Os desafios para as federações partidárias nas eleições municipais

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O modelo de representação proporcional surgiu no Brasil com o Decreto 21.076/32, possibilitando que dois ou mais partidos firmassem alianças com finalidade estritamente eleitoral. Esse mecanismo foi extinto durante o período ditatorial, mas retornou ao ordenamento jurídico brasileiro pelo art. 6º da Lei 9.504/97.

Nos anos seguintes, a previsão normativa em questão foi judicializada, sendo que em resposta à consulta formulada, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu pela necessidade de verticalização das coligações, de modo que uma aliança estabelecida para a Presidência da República impunha a mesma formação nas circunscrições estaduais.

Em resposta, o Congresso Nacional editou a EC 52/06, conferindo nova redação ao §1º do art. 17 da Constituição, retornando à compreensão de que não há obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal. A quarta alteração sobreveio também da edição, pelo Congresso, da EC 97/17, que alterou novamente a formação de alianças partidárias, impedindo, expressamente, o uso desse mecanismo nas disputas proporcionais, limitando a formação de coligações aos cargos majoritários.

A justificativa para essa última alteração está relacionada à pulverização partidária, pois partidos sem grande representatividade utilizavam-se das coligações para servirem de “aluguel” para as legendas maiores. Além disso, muitas vezes essas coligações permitiam a união de partidos sem qualquer identidade ideológica, fazendo com que o voto do eleitor em um partido de esquerda pudesse contribuir para a vitória eleitoral de um candidato filiado a um partido de orientação ideológica à direita. Esses dois exemplos demonstram que o modelo prevalecente até o pleito de 2018 causava a desnaturação do sistema proporcional.

Em 2020, as eleições municipais inauguraram um novo modelo, no qual os partidos atuam na disputa pelos cargos proporcionais de modo exclusivamente individual. Todavia, como é comum no cenário jurídico-eleitoral, novas mudanças legislativas e decisões judiciais alteraram novamente o modelo adotado. Dentro desse novo contexto, cabe compreender, em especial, a forma como as federações partidárias podem impactar o pleito eleitoral deste ano.

Esse modelo de aliança partidária – já previsto anteriormente em outros países – foi instituído por meio da Lei 14.208/2021, posteriormente regulamentada pela Resolução TSE 23.670, permitindo a união de dois ou mais partidos por meio de uma afinidade programática vinculada à atuação eleitoral e ao funcionamento parlamentar, com um prazo mínimo de atuação de pelo menos quatro anos. O intuito da legislação foi promover maior coerência programática entre os partidos que formam essa vinculação, além de garantir que partidos menores obtenham sobrevida em razão das novas regras instituídas pela cláusula de desempenho.

As primeiras federações foram formadas em 2022 e tiveram seu teste inaugural nas eleições gerais daquele ano. Desde então, as alianças formadas, seguindo a determinação legal, continuam atuando conjuntamente, mas para o pleito eleitoral deste ano, não foram formadas novas federações. Diante desse cenário, são necessárias algumas reflexões sobre os desafios que se apresentam no contexto heterogêneo da política em muitos municípios.

A primeira questão envolve o regime jurídico das federações, visto que, em razão da necessidade de atuação conjunta e verticalizada, não é possível que, em determinado município, os partidos que firmaram a aliança atuem de modo separado. Esse é um cenário complexo, à medida que, diferentemente das eleições gerais, em que o número de candidatos é menor e a circunscrição eleitoral ocorre em âmbito estadual e nacional, a realidade dos municípios é muito diversa. Assim, partidos federados podem ter em seus quadros filiados que divergem no âmbito municipal e que pretendiam ser candidatos de maneira autônoma.

Todavia, isso não será possível, à medida que a compreensão jurídica – em especial da resolução que regulamentou a questão – determina não apenas a atuação conjunta, mas também que o número de candidatos seja único. Dessa forma, cada federação deve realizar a convenção partidária conjuntamente, na qual será formada a lista de candidaturas, com apenas um filiado entre os partidos candidato a prefeito(a) e vice-prefeito(a), assim como a lista de candidatos à vereança será preenchida conjuntamente. Ademais, como reflexo dessa última questão, os partidos precisam ficar atentos, pois a cota de gênero deve ser preenchida tanto individualmente quanto na somatória de candidaturas da federação.

Uma segunda problemática, diretamente relacionada com esse primeiro aspecto, envolve as eventuais resoluções quando existirem divergências na formação das chapas ou alianças nas disputas eleitorais municipais. Essa é uma questão que deve seguir os parâmetros estabelecidos pelo programa conjunto da federação, garantindo que os princípios que norteiam a aliança sejam seguidos. No entanto, é fato que essa questão representará um grande desafio a ser enfrentado pelos diretórios superiores.

Outra questão de extrema relevância envolve a regularidade dos diretórios municipais, pois a Resolução TSE 23.675/21 introduziu o §1º-A no art. 2º da Resolução TSE 23.609/19, que regulamenta as etapas atinentes ao registro de candidaturas. Essa disposição estabelece que, caso um dos diretórios dos partidos integrantes da federação esteja com a anotação suspensa em decorrência do julgamento das contas como não prestadas, as demais agremiações integrantes da aliança também ficarão impedidas de lançar candidaturas na municipalidade.

Em razão do impacto direto dessa disposição sobre a autonomia partidária (que tem amparo constitucional e foi preservada na Lei 14.208/21), a constitucionalidade está sendo questionada pelos partidos integrantes de federações partidárias junto ao STF por meio da ADI 7620, ainda pendente de análise.

Em paralelo, o próprio TSE instituiu recentemente por meio da Portaria TSE 346/2024, o programa “Regulariza JE Contas”, com o objetivo de regularizar a situação de contas das agremiações partidárias para garantir ampla participação dos partidos políticos nas eleições municipais. Esse programa, apesar de não ser voltado somente aos partidos integrantes das federações, pode refletir e amenizar os problemas enfrentados caso um dos diretórios esteja com a anotação suspensa.

Esses aspectos demonstram que as federações partidárias obtiveram grande êxito no pleito eleitoral de 2022, mas existem novos desafios que serão enfrentados nas eleições municipais deste ano, os quais demandam atuação preventiva no sentido de buscar a resolução de eventuais conflitos entre os membros das agremiações integrantes, bem como a regularização das contas dos diretórios, de modo a garantir a plena atuação nas diferentes fases do processo eleitoral.