O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) corre o risco de repetir seus antecessores à direita e empoderar os militares—que andam em baixa perante a opinião pública—com a operação de Garantia da Lei e Ordem (GLO) estabelecida nos principais portos e aeroportos do país com o objetivo de combater o crime organizado. Estão previstas ações para os portos de Santos (SP), Rio de Janeiro e Itaguaí (RJ), além do Aeroporto Internacional de Guarulhos e o Galeão. A GLO também se estende a pontos de fronteira mais vulneráveis, como Foz do Iguaçu.
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À diferença de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), porém, Lula não tem o menor interesse em trazer as Forças Armadas de volta ao jogo político depois do golpe fracassado de 8 de janeiro—promovido, sim, por bolsonaristas, mas que não teria chegado a ameaçar as sedes dos Três Poderes, se não tivesse havido leniência de militares com manifestantes que se aglomeraram em frente a quarteis exigindo que as eleições presidenciais de 2022 fossem anuladas. Inclusive, em seus dois primeiros mandatos (2003-2011), o atual presidente chegou a decretar 39 operações do tipo. Já sua sucessora, Dilma Rousseff (PT), instituiu 27 GLOs. Ironicamente, Temer e Bolsonaro fizeram um menor uso do instrumento (17 e 9 respectivamente). A média de Temer, porém, é maior. Em seu curto mandato, houve uma GLO a cada 56 dias, superando todos os presidentes dos últimos 20 anos.
No entanto, cabe levantar a hipótese de que foram as GLOs dos governos petistas de 2003 a 2016 combinada com o envio de tropas para liderar a missão de paz da ONU no Haiti a partir de 2004, os pilares do retorno dos militares à política. Segundo essa visão, já debatida em círculos de poder do centro para a esquerda, o PT teria sem querer chocado o ovo da serpente que culminou com aquele que, na prática, talvez tenha sido o único golpe desferido desde o fim da ditadura militar: o famoso e infame tuíte do então comandante do Exército em 3 abril de 2018, general Eduardo Villas Bôas, colocou uma espada no pescoço dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que julgaria no dia seguinte a ordem de prisão de Lula, então já condenado em segunda instância no caso do triplex do Guarujá.
“Asseguro à nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”, escreveu Villas Bôas na rede social hoje denominada X. Com a Suprema Corte tendo autorizado a prisão de Lula, o atual presidente—que liderava a corrida eleitoral daquele ano—acabou por ter o pedido de sua candidatura indeferido em setembro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Bolsonaro foi eleito em meio a uma onda antissistema e a comoção causada pelo atentado de Juiz de Fora, em que lhe foi desferida uma facada. Os militares, que segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) já ocupavam cada vez mais cargos em funções civis desde o governo Rousseff, passaram a oscilar entre o papel de senhores da República até serem cooptados pelo bolsonarismo, como os eventos do ano passado e começo de 2023 sugerem.
A GLO vai até maio de 2024. Sua extensão não será conveniente para ninguém exceto para os partidários da extrema-direita e expoentes do crime organizado. Não duvidem do poder dos últimos em cooptar forças de segurança, nem da capacidade dos primeiros em reativarem seus contatos na máquina pública — civil e militar — caso uma nova oportunidade de golpe surja. Com Donald Trump tendo chances significativas de voltar à presidência dos Estados Unidos, o principal entrave internacional para a autocratização do Brasil tende a cair por terra.
Menos de um ano depois da terceira posse de Lula, parece que a esquerda já esqueceu que sem as potências ocidentais e, em menor escala, os vizinhos latino-americanos democráticos, o golpismo bolsonarista-militar teria rendido frutos. As vivandeiras de quartais apenas esperam solo fértil e ventos externos favoráveis para que voltem a vicejar às custas da democracia e do Estado de Direito.