Em 21 de dezembro de 2023, foi promulgada a EC 132/2023, com a reforma tributária do consumo. Por meio dessa alteração, o constituinte derivado substituiu os cinco tributos incidentes sobre o consumo no Brasil (IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins) por dois: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União Federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre estados, Distrito Federal e municípios.
Pretendemos, no presente texto, tratar das alíquotas desses tributos, em especial no que se refere à necessária observância do princípio da anterioridade em caso de majoração dessas alíquotas.
De acordo com art. 149-B, I, da Constituição Federal, incluído pela EC 132, a CBS e o IBS observarão as mesmas regras em relação a fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos. Portanto, sobre a mesma base de cálculo, teremos a incidência da CBS e do IBS, com a aplicação das suas respectivas alíquotas.
Porém, como serão determinadas essas alíquotas? Para responder a essa pergunta, precisamos fazer uma separação entre as regras relativas à CBS e aquelas relativas ao IBS.
No caso da CBS, pode se tratar de um tributo federal, sua alíquota será definida pela União Federal. Em relação a esse ponto, segundo o art. 195, § 15, da Constituição Federal, incluído pela EC 132, a sua alíquota poderá ser fixada por lei ordinária.
Por outro lado, no caso do IBS, cada ente federativo (estados, Distrito Federal e municípios) fixará sua alíquota própria por meio de lei específica, e o imposto será cobrado pelo somatório das alíquotas do estado e do município de destino da operação, nos termos dos incisos V e VII do art. 156-A, § 1º, da Constituição Federal.
Assim, nas operações sujeitas à CBS e ao IBS, teremos, basicamente, 3 alíquotas incidentes sobre uma mesma base de cálculo, sendo (i) uma relativa à CBS e fixada pela União Federal; (ii) uma relativa ao IBS e fixada pelos estados; e (iii) uma relativa ao IBS e fixada pelos municípios.
Voltando à questão da definição da alíquota do IBS, cumpre destacar que, segundo o § 1º, XII, do art. 156-A, da Constituição Federal, o Senado Federal publicará resolução que fixará uma alíquota de referência do imposto para cada esfera legislativa, nos termos de lei complementar, que será aplicada se outra não houver sido estabelecida pelo ente federativo.
Além disso, os estados, o Distrito Federal e os municípios podem, de acordo com § 10, do art. 156-A, da Constituição Federal, optar vincular suas alíquotas à alíquota de referência definida por resolução do Senado.
Portanto, os estados, Distrito Federal e municípios podem, por omissão ou por opção, utilizar a alíquota de referência fixada pelo Senado.
Diante desse cenário, cumpre mencionar que foi apresentado na Câmara dos Deputados o PLP 68/2024, com as regras gerais da CBS e do IBS.
Até o momento, esse projeto ainda está em discussão no Congresso Nacional, entretanto, alguns pontos merecem uma análise detalhada, para evitar que eventuais inconstitucionalidades venham a ser aprovadas pelo parlamento.
O PLP 68 trata das alíquotas da CBS e do IBS nos artigos 14 e seguintes. De acordo com o § 1º, do art. 14, ao fixar sua alíquota, cada ente federativo poderá não a vincular à alíquota de referência fixada pelo Senado, ou vinculá-la à alíquota de referência da respectiva esfera federativa, por meio do acréscimo ou decréscimo à tal alíquota, definido em pontos percentuais.
Nos termos do art. 19, § 1º, III, do PLP 68, o ajuste da alíquota de referência do IBS deverá ser estabelecido por resolução do Senado, com observância tanto do princípio da anterioridade nonagesimal (art. 150, III, c, da Constituição Federal), como também do princípio da anterioridade anual (art. 150, III, b, da Constituição Federal).
Nada mais natural, afinal de contas, o IBS não se encontra dentre as exceções aos princípios a anterioridade nonagesimal e anual, dispostos no art. 150, III, alíneas b e c, da Lei Maior.
Ao contrário do que ocorre com a CBS, que, em caso de majoração da sua alíquota pela União Federal, deverá observar somente a anterioridade nonagesimal, nos termos do § 6º, do art. 195, da Constituição Federal.
Entretanto, a leitura do § 3º, do art. 14, do PLP 68, gerou uma certa dúvida a respeito do seu conteúdo e da sua devida observância ao princípio da anterioridade anual para a majoração da alíquota do IBS.
Isso porque, segundo o mencionado § 3º, a elevação de alíquota do IBS pelo ente federativo, não decorrente de variação da alíquota de referência da respectiva esfera federativa, se sujeitaria apenas à anterioridade nonagesimal disposta no 150, III, c, da Constituição Federal.
Em outras palavras, se os estados, Distrito Federal e municípios optarem por majorar as alíquotas do IBS, sem que isso seja decorrente de uma variação da alíquota de referência fixada pelo Senado, não deverá ser observada a anterioridade anual, mas somente a nonagesimal.
Causa estranheza o fato de que o ajuste da alíquota de referência do IBS fixada pelo Senado deverá observar a anterioridade anual e nonagesimal, de acordo com o art. 19, § 1º, III, porém, nos casos de majoração de alíquota por parte dos estados, Distrito Federal e municípios, somente a anterioridade nonagesimal deverá ser observada.
Nesse cenário, entendemos que não existe fundamento constitucional para justificar a não aplicação do princípio da anterioridade anual para os casos de majoração da alíquota do IBS pelos estados, Distrito Federal e municípios, quando esse aumento não estiver vinculado a uma variação da alíquota de referência. Afinal de contas, como já mencionado, o IBS não é uma exceção à aplicação conjunta da anterioridade anual e nonagesimal, como ocorre no caso da CBS, em que só deve ser aplicada a nonagesimal.
Portanto, entendemos que o disposto no art. 14, § 3º, do PLP 68, deve ser alterado, de maneira que, em caso de majoração das alíquotas do IBS, seja observada não apenas a anterioridade nonagesimal, mas também a anterioridade anual.