MP 1127: o fim da compensação de créditos da não cumulatividade de PIS/Cofins?

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Foi publicada no último dia 4 a MP 1127/2024, que, entre outros temas, incluiu no § 3º do art. 74 da Lei 9.430/1996 o inciso XI, estabelecendo significativa limitação à possibilidade de utilização de créditos de PIS/Cofins decorrentes da não cumulatividade destas contribuições.

Ficou estabelecido pela Medida Provisória que, a partir de então, a regra é que créditos de PIS/Cofins decorrentes da não cumulatividade não podem mais ser utilizados para compensar débitos de tributos federais. A exceção a esta regra é a possibilidade de utilização dos créditos da não cumulatividade de PIS/Cofins em compensações com débitos também de PIS/Cofins.

Um primeiro ponto que chama a atenção, diante da previsão de eficácia imediata da medida provisória, diz respeito à segurança jurídica dos contribuintes, que, de uma hora para outra, deixarão de poder contar com os créditos da não cumulatividade de PIS/Cofins para compensarem débitos de outros tributos.

A nova restrição parece mais grave do que a que decorreu da Lei 13.670/2018, que alterou o inciso IX do mesmo dispositivo. Isso porque, em 2018, foi restringida a compensação de determinado débito, o de estimativa de imposto de renda e de contribuição social sobre o lucro.

Ou seja, mesmo com a restrição, de modo geral, ainda restava uma ampla possibilidade de utilização dos créditos do contribuinte, que permaneceram podendo ser compensados com débitos de outras espécies de tributos. Desta vez, porém, a restrição não está no débito, mas no crédito (justamente o crédito decorrente da não cumulatividade de PIS/Cofins), que fica adstrito para utilização em compensação com débito apenas uma espécie de débito, também PIS/Cofins.

E esta hipotética possibilidade remanescente de compensação do crédito de PIS/Cofins da não cumulatividade, com os débitos de PIS/Cofins, na prática, parece de muito difícil implementação. Isso se justifica analisando-se a sistemática de apuração do PIS/Cofins não cumulativos.

Como deixa claro o disposto no artigo 49 da Instrução Normativa 2055/2021, que atualmente regulamenta as compensações, em primeiro lugar, os créditos de PIS/Cofins devem ser utilizados para desconto dos débitos das contribuições, na apuração. Somente não sendo isso possível, em determinadas situações (como, por exemplo, quando tiverem vínculo com receitas de exportações ou com vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência), estes créditos podem ser pleiteados em ressarcimento ou compensação: 

Art. 49. Os créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins apurados na forma do art. 3º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e do art. 3º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003que não puderem ser utilizados no desconto de débitos das respectivas contribuições, poderão ser objeto de ressarcimento ou compensação, se decorrentes de custos, despesas e encargos vinculados: (…)

Ora, mas se os créditos de PIS/Cofins da não cumulatividade, que podem ser utilizados em compensações, são justamente aqueles que não puderam ser aproveitados na apuração dessas contribuições, mediante dedução dos seus próprios débitos, então de que adianta a medida provisória haver previsto que ainda resta uma possibilidade de utilização de tais créditos em compensações se justamente esta possibilidade é a compensação com débitos de PIS/Cofins? 

Ressalvadas situações envolvendo sazonalidades, em que, em determinado período, o contribuinte submetido ao regime não cumulativo não deve PIS/Cofins suficientemente para consumir seus créditos, mas, posteriormente, a situação se inverte, o que se verifica é a tendência de não haver mais como compensar créditos de PIS/Cofins da não cumulatividade.

Dito de outro modo, se na apuração do PIS/Cofins determinados contribuintes não apuram débitos suficientes dos quais podem descontar os créditos, muito provavelmente, com o passar do tempo, a situação não deverá se alterar, e estes mesmos contribuintes continuarão apurando mais créditos do que débitos de PIS/Cofins e a previsão remanescente de compensação será inútil.

Assim, de modo geral, para os créditos de PIS/Cofins da não cumulatividade restará apenas a infinitamente mais morosa via do ressarcimento, que, diferentemente da compensação (que independe de ato decisório da Receita Federal para ser implementada), fica sujeita a decisão da RFB a deferindo.

A inovação normativa trazida pela MP, sob essa perspectiva, poderia ser interpretada como uma utilização indevida do precedente fixado pelo STF no julgamento do Tema 756, por meio do qual se reconheceu a autonomia do legislador ordinário para tratar da não cumulatividade do PIS/Cofins, negando créditos em determinadas hipóteses e concedendo-os em (cada vez menos) outras. Sob o escudo da mera legalidade, a medida provisória parece atingir o núcleo duro do princípio da não cumulatividade do PIS/Cofins, violando a sua matriz constitucional, uma vez que impacta diretamente a sua eficácia.

Resta agora observar se o Poder Judiciário convalidará mais esta dura medida contra a segurança jurídica e a não cumulatividade do PIS/Cofins. Será mesmo admitido o pior dos mundos para alguns modelos de negócios e ramos de atividade, um regime efetivamente cumulativo, mas com as altas alíquotas do regime não cumulativo? A resposta para este questionamento, só o tempo irá nos trazer.