Nos processos licitatórios, o critério de julgamento é o ponto central para a escolha da proposta mais vantajosa para o futuro contrato. Ocorre que, quando se trata de concessões de serviços públicos, a combinação de técnica e preço, apesar de amplamente discutida, apresenta mais limitações do que vantagens. Em tese voltada para garantir a qualidade técnica associada à sustentabilidade financeira, essa modalidade frequentemente se mostra inadequada na prática, especialmente em setores tecnicamente consolidados.
Historicamente, os critérios de licitação foram moldados para atender a contratos administrativos em que a Administração Pública pagava pela execução de obras e serviços. Mas, excepcionalmente em casos de necessidades extraordinárias para a execução da obra, se poderia cogitar da técnica e preço.
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Situações nas quais não se dominasse a técnica – e o seu ingresso como critério de julgamento decorreria dos fatos e da respectiva necessidade pública. Aqui existe um trade-off: em razão de ser imprescindível a análise técnica, paga-se um preço maior. Vale a pena pagar mais porque não se domina integralmente a técnica que supra a necessidade pública – daí a vantagem do critério excepcional.
Já os atuais contratos de concessão, marcados pela dependência de receitas geradas pelos próprios usuários, exigem foco distinto. São contratos de longo prazo, que demandam fluxos financeiros contínuos e a cooperação entre várias áreas do conhecimento unidas em torno da necessidade pública de o serviço adequado ser prestado de modo contínuo, de forma transparente e atenta à modicidade tarifária. O centro de gravidade é a solidez financeira do concessionário, capaz de garantir a execução do contrato em sua longa maturação.
Pense-se em setores como energia elétrica, transporte coletivo e saneamento básico. Trata-se de setores maduros, com soluções tecnológicas amplamente padronizadas em foros internacionais e por isso, já absorvidas pelo mercado. A concorrência, pelo mercado e no mercado, é significativa. Os padrões técnicos já estão bem definidos e consolidados, com pouca margem relevante de inovação ou diferenciação técnica. Logo, a técnica é amplamente atendida de modo uniforme e estável por diversos operadores qualificados.
Em todos esses setores consolidados, o critério de técnica e preço carece de justificativa sólida. A complexidade técnica que um dia poderia justificar a avaliação da expertise como critério prioritário hoje é mínima, se não inexistente. Não instala a possibilidade de um julgamento objetivo que traga valor ao processo licitatório.
Insistir no modelo de técnica e preço para esse tipo de licitação aumenta os custos de transação e também incentiva um ambiente pouco competitivo, no qual propostas robustas financeiramente podem ser preteridas em função de avaliações técnicas arbitrárias ou desnecessárias. O resultado? Riscos elevados de inadimplência, falhas na prestação do serviço e – o que é pior – um trade-off que onera o usuário.
Como bem destacou o TCU no acórdão 3.750/2019, o critério de técnica e preço deve ser reservado a situações excepcionais, onde a predominância do elemento intelectual seja demonstrada de forma inequívoca, devidamente fundamentada.
Afinal, a inserção do critério da técnica demanda que a respectiva solução seja altamente especializada e esse diferencial objetivo configure-se como essencial à execução do contrato – daí ser possível afetar o preço (da oferta ou da futura tarifa, no caso das concessões) como definidor da vantagem a ser concretizada em favor do interesse público. O entendimento é reiterado no TCU, como se infere da leitura dos seguintes acórdãos: 755/2025 – Plenário; 336/2025 – Plenário; 323/2025 – Plenário.
A bem da verdade, a prioridade deve ser outra em setores que contem como elevada estatura técnica acessível de modo uniforme aos operadores: a análise rigorosa da capacidade financeira dos licitantes. Isso porque contratos desse tipo demandam um aporte inicial significativo, com retorno projetado em décadas, e apenas licitantes com estrutura econômica robusta têm condições de honrar os compromissos assumidos ao longo do tempo.
Mesmo porque as propostas a serem apresentadas na licitação serão previamente submetidas a instituições financeiras e seguradoras – que, certamente, avaliarão a capacidade de os interessados cumprirem as metas contratuais.
É preciso abandonar o anacronismo de tratar todos os contratos administrativos sob o mesmo prisma. O que é válido para objetos de elevada complexidade intelectual – como em áreas de inovação tecnológica ou projetos altamente customizados – não se aplica a setores nos quais o mercado já alcançou um estado de maturidade técnica.
Adotar critérios predominantemente financeiros, como menor tarifa e maior preço de outorga, não é apenas mais adequado: é essencial para garantir eficiência, competitividade e universalização dos serviços públicos, promovendo benefícios reais para a sociedade.