiam-se os direitos pessoais, por outro, coloca-se em risco a liberdade de expressão.
Em outro ponto, a atualização sugerida ao Código Civil propõe estipulação de regras de proteção também ao patrimônio digital do indivíduo (dados financeiros, senhas, contas de mídia social, criptomoedas, tokens não fungíveis ou similares, milhas aéreas, fotos, vídeos etc.).
Tal proteção não se adstringe somente ao acesso ou uso, mas, também, à transferência a outros, exigindo-se das plataformas digitais o desenvolvimento e aperfeiçoamento de medidas de segurança para a preservação do patrimônio. Entendeu-se, ainda, pela criação da exclusão de contas públicas de brasileiros falecidos em 180 (cento e oitenta) dias após a comprovação do óbito, desde que na ausência de herdeiros. Trata-se, como se sabe, de mais uma sugestão de alteração do Marco Civil da Internet (inserção do artigo 10-A).
Estipula-se, ainda, a possibilidade desse patrimônio digital ser objeto de herança, a qual, inclusive, pode ser disciplinada via testamento. Aos herdeiros será facultada a exclusão da conta ou a sua conversão em memorial, no caso de ausência de declaração de vontade a respeito pelo falecido/titular. Merece especial atenção a necessidade de autorização expressa em testamento, sob pena de não ser possibilitada o acesso às mensagens privadas que constem no patrimônio digital.
Entende-se, assim, que a regra se dará pela exclusão da conta, sendo a exceção a declaração expressa de vontade em sentido contrário pelo titular ou, ainda, por decisão judicial.
Em consonância ao próprio artigo 166 do Código Civil na redação hoje vigente, entender-se-á como nula de pleno direito qualquer cláusula contratual voltada a restringir os poderes da pessoa, titular da conta, de dispor sobre os próprios dados e informações. Ora, a restrição acima objetiva não somente prevenir a inclusão de cláusulas abusivas em contrato de adesão, mas, também, busca a não criação de “mercado oficial” de referidos ativos (dados e informações).
Além de todas as questões estipuladas acima e contidas em referidas alterações legais em busca da proteção ao patrimônio e direitos das pessoas naturais e jurídicas, aproveitando-se a revisão dos direitos digitais impulsionados pelos próprios avanços tecnológicos, há na proposta apresentada moderna inclusão relativa aos neurodireitos.
A importância de referida inclusão legal não se restringe aos neurodireitos como a privacidade mental, a identidade pessoal, mas, também, ao próprio livre arbítrio e os vieses (inclusive políticos e morais) do indivíduo, o acesso justo à ampliação ou melhoria cerebral e a própria integridade mental, especialmente diante dos avanços tecnológicos (já previstos e ainda sequer colocados em mercado) à luz, inclusive, das diversas ferramentas de inteligência artificial que temos e que teremos contato.
Ora, ao indicar que a tutela dos direitos fundamentais e de personalidade alcança outros direitos e deveres que surgem do processo tecnológico, inclusive a fatos que ocorram sob as novas dimensões jurídicas desse avanço, o objetivo, em suma, é estabelecer regras e compromisso para garantir que os avanços digitais (inclusive futuros) não interfiram nos neurodireitos.